Guerra na Ucrânia: a caçada aos superiates dos oligarcas russos alvos de sanções

  • Equipe de Reality Check
  • BBC News

Putin em um iate

Crédito, Alamy

Dois superiates ligados ao bilionário russo Roman Abramovich atracaram na Turquia, fora do alcance das sanções do Reino Unido e da União Europeia.

Cada uma das embarcações custa mais de US$ 500 milhões — e faz parte de uma série que está sendo rastreada pela divisão de inteligência da Lloyd’s List.

Os especialistas em dados de navegação têm monitorado os dispositivos de rastreamento a bordo e compartilharam estas informações com exclusividade à BBC, permitindo que as trajetórias destas e de outras embarcações vinculadas a russos que são alvo de sanções sejam traçadas.

Um bote cheio de jovens ucranianos tentou impedir que o superiate MY Solaris atracasse em Bodrum, na Turquia. O outro iate ligado a Abramovich, Eclipse, navegou para Marmaris.

O Reino Unido, os EUA e a União Europeia disseram que vão mirar nos superiates, e pelo menos oito foram apreendidos até agora.

Muitos continuam foragidos — alguns estão em movimento, outros ancorados em lugares que atualmente estão a salvo de sanções, incluindo as Maldivas.

Muitos superiates estão ligados a bilionários russos, mas a propriedade é envolta em sigilo — os barcos são frequentemente registrados por meio de uma série de empresas offshore.

A equipe da Lloyd’s List vasculhou documentos de registro, relatórios de crédito e outros documentos para determinar a quem eles acreditam estar vinculado cada superiate.

Roman Abramovich

O MY Solaris, que tem um custo estimado em US$ 600 milhões, possui uma piscina e um heliporto. Conta com uma tripulação de até 60 pessoas e pode acomodar mais de 30 convidados.

A embarcação saiu no dia 8 de março de Barcelona, onde estava passando por reparos. E atracou em Tivat, em Montenegro, dias depois de Abramovich ter sido alvo de sanções pelo Reino Unido.

Tivat, na Baía de Kotor, cercada por montanhas, é um centro de superiates e possui uma grande marina.

O MY Solaris deixou Tivat e estava navegando ao largo da costa oeste grega quando a União Europeia impôs sanções a Abramovich em 15 de março.

Após esta data, os dados de rastreamento do iate mostram que ele estava se afastando das águas territoriais gregas (a Grécia faz parte da União Europeia) e navegando em águas internacionais, onde não pode ser apreendido.

Em 21 de março, chegou ao balneário turco de Bodrum, que tem uma marina moderna e pode acomodar superiates de até 140m de comprimento.

Mas seu caminho foi bloqueado por um pequeno bote que transportava oito crianças de uma equipe ucraniana de vela júnior e seu treinador, agitando bandeiras ucranianas.

O técnico Paulo Donstov disse à BBC que eles estavam lá para disputar um campeonato de vela e foram avisados ​​sobre a chegada do MY Solaris.

Crédito, Yaşar Anter

Legenda da foto,

Manifestantes de uma equipe júnior de vela tentam impedir o MY Solaris de atracar

“Queremos que o mundo saiba que a Ucrânia quer liberdade e paz”, afirmou Donstov, cuja família ainda está na cidade portuária ucraniana de Odessa.

A Turquia disse que “não tem intenção” de aderir às sanções da União Europeia contra os russos e, diferentemente da maioria dos países europeus, ainda permite voos diretos da Rússia.

O capitão de uma embarcação ligada a um russo abastado, que não quis ser identificado, disse à BBC que as autoridades turcas deixaram claro que os navios russos são “muito bem-vindos e serão tratados como qualquer outro navio”.

O Eclipse é um dos maiores superiates do mundo. Tem nove decks, três helipontos e um submarino para três pessoas.

Também há rumores de que conta com um sistema de defesa antimísseis e um sistema de luz direcionada a laser para impedir fotógrafos de tirar fotos do barco.

Ele estava ancorado na ilha caribenha de Sint Maarten — um território ultramarino holandês ligado à União Europeia —, mas partiu no início de março. Em seguida, navegou para o leste pelo Mediterrâneo, ao norte da Argélia.

Em 22 de março, os dados mostraram que ele chegou a Marmaris, na Turquia. O balneário, uma antiga vila de pescadores, é outro destino popular de superiates. Há uma marina, um castelo otomano e mais de 50 pontos de mergulho nas proximidades.

Andrei Kostin

O Sea Rhapsody também está em movimento. Ele foi vinculado a Andrei Kostin, presidente do banco estatal russo VTB, que foi sancionado pelas autoridades dos EUA, União Europeia e Reino Unido.

A embarcação, que possui um cinema e uma academia, partiu de Fethiye, na Turquia, em 18 de fevereiro, rumo a Omã antes de chegar às Seychelles em 3 de março, onde permaneceu desde então.

Oleg Deripaska

Outros superiates não se moveram. Um deles é o Clio, ligado a Oleg Deripaska, um industrial próximo a Putin, que foi sancionado pelo Reino Unido e pelos EUA.

Ele possui uma embarcação de apoio própria chamada Sputnik — além de um heliponto próprio — e atualmente está próximo às Maldivas..

