A admiradora de Mussolini que é favorita nas eleições da Itália

Giorgia Meloni

Crédito, Getty Images

Legenda da foto,

Giorgia Meloni está tentando formar um governo de direita com dois outros partidos

Pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial, o próximo líder da Itália pode vir da extrema-direita.

O partido Irmãos da Itália (Fratelli d’Italia), de Giorgia Meloni, está liderando as pesquisas para das eleições de 25 de setembro — e se ela vencer, certamente tentará formar um governo de direita.

As eleições foram convocadas depois que o governo de coalizão liderado pelo premiê Mario Draghi entrou em colapso.

Quem é Giorgia Meloni?

Fundada em 2012, a legenda de Meloni tem suas raízes políticas no Movimento Social Italiano (MSI), que surgiu das cinzas do fascismo de Mussolini.

O partido mantém o logotipo dos partidos de extrema-direita do pós-guerra: a chama tricolor, muitas vezes interpretada como o fogo queimando no túmulo de Mussolini.

Mas o rótulo fascista é algo que Giorgia Meloni rejeita com veemência. Falando em inglês, espanhol e francês em um vídeo recente, ela insistiu que deixou a ideologia no passado.

Porém, a história é parte do problema em um país que passou por um processo diferente da desnazificação da Alemanha após a 2ª Guerra, permitindo que os partidos fascistas se reformassem.

“Giorgia Meloni não quer abandonar o símbolo porque é a identidade da qual ela não pode escapar; é sua juventude”, diz Gianluca Passarelli, professor de ciência política da Universidade Sapienza de Roma.

“O partido dela não é fascista”, explica. “Fascismo significa tomar o poder e destruir o sistema. Ela não vai fazer isso e não poderia. Mas há alas no partido ligadas ao movimento neofascista. Ela sempre jogou de alguma forma no meio.”

A juventude de Giorgia Meloni esteve, de fato, ancorada na extrema-direita, mas com origens humildes, algo que é chave para sua imagem de mulher do povo.

Nascida em Roma, ela tinha apenas 1 ano quando seu pai, Francesco, abandonou a família e se mudou para as Ilhas Canárias. Francesco era de esquerda, sua mãe Anna era de direita, levando a especulações de que seu caminho político foi motivado em parte pelo desejo de se vingar de seu pai ausente.

A família mudou-se para Garbatella, um bairro operário no sul de Roma que é tradicionalmente um bastião da esquerda. Mas lá, aos 15 anos, ela se juntou à Frente Juvenil, ala juvenil do neofascista MSI, tornando-se depois presidente do ramo estudantil do sucessor do movimento, a Aliança Nacional.

Crédito, Reuters

Legenda da foto,

Giorgia Meloni, 45, lidera o partido de extrema-direita Irmãos da Itália

Em seu livro de 2021, I Am Giorgia, ela ressalta que não é fascista, mas se identifica com os herdeiros de Mussolini: “Peguei o bastão de uma história de 70 anos”.

Ao contrário de seus aliados de direita, ela não tem tempo para o russo Vladimir Putin e é pró-Otan e pró-Ucrânia, embora muitos eleitores da direita sejam indiferentes às sanções ocidentais.

Além dos cortes de impostos, sua aliança quer renegociar o enorme plano de recuperação para a covid-19 da União Europeia e ter o presidente da Itália eleito por voto popular. Para mudar a constituição, ela precisaria de uma maioria de dois terços no Parlamento.

Adotando um velho lema controverso, “Deus, pátria e família”, ela faz campanha contra os direitos LGBT, por um bloqueio naval da Líbia para impedir que barcos de imigrantes cheguem à Europa e alertou repetidamente contra os migrantes muçulmanos.

Ela também busca uma “posição italiana diferente” em relação ao órgão executivo da UE. “Isso não significa que queremos destruir a Europa, que queremos deixar a Europa, que queremos fazer coisas malucas”, diz ela.

Depois de formar seu próprio partido em 2012, ela ganhou apenas 4% dos votos na última eleição em 2018.

Agora, como o único grande partido que ficou de fora do governo de coalizão de unidade nacional de Mario Draghi, ela lidera as pesquisas de opinião com cerca de 25%.

Sua aliança de direita com Silvio Berlusconi e o partido de extrema-direita Liga do ex-ministro do Interior Matteo Salvini provavelmente conquistará a maioria no Parlamento nas eleições de setembro.

