As mulheres jovens dependentes de opioides em país africano

  • Fathi Mohamed Ahmed*
  • De Mogadíscio (Somália) para a BBC News

Amino Abdi de máscara

Crédito, Fathi Mohamed Ahmed

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Amino Abdi conversou com a BBC sobre sua dependência na esperança de reduzir o tabu sobre a questão

A descoberta do corpo de uma jovem de 22 anos nas ruas de Mogadíscio, capital da Somália, no ano passado, chamou a atenção para o problema da dependência de drogas entre mulheres na cidade.

Profissionais da saúde afirmam que a vítima, uma influenciadora de redes sociais, morreu em decorrência de uma overdose de opioides.

De acordo com relatos de amigos, ela vinha usando drogas injetáveis há muito tempo — e estava drogada quando gravou alguns dos seus populares vídeos no TikTok.

A polícia registrou um aumento do uso abusivo de substâncias em Mogadíscio e em outras partes da Somália, inclusive entre as mulheres. Eles afirmam que as pessoas estão procurando novos tipos de drogas.

O costume local era mascar a folha narcótica de khat (que não é ilegal), consumir bebida alcoólica, cheirar cola e fumar haxixe. Mas cada vez mais gente vem abusando de opioides injetados diretamente na veia. Entre eles, morfina, tramadol, petidina e codeína.

No início de dezembro de 2022, a polícia apreendeu uma grande quantidade de remédios controlados, sobretudo opioides, no aeroporto internacional de Mogadíscio. Os importadores foram presos.

Crédito, Getty Images

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Muitas substâncias são vendidas sem receita nas farmácias de Mogadíscio, capital da Somália

“Comprimidos e drogas injetáveis são muito populares entre as mulheres jovens e as meninas”, diz um médico de Mogadíscio, que pediu para não ser identificado por se tratar de um tema sensível.

“Muitas dessas substâncias causam dependência e são facilmente encontradas à venda sem receita médica em farmácias por toda a cidade.”

‘Comecei a dormir nos carros’

Outra droga popular consumida pelas mulheres jovens é um tipo de fumo de mascar conhecido como “tabbuu”, que pode causar câncer de boca e de garganta.

Amino Abdi, de 23 anos, usa drogas há cinco anos. A dependência entre as mulheres é um tabu na Somália, mas ela decidiu falar abertamente com a BBC, na esperança de poder ajudar a romper o silêncio e diminuir o preconceito.

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A Somália não tem centros de reabilitação adequados para ajudar as pessoas a deixar a dependência das drogas

“Comecei a mascar tabbuu com as meninas com quem morava”, ela conta.

“Elas exerciam uma má influência sobre mim. Fiquei dependente do fumo e então comecei a usar drogas mais pesadas, especialmente as que eu podia injetar por via intravenosa, principalmente tramadol e petidina.”

Abdi conta que seu consumo de drogas disparou quando começou a ter problemas com o marido. Agora, ela é divorciada e mora com a filha pequena.

“Meu ex é a razão pela qual me tornei dependente de drogas pesadas”, diz ela.

“Minha dependência ficou tão forte que perdi a cabeça. Comecei a dormir em carros e nas ruas.”

Abdi está tentando deixar as drogas, mas diz que é muito difícil porque não existem centros de reabilitação adequados na Somália para gerenciar a abstinência.

Segundo ela, é impossível parar de usar todas as substâncias ao mesmo tempo. Abdi conseguiu reduzir a injeção de opioides, mas ainda masca tabaco e fuma narguilé.

Os pais, especialmente as mães, estão extremamente preocupados com o aumento do consumo de drogas entre as filhas — muitas ainda em idade escolar.

Khadijo Adan percebeu que a filha de 14 anos vinha se comportando de forma incomum:

“Ela dormia em horários estranhos e estava agindo de forma diferente”.

“Um dia, encontrei comprimidos de tramadol e fumo de mascar na bolsa dela. Eu a confrontei, e ela me disse que havia começado a usar drogas devido à pressão das colegas”, relata a mãe.

Adan encaminhou a filha para morar em um centro administrado por xeques muçulmanos. Ela não usa mais drogas porque não consegue ter acesso a elas no centro.

Muitos pais encaminham filhos “problemáticos” para essas instituições, especialmente quando têm problemas de saúde mental, quando se envolvem em crimes ou com drogas e quando há suspeita de homossexualidade.

Já foram registrados abusos sérios em alguns desses centros, incluindo casos de pacientes que foram acorrentados e agredidos.

