- Peter Hoskins
- Da BBC News
Nos últimos meses, dificilmente um dia se passa sem que haja o anúncio de alguma resolução governamental que enquadra um ou outro setor da economia chinesa.
As duras medidas regulatórias e o cumprimento rigoroso de regras já existentes têm como alvo muitas das maiores companhias do país.
A frase não é nova na China. Ela tem sido usada desde a década de 1950, quando foi empregada pelo líder chinês Mao Tsé-Tung.
A escalada nas referências ao termo em 2021, ano em que o Partido Comunista Chinês celebra seus 100 anos, tem sido interpretada como um sinal de que a “prosperidade comum” ocupa um lugar central nas políticas de Pequim.
O objetivo é encurtar a imensa distância entre os cidadãos mais ricos e mais pobres da nação. Alguns avaliam que essa desigualdade coloca em risco a ascensão da segunda maior economia do mundo e representa uma ameaça existencial para o Partido Comunista Chinês.
As medidas recentes também são enxergadas como uma maneira de colocar limites nos bilionários donos das maiores empresas do país e de dar mais voz a consumidores e trabalhadores na forma como essas empresas operam e distribuem seus ganhos.
A subida de tom nos últimos meses se traduziu em ações tomadas contra interesses das companhias chinesas.
Tudo vem passando por uma grande reformulação – desde seguros, educação privada, empreiteiras e até planos de companhias parar abrir capital nos Estados Unidos.
A indústria tecnológica, em particular, tem observado um grande número de medidas e ações com vistas à atuação de empresas de e-commerce, serviços financeiros online, plataformas de mídias sociais, companhias de games, apps de transporte e operadores de criptomoedas.
Essas medidas têm tido um grande impacto tanto na economia quanto na sociedade chinesa – e os efeitos também são sentidos pelo mundo.
A incerteza sobre como são regulados os negócios na China tem tornado difícil para empresas no exterior tomar decisões a respeito de investimentos no país.
Outras análises apontam que essa incerteza é de curto prazo, apenas para o período de implementação das novas regras – é essa, aliás, a forma como o governo chinês vê o tema.
Bilionários enquadrados
Mesmo antes de a nova política de Xi Jinping para a economia chinesa ser totalmente revelada, Pequim colocou em ação uma tática de “choque e pavor”, como demonstração de poder.
Menos de um ano atrás, Jack Ma, o multibilionário da Alibaba conhecido por suas aparições chamativas em eventos corporativos, aguardava a estreia de uma de suas principais empresas na bolsa de valores.
A oferta pública inicial (IPO) do Ant Group – braço financeiro da Alibaba e dono da maior plataforma de pagamento digital na China – tinha estimativa de alcançar US$ 34,4 bilhões.
A soma teria feito de Ma a pessoa mais rica da Ásia, mas ele fez um discurso em que criticava o sistema financeiro chinês.
Dias depois, a estreia da empresa na Bolsa foi cancelada e Jack Ma não foi visto em público novamente por vários meses.
Desde então, a Alibaba recebeu uma multa recorde de US$ 2,8 bilhões após uma investigação apontar abuso de poder econômico. O Ant Group também teve de anunciar uma redução drástica para o seu plano de negócios.
Não estava claro se o episódio estava ligado à iniciativa governamental de “prosperidade comum”, mas a queda espetacular de Jack Ma e as medidas adotadas contra seus negócios foram uma amostra poderosa do que estava para acontecer em cada canto da economia chinesa.
A torre de dívidas que balança
O grupo Evergrande é outro gigante dos negócios na China que se viu às voltas com a política de “prosperidade comum”.
Sua área de atuação principal é o desenvolvimento imobiliário, mas a companhia também tem marcado território em campos como gestão patrimonial, carros elétricos e fabricação de bebidas. É também dona de um grande time de futebol, no qual já atuaram o brasileiro Paulinho e o argentino Darío Conca (ex-Fluminense).
Quem comanda a empresa é o multibilionário Hui Ka Yan, que, segundo a revista Forbes, se tornou por um breve período em 2017 a pessoa mais rica da Ásia.
Neste ano, uma crise de endividamento atingiu em cheio a Evergrande, com grandes repercussões em mercados internacionais.
Em meio aos planos para se tornar uma das maiores forças do setor de construção na China, a companhia acumulou dívidas que ultrapassam US$ 300 bilhões.
Pequim agora avalia que firmas com grandes endividamentos são uma ameaça para a economia. Foi com o caso da Evergrande em mente que o governo chinês introduziu medidas para cortar empréstimos no setor imobiliário.
Agora, sem a possibilidade de contrair novas dívidas, a empresa tem dificuldades para saldar as já existentes.
Sob a doutrina da “prosperidade comum”, autoridades parecem tender mais a ajudar quem comprou imóveis da Evergrande ou clientes da área de gestão de patrimônio do que a companhia em si e instituições credoras.
Essa impressão foi confirmada em setembro, quando o Banco Central da China, sem mencionar diretamente a Evergrande, disse que clientes do mercado imobiliário receberão proteção contra eventuais solavancos.
Isso tudo se soma a uma grande dor de cabeça para os investidores internacionais, que viram as ações da empresa perderam mais de 80% em valor de mercado no intervalo de 6 meses.
Indústria dos games na mira
Quando, no começo de agosto, a mídia estatal chinesa classificou os jogos on-line de “ópio espiritual”, a mensagem foi interpretada como um sinal de alerta.
A notícia fez desabar ações de empresas de games como Tencent e NetEase e forçou a indústria do setor se preparar para medidas de Pequim.
Para surpresa de ninguém, pouco tempo depois autoridades divulgaram planos para disciplinar jovens fãs dos games e impor regulações mais rígidas em plataformas.
Menores de idade foram informados que só poderiam jogar durante uma hora nas sextas-feiras, em fins de semana e feriados e apenas entre 20h e 21h.
As novas medidas significam que é responsabilidade das empresas de games evitar que as crianças descrumpram as regras. A fiscalização sobre as firmas foi reforçada.
Pequim também sinalizou que a vigilância sobre a atuação das empresas não vai parar por aqui. Em agosto foi publicado um plano de 10 pontos com uma programação até o fim de 2025 de mais ações regulatórias sobre a economia chinesa.
Ainda não está claro como essa nova abordagem vai influenciar a segunda maior economia do mundo. O resultado terá efeitos profundos em todos, vivendo ou não na China.
Essa é a segunda de uma série em três partes que examina as transformações da China e seu papel no mundo
A parte três vai explorar as implicações globais das modificações nos negócios e operações do país
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Fonte: BBC