Getty Images

Queremos uma atitude diferente no cenário internacional … isso não significa que queremos destruir a Europa, que queremos deixar a Europa, que queremos fazer coisas loucas

Giorgia Meloni
Líder, Irmãos da Itália

Mas mesmo que ela tenha procurado tranquilizar os aliados ocidentais da Itália, por exemplo, apoiando fortemente a linha pró-Ucrânia do governo Draghi, suas políticas sociais conservadoras de linha dura estão preocupando muitos.

“Meloni não é um perigo para a democracia, mas um perigo para a União Europeia”, diz o professor Passarelli, que a coloca lado a lado dos líderes nacionalistas na Hungria e na França.

“Ela está do mesmo lado que Marine Le Pen ou Viktor Orban. E ela quer uma ‘Europa das nações’, então todos estão basicamente sozinhos. A Itália poderia se tornar o Cavalo de Tróia de Putin para minar a solidariedade, então ela permitiria que ele continuasse enfraquecendo a Europa.”

Agora, na esperança de se tornar a primeira mulher primeira-ministra da Itália, ela afirma sua identidade feminina, mas Passarelli acredita que o faz de uma maneira machista e política: “O domínio da família italiana é a ‘mamma’. Ela é a figura machista que controla a cozinha. Meloni usa isso de forma inteligente porque vai diretamente para o núcleo do nosso sistema.”

Para seus aliados que agora aspiram à vitória, a líder de 45 anos representaria a mudança política radical de que a Itália precisa, dada sua longa estagnação econômica e uma sociedade liderada por políticos de idade elevada.

O principal adversário

Derrotar Giorgia Meloni exigirá um grande esforço de campanha do provável vice-campeão — o Partido Democrático (PD) de centro-esquerda de Enrico Letta.

Mas suas esperanças de formar uma aliança forte com uma série de partidos menores sofreram um golpe quando o partido centrista pró-europeu Azione (Ação) se retirou da coalizão, opondo-se a dois de seus outros parceiros, a Esquerda Italiana e a Europa Verde.

Crédito, MATTEO BAZZI/EPA-EFE/REX/Shutterstock

Legenda da foto,

O partido de Enrico Letta é o segundo nas pesquisas, mas está lutando para construir uma forte aliança

Enrico Letta, 56, foi primeiro-ministro por 10 meses entre 2013 e 2014 e não é estranho à política implacável da Itália. Ele liderou uma coalizão com o Forza Italia, de Silvio Berlusconi, e acabou sendo derrubado por um rival de seu próprio partido, Matteo Renzi.

Grande apoiador do governo de Mario Draghi, Letta disse que os italianos puniriam aqueles que o derrubaram em julho, apontando o dedo diretamente para o populista Movimento Cinco Estrelas de Giuseppe Conte.

Letta encontrou uma causa comum com o ex-líder do Cinco Estrelas Luigi di Maio, que se desentendeu com Conte e formou um novo partido centrista chamado Compromisso Cívico (Impegno Civico).

O principal objetivo do líder de centro-esquerda é impedir que a extrema-direita assuma o poder na Itália. Ele quer investimento em energia renovável e propõe um plano de educação de oito pontos sob o lema “conhecimento é poder”.

O PD apoia um salário mínimo de € 9 por hora (cerca de R$ 45) para cobrir cerca de 3 milhões de trabalhadores e quer tornar mais fácil para que filhos de imigrantes obtenham cidadania. Também pretende combater a discriminação anti-LGBT e legalizar o casamento gay.

O novo sistema eleitoral italiano

A aliança vencedora precisará de maioria nas duas casas do Parlamento, Câmara dos Deputados e Senado, para formar um governo. Os italianos votarão nos integrantes de ambas as casas no dia da eleição.

Novas regras mudaram o Parlamento, que encolheu em um terço: agora haverá 400 deputados na Câmara, em vez de 630 deputados, e 200 senadores no Senado, em vez de 315.

A Itália tem um sistema de votação híbrido, em que três oitavos (cerca de 36%) dos membros são eleitos por representação uninominal. Isto significa que o candidato que obtiver o maior número de votos em um determinado distrito uninominal ganha o lugar, mesmo que tenha apenas uma pequena margem face ao rival mais próximo.

