As lojas de Lisboa que são uma verdadeira viagem no tempo

Vendedor exibe um par de luvas vermelhas no balcão de uma loja
Luvas sob medida no coração do Chiado: exatamente como nos anos 1920. Crédito: Bruno Barata/Reprodução

Hotéis-boutique, restaurantes estrelados, novos museus e galerias de arte assinadas por grandes nomes da arquitetura mundial. Lisboa tomou um belo banho de tinta recentemente e não foi à toa que se tornou, da noite para o dia, um dos destinos mais queridinhos da Europa. Esse é o lado bom da história. O lado melhor ainda é que a capital portuguesa soube preservar, como poucas, o melhor do seu passado. Ainda hoje, bondes elétricos que começaram a circular em 1901 vencem o sobe e desce das sete colinas, junto com os elevadores do final dos anos 1800; as centenárias calçadas de pedras portuguesas enfeitam todo o centro da cidade; e é possível cultivar velhos hábitos cheios de pompa e glamour. Que tal comprar luvas feitas a mão, encomendar chapéus sob medida ou fazer a barba com navalha e toalhas quentes em elegantes cadeiras originais de ferro e couro? Selecionamos os melhores endereços da cidade para voltar no tempo e viver a vida como ela era. 

Luvaria Ulisses

O ritual se repete dia após dia, desde 1925: primeiro o olhar atento do especialista detecta o tamanho da mão do cliente, que tem o cotovelo devidamente pousado em uma almofada sobre o balcão. Na sequência, o profissional busca entre dezenas de modelos nas gavetas do arquivo, põe sobre o balcão, abre cada um dos dedos com uma longa pinça de madeira, borrifa pó de talco e calça delicadamente. Costuma ser amor à primeira vista. Ao longo de quase 100 anos de história, a minúscula loja no coração do Chiado (são apenas 4 metros quadrados!) já criou 108 modelos de luvas, alguns ainda hoje 100% costurados à mão – isso sem contar naquelas especiais encomendados por clientes, que não fazem parte do acervo. O material varia entre a pelica de cabras e ovelhas, o nobuck de vitela e as peles de veado e pecaris (uma espécie de primo do javali). Já os forros podem ser de seda, cashmere, pele de coelho… Os preços podem variar de € 50 a quase € 200. Única luvaria remanescente em todo o país, ela cuida com esmero de cada uma das 14 mil unidades vendidas a cada ano: em caso de qualquer pequeno desgaste, não importando a idade da luva, basta mandar pelo correio que a reparação é por conta da casa! Rua do Carmo, 87A, Chiado; site

Vendedor atrás do balcão, vestido de terno, com as prateleiras cheias de luvas atrás
A minúscula Luvaria Ulisses: apenas 4 metros quadrados de loja! Crédito: Bruno Barata/Reprodução
Vendedor em frente a um armário de madeira cheio de pequenas gavetas
O acervo da luvaria: milhares de exemplares vendidos todos os anos. Crédito: Bruno Barata/Reprodução

Chapelaria Azevedo Rua

Camuflada na curva de um dos imponentes armários de madeira de quinas arredondadas, repousa uma empoeirada garrafa de vinho que funciona como um amuleto e ajuda a contar a história desta casa. No final do século 19, a praga da filoxera dizimou os vinhedos da Europa, obrigando os vinicultores a abandonar o campo e tentar a sorte em outras áreas. Era um tempo em que, assim como as damas da sociedade jamais saíam às ruas sem luvas, os cavalheiros jamais saíam de casa sem chapéu. Manuel Aquino Azevedo Rua viu no hábito a sua oportunidade de ouro. E, em 1886, mudou-se para Lisboa e abriu uma loja especializada em chapéus, com uma fábrica nos fundos. Hoje, resta apenas a chaminé, mas as mesmas vitrines seguem recheadas dos mais variados modelos, de bonés a panamás, grandes sucessos do verão (podem chegar a € 450). No inverno, as estrelas são os chapéus de feltro – o famoso modelo Fernando Pessoa custa a partir de € 75. Não encontrou o que procura? Basta encomendar sob medida. Praça D. Pedro IV (Rossio), 73, Baixa; site   

Antiga fachada de uma loja com porta de madeira e vidro e uma vitrine quadrada com chapéus
A fachada da Chapelaria Azevedo Rua: a moda que nunca sai de moda. Crédito: Bruno Barata/Reprodução
Vitrine de uma loja com uma luz do lado de dentro e dezenas de chapéus
Uma das prateleiras da loja: chapéus para todas as ocasiões. Crédito: Bruno Barata/Reprodução

