Em documentário, o encantamento e o sacrifício do balé

Palco, aplausos, holofotes, encantamento. Essa é a magia que cerca a vida de bailarinos e leva muitos a buscar viver desse sonho, mas não é tudo. Ensaios, provas de figurinos, dores, decepções. Esse é o outro lado dessa vida, que muitas vezes não é exibido em filmes e séries sobre o tema, mas está no cotidiano dos maiores bailarinos.

“Quando comecei a dançar, senti a necessidade de ter referências. Lembro do meu pai falando ‘o que é um bailarino, o que você quer sendo o primeiro bailarino?’. Então, percebi que de onde venho ninguém entende essa carreira”, conta o brasileiro Thiago Soares, de 37 anos, primeiro bailarino – posição mais almejada pelos profissionais do clássico – do The Royal Opera House, de Londres.

Soares é o protagonista do documentário Primeiro Bailarino, que estreia no canal MAX neste domingo, 14, às 21h, e mostra o que é ser um profissional do balé, integrante de uma grande companhia de dança. Durante os 91 minutos, se assiste aos desafios enfrentados por quem faz essa escolha. “Vemos como a vida artística depende da capacidade dele de se impor novos desafios, novas metas. Algumas que envolvem sacrifícios grandes. O filme mostra justamente o que é necessário de um artista”, afirma o diretor Felipe Braga, sobre a escolha de fugir da narrativa “comum” de retratar a trajetória de vida das pessoas até alcançarem seu sonho.

Soares iniciou a vida na dança com o hip-hop pelas ruas de Vila Isabel, no Rio. Mas trocou os tênis por sapatilhas. Aos 22 anos, entrou na companhia de Londres e, como explica no filme, em quatro anos se tornou o primeiro bailarino.

Há dois anos, no momento em que filmava o documentário, ele conta que estava em um momento muito particular de carreira. Isso o ajudou a transmitir para as telas o que sentia nos ensaios para o espetáculo Romeu e Julieta, as dores que enfrentava decorrentes das horas de repetições, as frustrações de ver que algo não estava saindo do jeito que queria. “Eu havia acabado de me divorciar e meu nome era trabalho, a minha vida era a dança. Naquele período, me esqueci de mim, eu era meus personagens, era aquela loucura que dá para ver no filme. E pensei que era o momento perfeito de mostrar o que é essa profissão”, lembra.

Artista

Um dos aspectos abordados ao longo do documentário é o quanto os bailarinos precisam conviver com a dor se quiserem ser estrelas. Em muitas cenas, vemos Soares com compressas de gelo, se alongando vagarosamente para manter a elasticidade ou passando por sessões de massagens.

“Para mim, o interessante foi poder contar uma história diferente. Mostrar que eles (bailarinos) são atletas olímpicos, têm o treinamento, a dor, a preparação inteira para se apresentarem em duas horas”, explica Roberto Rios, vice-presidente de Produções Originais da HBO Latin America.

Mas os bailarinos precisam ser mais do que técnicos, precisam ser artistas, sentir o que interpretam, acompanhar com cada salto, giro e expressão corporal os altos e baixos da música, do personagem que estão vivendo, precisam contar uma história com o corpo.

“Está no DNA do bailarino profissional querer melhorar mais sempre. Não é só a busca da perfeição, mas como lidar com as imperfeições. Tentar buscar caminhos, trazer elementos relevantes da minha cultura, da minha personalidade, da minha vida”, afirma Soares. No documentário, isso aparece nos diferentes papéis vividos por ele. O brasileiro busca uma forma de reinterpretar Romeu ao lado da argentina Marinela Núñez, dança Paixão com a coreógrafa carioca Deborah Colker – uma coreografia que vai além do clássico e exige força – e lidera grupos em projetos que traz ao Brasil.

Para Soares, existe uma responsabilidade em representar o Brasil no exterior, e ele quer mostrar aos brasileiros outros caminhos na dança além do primeiro bailarino. “Criei uma agência para levar trabalhos que não foram ao Brasil e poder criar questionamentos… É uma troca artística”, explica sobre o convívio dos bailarinos que leva aos projetos e o público.

Abusos

Atualmente, o mundo das artes vive uma época turbulenta, de revelações e mudança de consciência, com um movimento de “basta”, de não esconder mais os abusos cometidos por grandes nomes e pressionar a sociedade para que essas situações não ocorram mais. A dança não está de fora disso.

Em dezembro, o bailarino brasileiro Marcelo Gomes deixou o American Ballet Theatre (ABT), em Nova York, em meio a uma investigação sobre uma acusação de má conduta sexual que teria ocorrido há oito anos.

Sem citar diretamente o tema dos abusos, Soares explica que no The Royal Ballet de Londres há um trabalho grande “para que essa máquina de fazer arte esteja sempre andando da maneira mais saudável possível”. “A Opera House tem sempre muito cuidado em nos guiar, dar indicações de uma série de detalhes, regras, coisas que a instituição acredita, para a saúde do ambiente de trabalho.”

“Vivemos um momento de redefinição de valores e competências. De criar uma correlação nova de respeito em ambiente de trabalho”, opina Braga sobre a importância do assunto.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Fonte: ISTOÉ Independente