Os demais são eleitos por representação proporcional e os assentos são atribuídos a listas partidárias de acordo com a sua quota total de votos em nível nacional. Há também assentos reservados para candidatos residentes no exterior.

Os eleitores precisam ter 18 anos e devem votar em um candidato para a Câmara e um para o Senado.

Os partidos precisam garantir pelo menos 3% dos votos para chegar ao Parlamento, com a Itália dividida em 27 distritos eleitorais.

As últimas pesquisas de opinião foram publicadas em 7 de setembro. Em uma pesquisa da Ipsos, o Irmãos da Itália aparece com 25,1% das intenções de voto, contra 20,5% do Partido Democrático.

Prováveis alianças

Partidos conservadores

O partido de Giorgia Meloni não tem experiência no governo, então ela vai precisar do apoio total dos ex-primeiros-ministros Silvio Berlusconi e Matteo Salvini, que fizeram parte do governo Draghi. À medida que o fim da campanha eleitoral se aproximava, os três líderes realizaram um comício conjunto em Roma.

Crédito, Getty Images

Legenda da foto,

Os três líderes de direita se reuniram na última quinta-feira pela primeira vez em mais dois anos

Embora seja o primeiro-ministro mais antigo da Itália, Berlusconi, de 85 anos, está concorrendo às eleições para o Senado pela primeira vez desde que foi barrado em 2013 por fraude fiscal. Seu partido de centro-direita Forza Italia é visto como o mais fraco dos três partidos.

A Liga de Matteo Salvini é um parceiro natural para Meloni. Como ministro do Interior, ele fechou campos de migrantes e impediu que barcos de ONGs que transportavam migrantes resgatados do Mediterrâneo entrassem no porto.

Cinco estrelas

O partido antiestablishment de Giuseppe Conte venceu a eleição de 2018 com quase um terço dos votos e, embora ainda tenha cerca de 14% das intenções de voto, atualmente não faz parte de nenhuma aliança.

Crédito, FRANCO CAUTILLO/EPA-EFE/REX/Shutterstock

Legenda da foto,

Sob a liderança de Giuseppe Conte, o populista Cinco Estrelas se voltou para a esquerda

Eles começaram compartilhando o poder com a Liga de extrema-direita e depois mudaram para o Partido Democrata antes de terminarem como parte do governo Draghi. Dezenas de deputados do Cinco Estrelas abandonaram Conte quando ele se opôs ao envio de armas para a Ucrânia.

Sob sua liderança, as políticas da legenda se voltaram para a esquerda. A principal bandeira do Cinco Estrelas há quatro anos era uma renda mínima para os mais pobres. Conte agora apoia um salário mínimo de € 9 por hora, quer eliminar um imposto comercial regional e tornar mais fácil para os filhos de imigrantes obterem a cidadania.

As ideias do Cinco Estrelas não são muito diferentes das dos partidos de centro-esquerda.

Centristas

Matteo Renzi, do Itália Viva, e Carlo Calenda, da Azione, uniram forças, com o objetivo de atrair votos da direita e da esquerda para criar uma aliança da “terceira via”.

Se eles obtiverem mais de 10% dos votos, a ideia é que eles possam conquistar outros partidos e evitar um governo liderado por Meloni. Cabe ao presidente Sergio Mattarella nomear o próximo primeiro-ministro, mas é provável que ele escolha a coalizão vencedora.

Crédito, Matteo Corner/EPA-EFE/REX/Shutterstock

Legenda da foto,

Carlo Calenda (E) e Matteo Renzi (D) querem seguir as políticas do governo anterior

A preferência centrista seria continuar com as políticas pró-europeias do governo anterior e até persuadir Mario Draghi a retornar como primeiro-ministro, embora o ex-chefe do Banco Central Europeu pareça pouco entusiasmado.

Assim como a centro-direita, eles desejam suspender a proibição da energia nuclear e, como a centro-esquerda, querem importar mais gás natural liquefeito.

Sua equipe inclui duas ex-ministras do Forza Itália, Mariastella Gelmini e Mara Carfagna, que deixaram o partido de Berlusconi por seu papel na derrubada do governo Draghi.

(Com reportagem de Mark Lowen e Paul Kirby)

Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!

Fonte: BBC

Marcações: