Ponte aérea 40% mais cara faz passageiro trocar avião pelo ônibus em viagens entre Rio e São Paulo

Com aumento das tarifas, passageiros trocam ponte aérea por ônibus no trecho Rio-São Paulo

Com aumento das tarifas, passageiros trocam ponte aérea por ônibus no trecho Rio-São Paulo

Acostumado a levar cerca de uma hora na ponte aérea entre o Rio de Janeiro e São Paulo, o estudante João Vitor Câmara, de 25 anos, resolveu em 2021 — pela primeira vez — encarar seis horas de ônibus no mesmo trajeto. A mudança de hábitos se deu depois que o preço da passagem começou a pesar mais no bolso.

Levantamento feito pelo g1 com base em dados da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) aponta que os preços das passagens entre os aeroportos de Santos Dumont (Rio) e Congonhas (SP), assim como o do trecho inverso, são os maiores desde 2012.

O bilhete médio entre Santos Dumont e Congonhas aumentou 40% de 2019, o último ano antes da pandemia, para 2022: de R$ 405 para R$ 569. No trecho inverso, entre o aeroporto paulistano e o do Rio, o valor subiu 37% no mesmo período: de R$ 403 para R$ 553.

A ponte aérea Congonhas-Santos Dumont-Congonhas é a rota mais movimentada do Brasil em número de passageiros.

“Eu nunca tinha ido de ônibus do Rio pra São Paulo. Antes, a diferença era de R$ 100 do ônibus pro avião. Mas passagens [de avião] agora estão num preço bizarro, algo como R$ 800, que era o que eu pagava antes pra ir pra Fortaleza”, diz João Vitor.

A tarifa continua alta em 2023 entre São Paulo e Rio e vice-versa. O preço médio mensal de fevereiro de 2023 (R$ 446 e R$ 428), por exemplo, é o maior desde 2016. Janeiro, por sua vez, teve o maior valor mensal médio (R$ 490 e R$ 476) desde 2014.

Especialistas apontam o dólar e o querosene de aviação como principais vilões no encarecimento das passagens aéreas. A moeda continua em índices elevados, com cotação atual pouco abaixo dos R$ 5. Já o valor atual do combustível, R$ 5,27 por litro, só não é maior que o registrado em alguns períodos de 2022 (leia mais abaixo).

Mais passageiros nos ônibus

Movimentação de passageiros na Rodoviária do Tietê, na Zona Norte de São Paulo. — Foto: Fábio Tito/g1

Dados da Anac e da Agência Nacional de Transporte Terrestres (ANTT) apontam que João Vitor não foi o único a trocar o aeroporto pela rodoviária.

Enquanto os aeroportos de Congonhas e Santos Dumont ainda tentam retomar a movimentação de antes da pandemia na ponte aérea, empresas que operam as viagens de ônibus interestaduais entre as duas capitais tiveram aumento de 27% no movimento.

Dois milhões de passageiros fizeram os trechos Rio-SP e SP-Rio em 2022, contra 1,6 milhão no ano de 2019. O crescimento no trajeto destoa da tendência nacional no setor rodoviário, que registrou 7% menos passageiros em 2022 (37,8 milhões) na comparação com 2019 (40,7 milhões).

Já a movimentação nos voos entre os aeroportos de Congonhas e Santos Dumont foi de 2,9 milhões de passageiros em 2022, valor 27% mais baixo que os 4 milhões de 2019.

Há ainda a vantagem da flexibilidade: uma passagem de ônibus entre São Paulo e Rio (e vice-versa) para o dia seguinte custa em torno de R$ 100. Um bilhete aéreo entre Congonhas e Santos Dumont (ou a rota inversa), comprado sem antecedência, chega a superar R$ 1.000.

Felipe Vieira, profissional de marketing digital, também migrou do avião para ônibus nas viagens tanto a trabalho quanto a lazer.

“A passagem aérea tá muito cara. Houve alguns reajustes nas passagens de ônibus, mas ainda assim é mais em conta. Tudo bem que o tempo é desgastante, são quase seis horas e alguma coisa, mas acaba valendo a pena”, afirma.

Preço X conforto

Movimentação de passageiros na Rodoviária do Tietê, na Zona Norte de São Paulo. — Foto: Fábio Tito/g1

Porta-voz da Associação Brasileira das Empresas de Transporte Terrestre de Passageiros (Abrati), Letícia Pineschi aponta que a migração não veio apenas do setor aéreo, mas também do transporte de carros de passeio.

