Volta da exigência de visto para americanos no Brasil: associações do setor temem impacto no turismo

Saguão do Aeroporto Internacional Salgado Filho, em Porto Alegre. — Foto: Reprodução/RBS TV

A decisão do ocorreu após consultas do governo Lula a esses quatro países sobre a possibilidade de isentar os brasileiros de vistos, em respeito ao princípio da reciprocidade, um conceito do Direito Internacional que estabelece que os países devem ser tratados igualmente.

O g1 conversou com um especialista em relações internacionais e duas associações ligadas ao turismo para entender quais seriam os impactos da decisão:

  • para o professor de Relações Internacionais da FGV Vinícius Vieira, a volta do visto é acertada porque “abrir mão da exigência do visto” diminui o poder de barganha do Brasil em negociações externas;
  • a presidente do Conselho de Turismo da Fecomercio-SP, Mariana Aldrigui, entende que o princípio da reciprocidade não funciona para o turismo. Enquanto uma viagem para os Estados Unidos, por exemplo, é o “sonho de consumo” de muitos brasileiros, os norte-americanos dão preferência para passear em países do Hemisfério Norte, diz ela;
  • o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH), Manoel Linhares, lembra que a isenção do visto era uma reivindicação antiga do setor e que a medida não teve tempo de impactar o turismo por conta das restrições da pandemia;
  • em 2017, o Ministério do Turismo chegou a propor a isenção de visto para os 4 países, mas o Itamaraty foi contra por entender que, em troca, os brasileiros deveriam ter os mesmos benefícios.
  • O Ministério do Turismo não se pronunciou até a publicação desta reportagem.

Saiba mais detalhes a seguir.

Fluxo de turistas no Brasil

Ao reverter a isenção do visto, o governo Lula avaliou que o impacto da retomada deverá ser pequeno e usou como evidência os dados de fluxo de entrada de pessoas desses países desde 2019.

O ingresso de turistas dos EUA registrou alguns picos no Brasil após a isenção do visto, mas o aumento não foi muito maior do que antes dessa medida vigorar, segundo números da Polícia Federal enviados ao g1.

No pico de 2019, em dezembro, já sob a isenção de visto, 36.615 turistas americanos entraram no país. Foi o segundo maior número da série que começa em 2017 e vai até fevereiro deste ano.

Ele foi superado somente em dezembro passado, quando 37.376 turistas dos EUA chegaram.

Mas esses dois números não estão muito acima de outro pico, registrado em dezembro de 2012, quando o visto ainda era exigido e 31.301 cidadãos dos EUA vieram ao país para turismo.

Acontece que, de forma geral, os gráficos mostram uma forte queda na entrada de pessoas no Brasil a partir de março de 2020, com a pandemia de Covid-19.

Até agora, Canadá, Austrália e Japão não retomaram os níveis de ingresso pré-pandemia. Somente os Estados Unidos, que são a segunda maior origem de turistas no Brasil, depois da Argentina, voltaram ao patamar anterior.

Tempo curto para avaliar medida

Por isso é que, para o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH), Manoel Linhares, não é razoável balizar a decisão levando em conta dados de 2020, 2021 e 2022, “uma vez que o mundo estava em plena pandemia e pautado pelas restrições impostas pelo momento.”

“Há um grupo grande de pessoas que ainda está com receio de viajar. […] A impressão que nos dá é que mais uma vez o turismo é olhado e avaliado como um setor de menor importância”, acrescentou Mariana Aldrigui, presidente do Conselho de Turismo da FecomercioSP.

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‘Reciprocidade’ vale para o turismo?

“A decisão vai em linha com a abordagem do atual governo de colocar o Brasil em pé de igualdade com outros países do mundo”, afirma o professor de relações internacionais da FGV Vinícius Vieira.

“Abrir mão da exigência do visto é uma medida pouco inteligente do ponto vista das negociações comerciais e investimentos, porque é um poder de barganha que o Brasil perde ao fazer uma cessão unilateral”, destaca.

“Entendemos e respeitamos o princípio reciprocidade. Ele é válido para a diplomacia, mas quando se fala de turismo, as escalas são muito diferentes”, diz Mariana Aldrigui, presidente do Conselho de Turismo da Fecomercio-SP.

“Os Estados Unidos são o destino dos sonhos de muitos brasileiros…desenhos, filmes, quase tudo nos remete a eles. Mas o inverso não é verdadeiro em hipótese alguma. Quando o norte-americano pensa em viagem internacional, ele pensa, especialmente, no Hemisfério Norte”, diz ela.

“O Brasil, para os norte-americanos, está na coleção de destinos exóticos e, para ser lembrado, ele entra num terreno de altíssima competição. Quase todos os países querem os norte-americanos”, acrescenta.

Segundo Mariana, países do Caribe, por exemplo, são um destino muito buscado dentro desse terreno de viagens “exóticas”. Essas nações, junto a Emirados Árabes, Tailândia e Filipinas, têm feito fortes investimentos em marketing e capacitação para atrair turistas, ressalta.

Para Mariana, o turismo brasileiro enfrenta ainda outra desvantagem: a crise de imagem que o país sofreu nos últimos anos e que, neste momento, começa a se reposicionar com o atual governo. “Cada mensagem negativa que chega leva muito tempo para ser recuperada”, comenta.

Pelos motivos acima, ela avalia que a isenção de visto poderia se consolidar uma vantagem competitiva para o Brasil atrair turistas.

Isenção é reivindicação antiga do turismo

“A liberação dos vistos para os países que mais viajam pelo mundo, em 2019, foi a consolidação de um pleito de duas décadas”, pontua Linhares, da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH).

Durante a Copa das Confederações e Jornada Mundial da Juventude de 2013 e Copa do Mundo de 2014, o Brasil chegou a estabelecer categorias especiais de visto para a entrada e permanência por 90 dias de turistas que viriam para os eventos.

Dois anos depois, em 2017, o Ministério do Turismo chegou a propor o fim da exigência de visto de maneira definitiva a esses países, ao considerar que o custo e o processo de obtenção do visto seriam obstáculos às viagens ao Brasil.

Mas o Ministério das Relações Exteriores foi contra por entender que deveria prevalecer o princípio da reciprocidade, ou seja, que os brasileiros deveriam ter os mesmos benefícios que os norte-americanos.

Isso porque, em janeiro de 2017, o presidente Donald Trump editou um decreto com o objetivo de dificultar a concessão de visto a cidadãos de diversos países, entre os quais do Brasil.

O Itamaraty contestou e disse que o dinheiro dos vistos não ficava nos consulados brasileiros no exterior e que eram encaminhados ao Brasil.

Para obter visto, os cidadãos americanos precisavam ir a um consulado brasileiro. Em geral, o processo de emissão incluía o preenchimento de um formulário online, o pagamento de uma taxa, uma entrevista no consulado e a espera pela liberação do documento. A permissão costumava ser válida por dez anos e tinha um custo entre US$ 80 e US$ 160.

Em janeiro de 2018, o Brasil passou aceitar vistos eletrônicos para turistas dos EUA. A plataforma dispensava os cidadãos de irem presencialmente aos consulados brasileiros para obter o documento. O custo era de US$ 40 e tinha validade máxima de dois anos.

Japoneses e canadenses também passaram a ter acesso a vistos eletrônicos em janeiro de 2018. Australianos têm esse benefício desde novembro de 2017.

Nota do Itamaraty

“O Governo brasileiro decidiu retomar a exigência de vistos de visita para cidadãos da Austrália, Canadá, Estados Unidos e Japão. A decisão foi tomada após consultas a esses quatro países sobre a possibilidade de concessão de isenção de vistos aos nacionais brasileiros, em respeito ao princípio da reciprocidade. A medida passará a valer a partir de 1º. de outubro de 2023.

A isenção fora estabelecida pelo Decreto 9.731, de 16 de março de 2019, em rompimento com o padrão da política migratória brasileira, historicamente alicerçada nos princípios da reciprocidade e da igualdade de tratamento.

O Brasil não concede isenção unilateral de vistos de visita, sem reciprocidade, a outros países.

A partir da data de entrada em vigência da medida, será adotada a modalidade do visto eletrônico, que vigorava antes da isenção unilateral.

Em atenção aos interesses dos cidadãos brasileiros, o governo brasileiro estará pronto a seguir negociando, com os quatro mencionados países, acordos de isenção de vistos em bases recíprocas.”

Fonte: G1