Depois das Farc: parque arqueológico colombiano ressurge para o turismo

As 162 tumbas subterrâneas de Tierradentro foram esculpidas em rocha vulcânica sólida séculos atrás — Foto: Christopher P Baker/BBC TravelAs 162 tumbas subterrâneas de Tierradentro foram esculpidas em rocha vulcânica sólida séculos atrás — Foto: Christopher P Baker/BBC Travel

As 162 tumbas subterrâneas de Tierradentro foram esculpidas em rocha vulcânica sólida séculos atrás — Foto: Christopher P Baker/BBC Travel

Há uma década, a morte espreitou meu caminho rumo ao Parque Arqueológico Nacional de Tierradentro. A estrada da cidade de Popayán, sobre a Cordilheira da Colômbia Central, era famosa por emboscadas e sequestros. Postos militares isolados sugeriam a presença ameaçadora de guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc).

Agarrei o volante com força ao atravessar a estrada de terra cruzando uma paisagem andina sombria, com um nevoeiro frio girando em torno de mim. Felizmente, cheguei a uma das maiores necrópoles do mundo. Sem surpresa, tive o vasto hipogeu pré-colombiano de Tierradentro só para mim.

A maior coleção de monumentos religiosos e esculturas megalíticas da América do Sul não está na Ilha de Páscoa, no Chile, ou no Peru, como se imaginaria. Ela está em Tierradentro, que abriga 162 tumbas subterrâneas esculpidas em rocha vulcânica, e no entorno da cidade vizinha de San Agustín, com mais de 500 estátuas de pedra monolíticas e tumuli (túmulos antigos) – obras espalhadas por 2.000 quilômetros quadrados de montanhas e planaltos no Vale do Alto Madalena, no sul da Colômbia.

Essas lembranças de uma avançada, porém desconhecida (e sem nome) cultura andina pré-colombiana esteve fora de alcance durante as cinco décadas de guerra civil. Agora que a região está a salvo da guerrilha das Farc, os impressionantes, mas pouco conhecidos locais com título de Patrimônio Mundial da Unesco são facilmente visitados e garantem surpreender e inspirar os desbravadores.

Retorno à região

Voltei após oito anos da minha primeira viagem à remota Tierradentro, cujo centro é o vilarejo de San Andrés de Pisimbalá, localizado entre as encostas montanhosas do Vale do Inzá, a 115 km a nordeste de Popayán.

Dos idênticos (e minúsculos) Museu Etnográfico e Museu Arqueológico, segui por uma trilha montanhosa e lamacenta que serpenteava as cordilheiras montanhosas, conectando as cinco principais concentrações de túmulos.

Senti uma vertigem enquanto olhava para o impressionante abismo negro do Alto de Segovia e descia por uma elaborada escadaria em espiral de oito metros no monte de andesito, um tipo de rocha magmática típica das montanhas andinas. Senti-me como Indiana Jones entrando no túmulo do imperador.

Pouco se sabe sobre a sociedade pré-colombiana responsável pelas câmaras funerárias e estátuas encontradas em Tierradentro e San Agustín — Foto: Christopher P Baker/BBC TravelPouco se sabe sobre a sociedade pré-colombiana responsável pelas câmaras funerárias e estátuas encontradas em Tierradentro e San Agustín — Foto: Christopher P Baker/BBC Travel

Pouco se sabe sobre a sociedade pré-colombiana responsável pelas câmaras funerárias e estátuas encontradas em Tierradentro e San Agustín — Foto: Christopher P Baker/BBC Travel

Abaixo, a vasta câmara funerária media em torno de 12 metros de largura. Minha tocha iluminava paredes e colunas adornadas com desenhos geométricos com pigmentos em preto, amarelo e ocre; e figuras humanas e animais dançavam nas sombras cintilantes enquanto eu caminhava.

Outra tumba foi habilmente esculpida para replicar um telhado inclinado e outros elementos de uma casa de madeira pré-hispânica: uma alegoria para preparar o morto para o pós-vida.

Desde a década de 1530, quando a região foi subjugada pelos conquistadores espanhóis, a área foi habitada pelos Nasa, um povo indígena que fala páez (uma língua chibcha). No entanto, pouco se sabe sobre a misteriosa cultura que floresceu durante o primeiro milênio, mas que desapareceu seis séculos antes de os espanhóis e os Nasa entrarem em cena.

Embora as escavações tenham começado na década de 1930, os arqueólogos ainda não sabem explicar quem se estabeleceu na região, de onde vieram ou para onde foram. E ninguém sabe a relação entre os escultores dos complexos túmulos e câmaras de Tierradentro e, a 180 km a sudoeste, os túmulos e estátuas gigantescas de San Agustín.

Estátuas gigantes

O drama da gigantesca estátua de pedra sob cuja a base eu parei parecia apropriado para aquele cenário estupendo. Ela estava desgastada e coberta de algas verde-azuladas; elevava-se a uns cinco metros por cima de mim; solene e de olhos grandes, com uma grande boca carrancuda.