Barbearia Campos

O que tiveram em comum o escritor Eça de Queiroz, o artista e escritor Almada Negreiros e os reis Umberto II, da Itália, e Carlos II, da Romênia? Todos eles já vestiram os aventais e se sentaram diante dos belos espelhos de molduras de madeira deste elegante endereço do Largo do Chiado, em plena rota do elétrico 28. Alguns deles, inclusive, testemunharam o uso das lamparinas a gás que ainda hoje estão nas paredes – agora, apenas como testemunho da passagem do tempo. Inaugurada em 1886, a barbearia é hoje tocada pela quarta geração da família, que se orgulha do pequeno acervo que acumulou nas mais de 13 décadas de funcionamento: das caixas de madeira que os barbeiros levavam para fazer a barba a domicílio, ainda com pequenos tabletes de sabão, passando por relíquias como um borrifador de bomba manual, uma das primeiras máquinas elétricas de cortar o cabelo do mercado, até uma navalha alemã da marca Solingen, de 1922, oferecida por um cliente. É neste ambiente com mobiliário original, piso de ladrilho hidráulico e impecáveis profissionais vestidos de branco que ainda hoje “se pode fazer de tudo, menos pintar o cabelo”, segundo o sócio José Lopes. Largo do Chiado, 4; site

Um senhor careca, de barba, óculos e malha vermelha, abre uma grande porta de vidro onde está escrito Barbearia Campos
Sr. José Lopes na entrada da Barbearia Campos: fama de outros tempos. Crédito: Bruno Barata/Reprodução
Prateleiras de mármore com objetos usados antigamente em uma barbearia
O acervo da Barbearia Campos: objetos de antigamente como um museu. Crédito: Bruno Barata/Reprodução

A Conserveira de Lisboa

O piso, dentro da loja, é de pedra portuguesa. As longas estantes de madeira são originais. E a grande máquina registradora, com o mostrador exibindo os valores em escudos, segue sobre o balcão. Pouca coisa mudou nesta mercearia especializada em conservas inaugurada na Baixa lisboeta em 1930 por três sócios vindos do interior do país. As latas seguem embrulhadas a mão, uma a uma, por funcionárias atrás do balcão. E até os desenhos dos papéis são uma alusão aos originais, criados nos anos 1940. Recentemente, Lisboa foi invadida por uma verdadeira febre de lojas temáticas dedicadas ao mundo das conservas, mas, por aqui, o modismo perde para a tradição e a qualidade, que começa pela procedência. O atum vem dos Açores, a cavala vem do Algarve, as sardinhas e carapaus vêm do Norte… “Continuamos a querer ser uma mercearia”, diz Tiago Cabral Ferreira, neto de um dos fundadores e provador oficial de todos os lotes que chegam das fábricas para o controle de qualidade. “Mais do que suvenir, o nosso foco é vender bens de consumo que são parte do dia a dia das pessoas.” As latinhas, de sabores tão variados quanto bacalhau a lagareiro, filetes de cavala com molho picante e cavalas inteiras ao curry, têm preços que começam a menos de € 2. Rua dos Bacalhoeiros, 34, Baixa; site

Homem de barba e óculos ao lado de uma máquina registradora antiga, com manivela e grandes números
Tiago Cabral Ferreira, o neto de um dos fundadores da Conserveira de Lisboa: na moda muito antes de ser moda. Crédito: Bruno Barata/Reprodução
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Uma vitrine em madeira com objetos antigos: latas de sardinhas e abridores
A vitrine antiga da Conserveira de Lisboa: objetos de décadas atrás. Crédito: Bruno Barata/Reprodução

