Guerra na Ucrânia: o que a anexação russa de regiões ucranianas significa para áreas ocupadas

  • Por Paul Kirby
  • BBC News

As forças ucranianas lançaram contra-ofensivas no leste e em Kherson, no sul

Crédito, Getty Images

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As forças ucranianas lançaram contraofensivas no Leste e em Kherson, no Sul

Como a Rússia anexará quatro regiões que ocupou, mas apenas parcialmente, quando estão no meio de uma zona de guerra?

Vladimir Putin assinou um acordo para anexar as regiões, depois de declarar que a Rússia nunca desistiria delas e as defenderia com todos os meios disponíveis.

Porque agora?

O presidente da Rússia está com o pé atrás. Sua guerra de sete meses está perdendo ímpeto, enquanto a dramática contraofensiva da Ucrânia está atrapalhando sua reivindicação original às duas regiões orientais de Luhansk e Donetsk.

Ao anexar essas regiões, bem como Zaporizhzhia e Kherson ao sul, ele poderá enviar tropas recém-mobilizadas para o front. Mas ele também pode ameaçar os países ocidentais se eles continuarem a armar a Ucrânia com mísseis usados contra o que ele agora chama de território russo.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, condenou essa escalada perigosa : “Qualquer decisão de prosseguir com a anexação das regiões da Ucrânia de Donetsk, Luhansk, Kherson e Zaporíjia não teria valor legal e merece ser condenada. Não é algo que pode ser conciliado com o contexto jurídico internacional; se opõe a tudo o que a comunidade internacional deveria defender; desrespeita os propósitos e princípios das Nações Unidas”.

Uma repetição da Crimeia?

O que ocorre agora parece uma reprise do que Putin fez em março de 2014, tomando a região da Crimeia da Ucrânia, convocando um referendo amplamente condenado pela comunidade internacional e anexando-o apesar da rejeição internacional, exatamente através do mesmo processo constitucional que culminou em uma votação no Parlamento russo em apoio.

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Parece ser uma repetição da anexação da Crimeia, exceto que desta vez é diferente

Exceto que não é. A Crimeia foi tomada com pouco derramamento de sangue e ficou sob total controle russo.

Em graus variados, todas as quatro regiões agora anexadas ainda estão parcialmente em mãos ucranianas. Juntas, elas representam 15% do território ucraniano.

As duas regiões do leste estão parcialmente ocupadas por separatistas apoiados pela Rússia desde 2014, mas, após sete meses de guerra, apenas 60% de Donetsk foi reivindicada pela Rússia, e Luhansk está no centro de uma grande ofensiva ucraniana. As forças russas podem estar a horas de perder a cidade estratégica de Lyman.

A capital regional de Zaporíjia é firmemente administrada pela Ucrânia, embora ao alcance de mísseis russos, e as forças ucranianas estão a apenas alguns quilômetros da cidade de Kherson.

Como é possível anexar quatro regiões que você nem controla? Qualquer que seja a resposta, o líder da Rússia estava claramente com pressa para fazê-lo, anunciando referendos sobre as anexações quase sem aviso prévio.

Em seu discurso de anexação, o presidente Putin pediu um cessar-fogo à Ucrânia e um retorno às negociações, mas deixou claro que não haverá devolução do território ocupado à Ucrânia.

O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, disse na sexta-feira (30/9) que qualquer ataque ao território anexado seria considerado um ato de agressão.

O que vai mudar?

Isso ainda não está claro. Nem mesmo Peskov foi capaz de definir onde a Rússia traçaria suas novas fronteiras no sul ocupado da Ucrânia. No entanto, ele disse que a Rússia trataria toda a região de Donetsk como parte da Rússia. Quanto às partes não ocupadas, ele disse que teriam que ser “liberadas”.

“Isso oferece uma distração para o povo e Estado russos”, diz Paul Stronski, do Carnegie Endowment for International Peace, que acredita que pouco mudará na prática.

Antes da invasão de fevereiro, a Rússia reconhecia a totalidade das duas regiões orientais como “repúblicas populares” independentes e, agora, as definirá como território russo. Putin também reconheceu as duas regiões ao sul como independentes antes de assinar a anexação.

Ele agora apresentará esses tratados às duas Casas do Parlamento russo. A anexação poderá então ser consagrada na Constituição russa.

Neste ponto, a Rússia se tornará, diz a comentarista política exilada Ekaterina Shulman, um “Estado com uma fronteira não legitimada”. Incluirá fragmentos que não apenas não são reconhecidos por qualquer outro Estado ou organização internacional, mas também não têm administração centralizada, argumenta ela.

Como a Ucrânia respondeu?

O presidente Volodymyr Zelensky revidou os movimentos de anexação da Rússia ao buscar uma adesão acelerada à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).

Essa é uma mudança marcante desde o início da guerra, quando ele anunciou que deixaria de pressionar pela adesão à aliança militar ocidental por causa da preocupação da Otan em entrar em confronto com a Rússia. Ele sabe, no entanto, que terá que persuadir todos os Estados-membros a concordarem, e a Turquia, por exemplo, dificilmente o fará.

Ele também deixou claro que a anexação não trará ao Kremlin o que ele espera: “A Ucrânia não pode e não tolerará nenhuma tentativa da Rússia de tomar qualquer parte de nossa terra”.

Quão perigoso é este momento?

Ninguém sabe realmente o que está passando agora na mente do Kremlin, mas claramente quer que o Ocidente e a Ucrânia enxerguem os ataques ao território ocupado como ataques à própria Rússia.

Putin já ameaçou usar todos os meios à sua disposição para proteger o território russo, incluindo armas nucleares. “Isso não é um blefe”, disse ele. E seu ministro da Defesa diz que a Rússia está lutando contra o Ocidente ainda mais do que contra a Ucrânia.

Paul Stronski acredita que a “retórica desestabilizadora” da Rússia visa dissuadir o Ocidente, embora o Ocidente pareça decidido a resistir.

O líder da Ucrânia descartou a ameaça nuclear como uma “narrativa constante de funcionários e propagandistas russos”.

Na sexta-feira, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, disse que comentários recentes sobre a escalada nuclear são irresponsáveis: “Pedimos a todos que se comportem com responsabilidade”.

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Fonte: BBC