Vários outros superiates ligados a russos que foram alvo de sanções estão nas Maldivas ou nas proximidades, incluindo o Ocean Victory, vinculado a Viktor Rashnikov, e o Nord, ligado a Alexei Mordashov.

O Madame Gu — vinculado a Andrey Skoch, que foi sancionado pela União Europeia e pelo Reino Unido — está em Dubai.

Maldivas, Seychelles e Dubai não possuem acordos com os EUA, Reino Unido ou União Europeia que permitam às autoridades confiscar propriedades, protegendo assim os iates de quaisquer sanções.

Mas eles podem não conseguir ficar em águas seguras indefinidamente.

“Essas coisas são animais vivos, emborcados na água que precisam de manutenção… então você precisa de portos que possam satisfazer isso”, diz Capucine de Vallée, CEO da Boat Bookings.

“Todos os principais estaleiros estão no norte da Europa.”

Ela acredita que os fabricantes podem deixar de oferecer peças e manutenção devido às sanções.

Dos nove superiates vinculados a russos sancionados, apenas um está ancorado em águas europeias.

O Tango — ligado a Viktor Vekselberg — está atracado na costa de Palma, na Espanha. Vekselberg está sob sanção dos EUA e do Reino Unido, mas não da União Europeia.

Vladimir Putin

Um superiate ligado ao presidente russo, Vladimir Putin, no passado navegou de volta às águas russas antes do início da invasão da Ucrânia.

O Graceful se deslocou da Alemanha para a costa de Kaliningrado, na Rússia, em meados de fevereiro.

Mas a Lloyd’s List diz que os dados de movimentação são limitados, uma vez que a embarcação desligou seu dispositivo de rastreamento por várias semanas.

De acordo com a Convenção das Nações Unidas para a Segurança da Vida Humana no Mar (SOLAS), os navios devem manter seus rastreadores a bordo sempre ligados, a menos que haja perigo para a segurança da tripulação e da embarcação.

Vários outros iates ligados a russos também desligaram ocasionalmente seus dados de rastreamento no mês passado.

As autoridades dos EUA estão analisando a propriedade de um segundo iate, o Scheherazade, que está atualmente ancorado na cidade italiana de Marina di Carrara.

Partidários do líder da oposição russa Alexander Navalny associaram a embarcação de 140m, avaliada em cerca de US$ 700 milhões, ao presidente Putin.

Que iates foram apreendidos?

Nesta época do ano, muitos superiates geralmente começam a se dirigir a destinos europeus populares, como Port Hercule, em Mônaco, ou Marina Grande, na ilha italiana de Capri.

“Entre dezembro e abril, é a temporada do Caribe, e depois os iates se deslocam para a Europa para a temporada do Mediterrâneo, que normalmente vai de maio a setembro”, diz Chris Jefferies, da Superyacht World Magazine.

Crédito, Getty Images

Legenda da foto,

O Sailing Yacht A — ligado a Andrei Melnichenko — foi apreendido em Trieste, na Itália

Vários iates ligados a russos alvos de sanções já foram apreendidos por autoridades na França, Itália e Espanha:

– Sailing Yacht A,apreendido em Trieste, na Itália (ligado a Andrei Melnichenko);

– Lena, apreendido em San Remo, na Itália (ligado a Gennady Timchenko);

– Lady M, apreendido em Imperia, na Itália (ligado a Alexei Mordashov);

– Amore Vero, apreendido em La Ciotat, na França (ligado ao oligarca russo Igor Sechin);

– Valerie, apreendido perto de Barcelona, ​​na Espanha (ligado a Sergei Chemenov);

– Crescent, apreendido em Tarragona, na Espanha;

– Lady Anastasia, apreendido em Port Adriano, na Espanha (ligado a Alexander Mikheev);

– Axioma, apreendido em Gibraltar (ligado a Dmitrievich Pumpyansky).

Ainda há confusão sobre o status de um dos maiores superiates do mundo, o Dilbar — ligado ao empresário russo sancionado Alisher Usmanov.

Foi reportado que ele havia sido apreendido enquanto estava atracado em Hamburgo. Mas as autoridades locais nos disseram que não era o caso e que ainda estava lá para reparos em andamento.

Crédito, Guardia di Finanza

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Agentes italianos a bordo do iate Lena — vinculado a Gennady Timchenko

E os iates não sancionados?

A Lloyds List analisou mais de 40 superiates que foram vinculados a russos abastados. Muitos deles não foram sancionados — e há grupos deles (destacados em azul) ainda no Mediterrâneo.

Mas eles já estão sendo recebidos com frieza em alguns portos. Membros da tripulação foram evitados em Mônaco, de acordo com Vallee, e alguns profissionais se recusaram a realizar trabalhos de manutenção por medo de que seus pagamentos fossem confiscados pela União Europeia.

“Nossa linha de crédito foi completamente cortada, o que dificulta muito a operação”, disse um capitão de um superiate.

Reportagem de: Jake Horton, Joshua Cheetham, Kumar Malhotra, Erwan Rivault, Daniele Palumbo e Nicholas Barrett.

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Fonte: BBC