Tabacaria Mónaco

Corria o mês de agosto de 1894. Cerca de 4 mil pessoas se aglomeravam em frente ao número 21 da Praça D. Pedro IV, na Baixa, ao anoitecer. Com um policial em cada porta, era feito o controle. Apenas 12 curiosos entravam de cada vez naquela que seria a nova atração do Rossio: uma tabacaria como mandava o figurino, recheada com painéis de azulejos assinados pelo ceramista Bordallo Pinheiro, elegantes móveis de Frederico Augusto Ribeiro e esculturas do mestre Pedro Reis, caso de um cortador de charutos em forma de gato. Tudo continua lá da mesma maneira, inclusive toda a ambientação criada, na época, para receber um dos primeiros telefones públicos da cidade: o teto abobadado onde o artista António Ramalho pintou um céu com nuvens (que acaba de ser restaurado e está impecável) e os fios telefônicos com andorinhas de cerâmica, também de Bordallo Pinheiro – afinal, os telefones costumavam ficar ao ar livre… Hoje, aos jornais e revistas, cigarros, charutos e acessórios a tabacaria juntou também suvenires por trás das vitrines.  Praça D. Pedro IV (Rossio), 21, Baixa; site   

Homem careca e de óculos atrás do balcão de uma tabacaria, com a prateleira cheia de cigarros atrás
A Tabacaria Mónaco, na Baixa: furor na inauguração. Crédito: Bruno Barata/Reprodução
Teto de uma loja pintado como o céu, em azul com nuvens brancas, e um fio cheio de andorinhas em cerâmica
Tabacaria Mónaco: detalhe das andorinhas no teto by Bordallo Piheiro. Crédito: Bruno Barata/Reprodução

Retrosaria Bijou

Houve um tempo em que as ruas e praças da Baixa lisboeta eram setorizadas. O Rossio, por exemplo, era, por decreto, a praça das chapelarias. E várias ruas, que ainda hoje preservam o nome, entregam o que ali se fazia no passado – há a dos Correeiros, a dos Bacalhoeiros, a dos Sapateiros… Nesse contexto, a Rua da Conceição, hoje uma das principais artérias do Centro, por onde passam os elétricos indo e voltando de Alfama, era a rua das retrosarias – nome como os portugueses chamam os armarinhos. Ainda resta um aqui, outro ali, mas a Bijou, verdadeira pérola de 1915, é a estrela local. A fachada art nouveau, talhada em madeira azul turquesa, teve projeto aprovado pela câmara em 1910, quando ali se instalou uma papelaria. Cinco anos mais tarde o endereço mudaria de vocação para, ainda hoje, vender um sem fim de botões, linhas, lãs, rendas e todo o tipo de acessórios para o mundo das costuras. Atrás do balcão estão os irmãos José Vilar de Almeida e Tereza de Almeida, netos dos donos, que guardam preciosidades como algumas notas de centavos de escudos que a Casa da Moeda teve que imprimir no início do século por falta de metal na praça. Rua da Conceição, 91, Baixa; site

Um bonde vermelho nas ruas de Lisboa e, atrás, a fachada antiga de uma loja em madeira azul-claro
A fachada azul (e linda!) da Retrosaria Bijou: um negócio que quase não existe mais. Crédito: Bruno Barata/Reprodução
Um homem e uma mulher de blusas vermelhas posam para a fotografia num balcão de madeira de uma loja entre lãs e botões, ao lado de uma máquina antiga de calcular
Os irmãos sócios da retrosaria: quase nada mudou. Crédito: Bruno Barata/Reprodução

Caza das Vellas Loreto

Aqui a viagem é ainda mais sensorial. Imagine uma Lisboa de ares interioranos e ruas de terra, percorrida por pomposas charretes e carruagens, à luz de… velas! Um dos estabelecimentos comerciais mais antigos da cidade – e do país! –, esta loja de 1789 é sobrevivente dos tempos em que sequer havia sido inventada a iluminação a gás. As velas, portanto, viviam os seus tempos áureos. Estrategicamente localizada entre o Largo de Camões e o Elevador da Bica, a Loreto é testemunha de um tempo que já não volta mais – os ponteiros do relógio, talhado no belíssimo armário de madeira, original, são prova disso. Mas as velas artesanais foram ganhando outro uso e hoje as prateleiras são recheadas de exemplares talhados com esmero para as mais diversas funções – de cultos a decoração. Português que é português não compra em outro lugar as tradicionais velas de batismo!  Rua do Loreto, 53, Chiado-Bairro Alto; site

Mulher vestida de preto e, no fundo, prateleiras antigas de madeira recheadas de velas coloridas
Caza das Vellas Loreto: dos tempos em que ainda não havia luz! Crédito: Bruno Barata/Reprodução
Detalhe de uma prateleira antiga de uma loja, com velas e andorinhas de cerâmica
Detalhe das velas da Caza Loreto. Crédito: Bruno Barata/Reprodução

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Fonte: Viagem e Turismo