COP26: países em desenvolvimento acusam nações ricas de cobrar resultados sem entregar dinheiro

  • Nathalia Passarinho – @npassarinho
  • Enviada da BBC News Brasil a Glasgow

Ativistas com máscaras dos principais líderes mundiais protestam em Glasgow durante a COP26 pedindo mais ações para conter mudanças climáticas

Crédito, PA Media

Legenda da foto,

Ativistas cobram mais ações dos governos dos países ricos para conter uso de combustíveis fósseis

Na reta final das negociações da COP26 – a conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas – países em desenvolvimento, entre eles o Brasil, acusam nações ricas de “desequilíbrio” nos compromissos adotados até agora.

Esta sexta-feira (12) é o último dia da cúpula, que ocorre em Glasgow, mas um impasse pode arrastar as discussões pela madrugada.

Os países mais pobres e vulneráveis às mudanças climáticas acusam Estados Unidos e União Europeia de não destinarem os recursos necessários para financiar medidas de adaptação ao aquecimento global.

Já o Brasil e parcela dos países em desenvolvimento com fontes renováveis de energia questionam o fato de ter havido assinatura de compromisso paralelo na COP26 sobre proteção de florestas, com data para o fim do desmatamento, sem que o mesmo tenha ocorrido sobre uso de combustíveis fósseis – medida que afetaria países europeus e Estados Unidos, além de alguns grandes emergentes como China e Rússia.

O objetivo da COP26 é chegar a um entendimento para garantir a meta do Acordo de Paris de limitar o aquecimento da Terra a 1,5°C até 2100.

Um rascunho do acordo final foi divulgado e prevê que países apresentem até o final de 2022 metas mais ambiciosas de cortes de emissões, além de suas estratégias de longo prazo para alcançar a chamada neutralidade climática- quando todas as emissões são compensadas por reflorestamento ou tecnologia de captura de carbono da atmosfera.

Outro ponto do texto diz que será que necessário que países ricos contribuam com “bem mais” do que os US$ 100 bilhões por ano que eles haviam prometido pagar a países em desenvolvimento entre 2020 e 2025. Mas o rascunho do acordo não estabelece uma cifra. E os US$ 100 bilhões prometidos não foram cumpridos até agora pelos países desenvolvidos.

Países em desenvolvimento faziam pressão por uma versão do acordo que previa até US$ 1,3 trilhão em financiamento anual até 2030. Mas há pouca expectativa de que isso avance.

O rascunho do acordo final também pede que os países acelerem a eliminação de energia à carvão e “subsídios ineficientes para combustíveis fósseis”.

O texto cobra que as nações signatárias acelerem a adoção de tecnologias necessárias a uma “transição para sistemas de energia de baixa emissão, escalonando rapidamente para a geração de energia limpa”.

Crédito, PA Media

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Negociadores em Glasgow criticam ausência de metas e prazos claros para cortes

Negociadores de um país em desenvolvimento ouvidos pela BBC News Brasil dizem que o fato de haver menção à “transição” para energia limpa e à eliminação de subsídios a combustíveis fósseis é um “avanço”. Mas eles questionam a ausência de datas e metas claras.

Na primeira semana da cúpula do clima, foram assinados compromissos paralelos sobre zerar desmatamento até 2030 e reduzir a emissão de metano em 30% até 2030, mas um acordo semelhante não foi feito sobre transição de energia de fontes poluidoras para energia limpa.

“Teria sido interessante que houvesse um compromisso como o que assinamos sobre florestas, mas alcançando a área de energia e combustíveis fósseis, as maiores fontes de poluição. E o termo ‘ineficiente’ é vago. O que seria um subsídio ineficiente para combustível fóssil? Tinha que ser eliminar subsídio”, criticou um negociador.

O acordo sobre fim do desmatamento afeta especialmente Brasil, Indonésia e Congo, que possuem as maiores florestas tropicais intactas do mundo. Já um eventual acordo impondo prazo de transição para energia limpa atingiria países europeus e Estados Unidos, que ainda dependem de energia movida a petróleo e carvão.

Alguns dos grandes países emergentes também não têm interesse em reduzir fontes sujas de energia, como China, Índia e Rússia, que possuem grandes investimentos na área.

Crédito, EPA

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Países em desenvolvimento querem dinheiro dos países ricos para financiar fontes limpas de energia

Mais dinheiro e mais controle

Um ponto comum entre todos os países em desenvolvimento é exigir mais dinheiro de países ricos para financiar seus projetos de combate ao aquecimento global.

Eles dizem que as nações ricas cobram, nas negociações, a criação de um sistema criterioso para monitorar o cumprimento das metas de redução de emissões, mas não aceitam fazer o mesmo para averiguar se os US$ 100 bilhões prometidos por ano aos países em desenvolvimento estão sendo pagos.

Esse dinheiro deveria servir para financiar regiões mais pobres a se adaptar às mudanças climáticas já ocorridas e a adotar projetos para reduzir suas emissões. Os U$ 100 bilhões deveriam ser pagos anualmente entre 2020 e 2025, mas esse valor não foi cumprido até agora.

“Há um desequilíbrio nas negociações. Os países ricos querem um grande controle das metas, mas não aceitam um grande controle do financiamento”, disse à BBC News Brasil um negociador brasileiro.

Uma proposta conjunta de Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai é a criação de um comitê permanente para monitorar se a meta de US$ 100 bilhões por ano está sendo cumprida- e quanto cada país rico está pagando. Mas a ideia não está, por enquanto, contemplada no rascunho do acordo final.

Países em risco de desaparecer com as mudanças climáticas, como Tuvalu, foram ainda mais enfáticos e, em entrevista coletiva, seus representantes acusaram os Estados Unidos e a gestão de Joe Biden de “bloquear” qualquer avanço de ajuda econômica e financiamento de países ricos a nações pobres.

Crédito, Reuters

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Apesar das divergências, espera-se que a conferência termine com um acordo

Mesmo assim deve sair acordo

Apesar da sensação de países em desenvolvimento de que haveria um “desequilíbrio” nas negociações, a expectativa geral é de que isso não impedirá a assinatura de um acordo final. A caminho de uma sala de negociação, o negociador-chefe pelos Estados Unidos, John Kerry, disse que “não está preocupado” com o impasse sobre financiamento e que “as coisas estão evoluindo bem”.

Um negociador brasileiro também disse à BBC News Brasil que o acordo deve sair até sábado (13). “Não acho que haja risco de terminar sem acordo”, disse. Mas o país ainda pressiona por avanços na área de financiamento.

Ao longo da COP26, o Brasil assinou um acordo sobre proteção de florestas que prevê zerar o desmatamento no mundo até 2030. Também aderiu a um acordo para reduzir emissões de metano em 30% até 2030 – entendimento que afeta a agropecuária brasileira, já que bois emitem esse gás do efeito estufa pela fermentação gástrica durante sua digestão.

Paralelamente, anunciou que vai reduzir as emissões de gases do efeito estufa em 50% em 2030, na comparação com 2005, e alcançar a neutralidade de carbono até 2050 – quando as emissões são reduzidas ao máximo e as restantes são totalmente compensadas com reflorestamento ou tecnologia de captura de carbono da atmosfera.

Mas os compromissos assumidos pelo Brasil foram recebidos com reserva pelos outros países, diante da piora de todos os indicadores ambientais nos dois primeiros anos do governo Bolsonaro.

Em 2020, o desmatamento na Amazônia foi o pior em 12 anos; o número de focos de incêndio foi o maior em 10 anos; e o volume de emissões foi a mais alta em 14 anos.

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Fonte: BBC