Guerra na Ucrânia: por que contra-ataque ucraniano está dando certo

  • Frank Gardner
  • Repórter de segurança da BBC

Soldado ucraniano

Crédito, Reuters

Um mês após ser invadida pela Rússia, a Ucrânia está desafiando o prognósticos sobre a guerra.

Em menor número em quase todas as métricas – em tanques, tropas, aeronaves – as forças da Ucrânia, reforçadas por cidadãos voluntários, em muitos lugares lutaram contra o exército russo.

Eles perderam território, especialmente na região sul, ao redor da Crimeia, que já foi ocupada e anexada pela Rússia em 2014. Mas o objetivo original de Moscou de tomar rapidamente a capital Kiev e outras grandes cidades, forçando o governo ucraniano a renunciar, falhou inegavelmente.

A maré ainda pode virar contra a Ucrânia. Suas forças estão ficando perigosamente baixas em relação aos vitais mísseis antitanque e antiaéreos fornecidos por países do Ocidente, equipamentos necessários para afastar o avanço russo.

Muitas das forças regulares ucranianas, cansadas pela batalha no leste do país, correm o risco de serem cercadas, isoladas e aniquiladas. E com um quarto da população do país tendo fugido de suas casas, aqueles que ficaram correm o risco de ver suas cidades transformadas em um deserto pela implacável artilharia implacável russa e pelos foguetes.

No entanto, apesar desses fatores, as forças da Ucrânia estão superando as da Rússia nesta guerra em vários níveis. Nesta semana, o porta-voz do Pentágono, John Kirby, elogiou a resistência ucraniana por defender partes de seu país “com muita inteligência, agilidade e criatividade”. Então, quais foram exatamente os segredos desse “sucesso”?

1. Motivação alta

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Ucranianos se voluntariaram para o combate

Há uma grande diferença entre a moral dos dois exércitos. Os ucranianos estão lutando pela sobrevivência de seu país como uma nação soberana, horrorizados com o discurso do presidente Vladimir Putin na véspera da guerra: ele disse que a Ucrânia era basicamente “uma criação artificial da Rússia”.

Os ucranianos apoiaram o governo e seu presidente, Volodymyr Zelenky. Isso resultou em cidadãos sem experiência militar anterior pegando em armas para defender suas cidades, apesar do esmagador poder de fogo russo que eles enfrentam.

“É assim que as pessoas lutam por sua própria existência”, diz o brigadeiro Tom Foulkes, que passou 35 anos como oficial do Exército britânico na Alemanha durante a Guerra Fria. “É assim que eles defendem sua pátria e suas famílias. Sua coragem é chocante e esplêndida.”

Na prática, essa motivação liberou os soldados ucranianos para lutar na linha de frente, sabendo que suas cidades têm uma defesa à parte.

Por outro lado, muitos dos soldados russos enviados para lutar na Ucrânia são recrutas recém-saídos da escola, perplexos e confusos por se encontrarem em uma zona de guerra quando pensavam que estavam apenas fazendo um exercício militar.

A maioria tinha pouca ou nenhuma preparação para a batalha diante da ferocidade dos combates que encontraram. Houve relatos de deserções, escassez de alimentos e saques.

2. Comando e controle

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Presidente Zelensky visita feridos em hospital

As primeiras expectativas de um ataque cibernético devastador da Rússia, derrubando as comunicações da Ucrânia, não se concretizaram. Em vez disso, a Ucrânia conseguiu de alguma forma manter uma coordenação eficaz em várias frentes de batalha, mesmo onde perdeu terreno.

O governo permaneceu em Kiev e altamente visível, com até mesmo a vice-primeira-ministra, Irina Vereshchuk, vestida com uma camiseta enquanto se dirigia à nação em um cenário de insígnias do governo.

O exército russo, por outro lado, não parece ter nenhum tipo de liderança unificada, com pouca coordenação entre as diversas frentes de batalha.

Isso provavelmente teve um efeito negativo na moral militar do país de Putin. Relatos das mortes de pelo menos cinco generais são em parte resultado da necessidade desses oficiais de se aproximarem da luta para coordenar as tropas.