A estátua é apenas uma de um verdadeiro exército de colossos e totens que enfeitam pequenos platôs ao redor de San Agustín, uma adorável cidade colonial perto da fronteira equatoriana. Cerca de um terço está preservada no Parque Arqueológico de San Agustín, compreendendo cerca de 50 locais de sepultamento na cidade que empresta o nome a toda a coleção.

A maioria das estátuas foi encontrada em imensos túmulos nos quais o povo pré-colombiano enterrava seus chefes. Meu guia, Davido Pérez, conhecia os detalhes das estátuas e seus sarcófagos de pedra – cobertos por enormes tábuas.

Muito expressivas e vívidas, as estátuas são tão refinadas e bem preservadas que atravessam as barreiras da cultura e do tempo. Pérez tagarelou enquanto seguíamos uma trilha que subia uma colina até o Alto dos Ídolos, um enorme sítio antigo.

“O que você vê é o legado de um intenso culto fúnebre”, disse Pérez. “A morte era vista simplesmente como uma transição para outra vida”.

Talhadas em pedras vulcânicas relativamente macias, as estátuas – conhecidas localmente como chinas – variam desde 20 centímetros a sete metros. A maioria era retangular. Algumas eram ovais. Outras bastante hemisféricas.

No topo de um monte, parcialmente coberta pela folhagem suspensa, nos deparamos com uma estátua solitária – apelidada de Doble Yo (“Eu Duplo”) – olhando fixamente para a frente, com um sorriso perverso esculpido em seus lábios. Sobre ela foi esculpida uma pele e a cabeça de um jaguar que, por sua vez, era coberta pela pele de um crocodilo.

“Esta estátua funde o homem e a mulher”, disse Pérez. “Também simboliza o acasalamento de espíritos humanos e animais onde os xamãs buscam poder e magia.”

“Esta aqui está vomitando”, disse Pérez, apontando para uma figura de olhos arregalados. “Ela descreve a prática antiga de ingestão de alucinógenos.”

O significado simbólico de muitos outros desenhos só pode ser imaginado.

No dia seguinte, nossos cavalos cruzaram com firmeza a trilha íngreme que levava morro abaixo a um local chamado La Chaquira. Desmontamos dos animais e descemos por uma escadaria esculpida na encosta de um precipício repleto de pedras que se erguiam sobre o turbulento rio Magdalena. Cachoeiras despencavam da parede do desfiladeiro distante. Foi estupendamente pitoresco.

Pérez virou-se para apontar petróglifos gravados nas pedras maciças posicionadas na beirada do cânion. O maior exibia um homem com as mãos erguidas, homenageando a magnífica paisagem da Mãe Natureza.

Olhando para o desfiladeiro, imaginei o conquistador espanhol Sebastián de Belalcázar e seu implacável exército marchando pelo vale no final da década de 1530, depois de conquistar as terras incas. Os indígenas enfrentaram uma resistência corajosa, mas não foram páreo para as balestras e mosquetes.

Mas as estátuas e túmulos permaneceram desconhecidos até 1757, quando o Frei Juan de Santa Gertrudis tropeçou na vasta biblioteca lítica e a chamou de “obra do diabo”, já que “os [nativos] não tinham ferro ou instrumentos para produzir tal coisa”.

O Frei Juan de Santa Gertrudis, que encontrou as estátuas e túmulos em 1757, descreveu-as como 'obra do diabo' — Foto: Christopher P Baker/BBC TravelO Frei Juan de Santa Gertrudis, que encontrou as estátuas e túmulos em 1757, descreveu-as como 'obra do diabo' — Foto: Christopher P Baker/BBC Travel

O Frei Juan de Santa Gertrudis, que encontrou as estátuas e túmulos em 1757, descreveu-as como ‘obra do diabo’ — Foto: Christopher P Baker/BBC Travel

Os túmulos foram saqueados séculos atrás por conta de suas huacas de ouro (objetos reverenciados) e relíquias preciosas. E muitas das estátuas originais foram perdidas ou dispersas pelo mundo. Em 1899, por exemplo, antropólogos britânicos liderados pelo capitão HW Dowding conduziram várias dúzias de estátuas em um barco com destino à Inglaterra, que afundou.

Apenas uma efígie foi recuperada e transportada para Londres, e está no Museu Britânico. A maioria das estátuas remanescentes está fincada em concreto e vergalhões, mas ocasionalmente ainda desaparecem. Há grande demanda por elas no mercado negro de antiguidades, e hoje elas estão na lista vermelha dos objetos culturais latino-americanos em risco.

Apesar de estar numa região remota, achei este fértil centro de esculturas muito cativante, e a atmosfera outrora tensa agora é tão relaxada que meu único risco era querer ficar por lá.

Apreciei com calma a abundância de outras atrações da região: rafting no rio Magdalena; exploração do deserto de Tatacoa; e a montanha com cavernas habitadas por aves noturnas. Enquanto eu, novamente, atravessava uma estrada de chão que cortava a paisagem andina selvagem e varrida pelo vento, pensei sobre como os perigos da guerrilha são uma coisa do passado, e como as estátuas inescrutáveis de San Agustín e as figuras subterrâneas dançantes de Tierradento finalmente ressurgiram dos mortos depois de décadas fora de alcance.

Fonte: G1