“Tem essa migração dos modais, que não é só do aéreo, mas também dos carros particulares. Hoje um carro popular custa R$ 90 mil, além do custo de gasolina, pedágio”, diz.

Segundo ela, o maior investimento das empresas em conforto também é um fator que ajuda a atrair mais passageiros.

“A gente tem uma busca maior pelos serviços especiais. Pelo semileito, leito e cama com cabine individual. Praticamente 100% da frota no Sudeste é equipada com wi-fi, tomadas usb, e algumas têm serviço de bordo. Tem também os sites próprios que oferecem vantagens e programas de fidelidade. Isso tudo está presente agora muito mais do que em 2019.”

A estudante Beatriz Sá é uma das que veem vantagem no conforto dos ônibus.

“Pra levar bagagem no avião é muito mais caro. E o ônibus é mais confortável, considerando que o avião quase não tem mais serviço nenhum. Você sai com fome, irritado. Pelo preço, tem compensado muito mais o ônibus. Fora que quando você tem que remarcar a passagem ou quando compra em cima da hora é muito mais flexível”, diz.

Já a figurinista Alexandra Malschitzky, que geralmente escolhe as poltronas mais reclináveis para viajar de ônibus, afirma que o conforto não é suficiente para compensar a diferença no tempo do percurso.

“Geralmente eu faço a viagem à noite pra vir dormindo. Eu gosto que recline pra ficar confortável e também poder dormir. Mas não compensa. Se eu tivesse o valor, com certeza faria em menos tempo. Porque [de avião] são ali 40 minutos, vale muito mais a pena.”

O economista Marcus Quintella, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) e diretor da FGV Transportes, diz que a migração de passageiros de avião para o ônibus no trecho entre São Paulo e Rio se deve a um cenário de economia enfraquecida, melhora da qualidade rodoviária e maior conforto dos veículos.

Não necessariamente essa migração [do avião para o ônibus] acontece 100% das vezes, mas ela realmente acontece. Principalmente para aquelas pessoas que não precisam do tempo como grande variável. A ponte aérea Rio-São Paulo tem um trecho de voo na faixa de uma hora, contra seis horas e meia do ônibus”, afirma.

Ele avalia que a queda do transporte aéreo, reflexo da economia, será revertida com o tempo:

“A economia que vai nortear: a renda da população, a taxa de juros, o nível de desemprego. Tudo isso faz as pessoas voarem. Se pegar cinco anos atrás, aquela época que teve o boom dos voos domésticos, pessoas que nunca tinham viajado de avião começaram a viajar, isso porque a economia proporcionava essa situação para as pessoas. Então certamente hoje existe uma retração um pouco maior, mas logo vai retomar. As situações na economia são cíclicas”.

O que dizem as empresas aéreas

O g1 questionou a Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear) sobre a queda no número de passageiros entre os aeroportos de Congonhas e Santos Dumont, assim como no trecho inverso. Entre outras, a entidade reúne Azul, Gol e Latam, as empresas que operam entre voos os dois aeroportos da capital paulista e fluminense e são responsáveis por mais de 99% do mercado doméstico nacional.

A Abear não respondeu especificamente sobre a ponte aérea. A associação afirma que o câmbio representa 60% dos custos de uma companhia aérea. “A relação de moeda mostra que o valor do dólar no início de 2014 era praticamente a metade do valor que temos hoje”, diz, em nota.

Outro fator que pesa na tarifa é o valor do querosene de avião, que atingiu recordes consecutivos nos últimos anos, segundo dados da Anac — o monitoramento vai até janeiro de 2013.

Segundo a Abear, o preço do querosene de avião, que responde por cerca de 40% dos custos, foi “agravado pela pandemia e, no último ano, pela guerra na Ucrânia, comprometendo todo o mercado internacional de óleo e gás, pressionando os custos de refino do petróleo. Apenas de 2019 para 2022 o custo do combustível subiu 121%.”

A Abear disse ainda que considera positivas as recentes medidas anunciadas para redução do preço do combustível e a desoneração de impostos sobre o setor, mas defende que é necessário revisar a forma como é cobrado o combustível usado nos aviões.

“O combustível brasileiro segue precificado como se viesse do exterior, sendo que mais de 90% desse insumo é produzido no país. O QAV disparou nos últimos três anos e isto impacta custos estruturais e preços de bilhetes”, afirma.

Fonte: G1