Crianças de rua em risco

Tudo isso acontece enquanto a Somália luta para enfrentar a pior seca dos últimos 40 anos e mais de três décadas de conflitos. Diante deste cenário, os recursos limitados do país são insuficientes para cobrir as necessidades humanas mais básicas, que dirá combater problemas como a dependência de drogas.

Algumas pequenas organizações estão tentando preencher essa lacuna, promovendo conscientização sobre os perigos das drogas.

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As folhas frescas de khat são populares na Somália — elas possuem um suave efeito estimulante quando mascadas

A Green Crescent Society visita escolas e universidades para alertar os alunos sobre os diferentes tipos de dependência, incluindo o uso abusivo de substâncias, jogos de azar, games e redes sociais.

Sirad Mohamed Nur dirige a Fundação Mama Ugaaso, dedicada ao uso abusivo de drogas entre jovens, incluindo meninas.

“Fazemos o melhor que podemos para desestimular o consumo de drogas pelos jovens, mantendo programas de conscientização que destacam os riscos à saúde associados ao uso abusivo de substâncias.”

“Também fazemos lobby para que o governo se apresente e faça alguma coisa”, acrescenta Nur.

“Mas não é suficiente. São necessárias medidas drásticas para evitar que esse flagelo saia de controle, especialmente entre as crianças de rua.”

Segundo o Ministério do Desenvolvimento das Mulheres e dos Direitos Humanos, mais de 40% das crianças de rua consomem drogas. Cerca de um quinto das crianças de rua na Somália são meninas e aproximadamente 10% têm menos de seis anos — algumas, chegam a ter apenas três anos.

O khat, a cola e o fumo de mascar são as substâncias mais comuns consumidas pelas crianças de rua. Mas um estudo realizado pelo ministério concluiu que cerca de 10% delas usam opioides — e aproximadamente 17% tomam comprimidos para dormir.

O aumento do uso de drogas entre os jovens marginalizados fez aumentar a criminalidade, incluindo a violência contra meninas e mulheres.

E, segundo a organização de pesquisa Somali Public Agenda, também gerou o recente fenômeno das gangues de rua, conhecidas como “Ciyal Weero”, que vêm espalhando o terror em Mogadíscio.

Em alguns casos, as drogas são usadas para se aproveitar das mulheres, como na cidade de Baidoa, no sudoeste da Somália, onde uma mulher teria sido violentada depois de receber um opioide.

Existe também o risco de que o aumento do uso de drogas intravenosas possa reverter a incidência relativamente baixa de HIV e Aids na Somália.

“O recente aumento das pessoas que injetam drogas, especialmente opioides, está colocando todo um novo grupo de somalis em risco de infecção pelo vírus”, afirma a diretora do programa de HIV do Ministério da Saúde da Somália, Sadia Abdisamad Abdulahi.

Repressão às farmácias

Os profissionais da saúde afirmam que uma das formas mais eficazes de combater o problema dos opioides é mirar nas pessoas que vendem os medicamentos — em sua maioria, farmacêuticos.

E a polícia começou a reprimi-los.

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As farmácias vinham ganhando um bom dinheiro com a venda de analgésicos e opioides para os jovens

Um farmacêutico que não quis se identificar afirma que ele e seus colegas não estão nem um pouco satisfeitos com a intervenção policial.

“Administrei uma farmácia em Mogadíscio por muitos anos”, ele conta.

“Costumava ser muito fácil vender drogas para os jovens, incluindo as meninas, em parte porque ninguém sabia que tipo de efeito as drogas teriam sobre eles.”

“Nós costumávamos vender para todo mundo e ganhávamos um bom dinheiro”, acrescenta o farmacêutico.

“Mas os pais agora estão trabalhando com a polícia, que começou a nos vigiar e a nos prender, em alguns casos. Agora, temos medo de vender drogas para os jovens e, por isso, estamos perdendo dinheiro.”

Ao falar abertamente sobre a questão da dependência entre as mulheres, jovens corajosas, como Amino Abdi, e mães, como Khadijo Adan, deram o primeiro (e importante) passo para trazer à tona este problema.

A intervenção policial e os programas de conscientização em relação às drogas também vão ajudar — mas, sem novos recursos e atenção, é improvável que o problema seja solucionado no curto prazo.

* Fathi Mohamed Ahmed é editora-chefe da agência de notícias Bilan Media, formada só por mulheres, na Somália.

Fonte: BBC