No nível dos suboficiais, ou seja, os cabos e os sargentos, a doutrina militar russa não permite quase nenhuma iniciativa – esses subalternos estão sempre à espera de ordens de cima.

O professor Michael Clarke, especialista militar do King’s College, de Londres, diz que os suboficiais russos estão cercados de corrupção e ineficiência e são profundamente impopulares entre os comandantes.

3. Estratégia de ataque

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Armas como o Javelin auxiliam ucranianos para aumentar eficiência de suas forças

As forças da Ucrânia estão em grande desvantagem numérica. No entanto, fizeram um uso muito melhor do solo e de suas armas do que os invasores.

Enquanto os russos tendem a concentrar as forças em colunas blindadas lentas e pesadas, muitas vezes com veículos amontoados, os ucranianos têm conduzido com sucesso ataques certeiros e de fuga rápido, esgueirando-se e disparando um míssil antitanque e, em seguida, desaparecendo antes que os russos possam responder ao fogo.

Antes da invasão, os treinadores americanos, britânicos e canadenses da Otan passaram longos períodos na Ucrânia, atualizando as forças do país na guerra defensiva e instruindo os militares sobre como fazer melhor uso de sistemas de mísseis de última geração, como o Javelin ou a arma antitanque NLAW, projetada na Suécia, ou a versão mais recente do míssil antiaéreo Stinger.

“Os ucranianos têm sido muito mais espertos do que os russos”, diz o professor Clarke, “porque lutaram contra algo muito mais próximo de uma operação de armas combinadas que os russos não fizeram”. Com isso, ele quer dizer que os ucranianos fizeram pleno uso de todas as ferramentas militares à disposição, como drones, artilharia, infantaria, tanques e guerra eletrônica.

Quando combinados, a soma de todos esses diferentes aspectos da guerra pode criar um efeito exponencial.

Outro estrategista militar, Justin Crump, que dirige a consultoria de inteligência Sibylline, diz que os ucranianos são particularmente hábeis em procurar os pontos vulneráveis ​​nas formações russas e atingi-los com força.

“A Ucrânia fez uso de táticas altamente eficazes”, diz ele, incluindo mirar em pontos fracos dos invasores, como comboios de suprimentos, usando sistemas de armas fornecidos pela Otan com bons resultados contra alvos de precisão e improvisando quando necessário.

Embora seja difícil obter uma imagem precisa do número de baixas, mesmo as estimativas mais conservadoras feitas pelo Pentágono colocam as mortes em combate em mais de 7 mil russos. Isso é quase metade dos homens que os soviéticos perderam em 10 anos de combates no Afeganistão nos anos 1980 – e a atual guerra tem apenas um mês.

O brigadeiro Tom Foulkes também tem uma explicação sobre por que tantos generais russos foram mortos na linha de frente: “Isso me parece uma campanha de atiradores deliberada e altamente bem-sucedida que poderia degradar as estruturas de comando russas”.

4. A guerra da Informação

Existe ainda a guerra de informação. E a Ucrânia está vencendo nesse campo na maior parte do mundo – embora não na Rússia, onde o Kremlin ainda controla o acesso à maior parte da mídia.

“A Ucrânia mobilizou a esfera da informação para uma tremenda vantagem doméstica e internacional”, diz Justin Crump. “Isso veio de cima para baixo, auxiliado pelo formidável conhecimento de mídia do (presidente) Zelensky”.

Essa é uma visão ecoada por Ruth Deyermond, professora-sênior de estudos pós-soviéticos no King’s College. “Claramente o governo ucraniano tem tido muito sucesso em controlar a narrativa sobre a guerra, certamente para o mundo em geral”, diz ela.

“O que o conflito fez pela reputação internacional da Ucrânia é absolutamente notável.”

Mas, agora, um mês nesta luta desesperada de vida ou morte nas fronteiras orientais da Europa, isso ainda pode não ser suficiente para salvar a Ucrânia.

O poder numérico do exército russo, apesar de todas as suas deficiências, joga contra a Ucrânia. Se de alguma forma o suprimento de sistemas de armas de defesa do Ocidente secar, então não haverá muito mais tempo para nação sitiada resistir.

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Fonte: BBC