Liz Truss: a jornada política da primeira-ministra do Reino Unido com menos tempo no cargo

Liz Truss dando sua declaração de demissão em Downing Street

Crédito, EPA-EFE/REX/Shutterstock

Apenas 44 dias depois de se tornar primeira-ministra, Liz Truss anunciou que deixará o cargo.

Até agora, o primeiro-ministro com mandato mais curto havia sido George Canning, que morreu em agosto de 1827. Ele passou apenas 119 dias à frente do governo britânico.

Truss sucedeu Boris Johnson depois de vencer Rishi Sunak em uma votação entre membros do Partido Conservador.

Dois dias depois, a rainha Elizabeth 2ª morreu, a nação entrou em um período de luto, e a política normal foi suspensa.

Mas, no final da semana que começou com o funeral da rainha, as sementes da crise política de Truss já haviam sido plantadas – no miniorçamento do então do ministro da Economia, Kwasi Kwarteng.

O orçamento incluiu 45 bilhões de libras (R$ 265 bilhões) em cortes de impostos, financiados por empréstimos, o que assustou os mercados financeiros e provocou uma queda acentuada no valor da moeda britânica.

O governo logo foi forçado a abandonar os planos de cortar a alíquota máxima do imposto de renda, mas a contínua turbulência do mercado significou que o Banco da Inglaterra teve que intervir para sustentar o valor dos títulos do governo.

Na semana antes da renúncia de Truss, ela demitiu Kwarteng – um amigo próximo – e foi forçada a aceitar o descarte da maior parte dos cortes de impostos do miniorçamento junto com sua agenda econômica mais abrangente.

Para enfrentar o aumento das contas de energia, a primeira-ministra também estabeleceu uma garantia de preço de energia, dizendo que as famílias que usam uma quantidade de gás e eletricidade média (a quantidade considerada típica entre a população) pagariam 2,5 mil libras (R$ 14,76 mil) por ano. Essa garantia foi posteriormente reduzida de dois anos para seis meses.

Dia após dia, o controle de seu governo sobre os eventos se desintegrou – e um número crescente de parlamentares conservadores pediu publicamente que ela deixasse o cargo.

Então, de onde Liz Truss veio e o que a fez se tornar um nome importante na política?

Apoiadora da permanência do Reino Unido na União Europeia no plebiscito do Brexit de 2016 que se reinventou como a queridinha da direita conservadora, ela começou sua jornada política como uma adolescente ativista liberal democrata.

Mas sua promessa de resgatar os valores conservadores fundamentais – cortando impostos e encolhendo o Estado – foi bem recebida por membros do seu partido, que a escolheram em vez de Sunak na votação para a liderança.

Crucialmente, aos olhos daqueles que pensavam que Boris Johnson foi injustamente demitido do cargo, ela permaneceu leal a ele até o fim, quando outros ministros o abandonaram.

Quem é Liz Truss?

Idade: 47 anos

Local de nascimento: Oxford

Moradia: Londres e Norfolk

Educação: Roundhay School, em Leeds, e Oxford University

Família: Casada com o contador Hugh O’Leary e mãe de duas filhas adolescentes

Nascida em Oxford em 1975, Truss descreveu seu pai, professor de matemática, e sua mãe, enfermeira, como “de esquerda”.

Quando jovem, sua mãe a levou em marchas da Campanha pelo Desarmamento Nuclear, uma organização que se opunha veementemente à decisão do governo de Margaret Thatcher (1925-2013) de permitir a instalação de ogivas nucleares dos Estados Unidos em uma antiga base aérea no oeste de Londres.

Embora ela agora seja orgulhosamente uma conservadora de Leeds, naquela época, ela era mais próxima dos ideais liberais escoceses. A família mudou-se para Paisley, a oeste de Glasgow, quando Truss tinha 4 anos.

Em uma entrevista à BBC, ela recordou de quando entoou “Maggie, Maggie, Maggie – oot, oot, oot” (Fora Maggie – apelido de Thatcher) com sotaque escocês, enquanto participava de marchas.

Crédito, Liz Truss/Instagram

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A família Truss fez campanha pelo desarmamento nuclear

A família Truss mais tarde mudou-se para Leeds, onde ela frequentou a Roundhay, uma escola estadual. Ela disse ter visto “crianças que fracassaram e foram prejudicadas por baixas expectativas em relação a elas” enquanto esteve lá.

Alguns dos contemporâneos de Truss em Roundhay contestaram seu relato, incluindo o jornalista do jornal britânico The Guardian Martin Pengelly, que escreveu: “Talvez ela tenha uma visão seletiva de sua criação e esteja criticando a escola e os professores por simples ganho político”.

Um colega seu de Roundhay, que não quis ser identificado, disse à BBC: “Era uma escola muito boa, com professores que apoiavam muito. Muitos de nós fomos para boas universidades e construímos boas carreiras”.

Apesar de não terem sido amigos, ele tem lembranças claras da jovem Liz Truss. “Ela era bastante estudiosa, séria”, diz ele, com uma “forte consciência social” e parte de um grupo que era ambientalista.

“Lembro-me de uma viagem escolar a Sellafield [usina de reprocessamento de material nuclear] e de ela fazendo perguntas difíceis, um interrogatório. Lembro-me disso claramente.”

Na Universidade de Oxford, Truss estudou Filosofia, Política e Economia. Os amigos lembram dela como uma estudante querida, embora frenética.

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Quando era adolescente, Truss causou alvoroço em uma conferência dos liberais democratas com sua postura antimonarquista

Truss esteve envolvida em muitas campanhas e causas em Oxford, mas dedicou grande parte de seu tempo à política, tornando-se presidente dos liberais democratas da universidade.

Na conferência do partido em 1994, ela falou a favor da abolição da monarquia, dizendo aos delegados em Brighton: “Nós, liberais democratas, acreditamos em oportunidades para todos. Não acreditamos que as pessoas nascem com o direito de governar”. Ela também fez campanha pela descriminalização da maconha.

Diz-se que sua conversão ao conservadorismo, no final de seu época em Oxford, chocou seus pais, mas para Mark Littlewood, um colega de Oxford, foi uma progressão natural.

“Ela foi uma liberal de mercado durante toda a sua vida adulta”, diz Littlewood, que agora é diretor-geral de um centro de estudos pró-livre mercado, o Instituto de Assuntos Econômicos.

“Sua carreira política reflete sua ideologia – ela sempre foi altamente cética em relação a governos intervencionistas e instituições privilegiadas que pensam que sabem mais”, disse Littlewood.

Ela se tornou uma conservadora porque conheceu pessoas com ideias semelhantes que compartilhavam de seu compromisso com a “liberdade pessoal, a capacidade de moldar sua própria vida e moldar seu próprio destino”, explicou ela.

Depois de se formar em Oxford, ela trabalhou como contadora para a Shell e Cable & Wireless e se casou com o contador Hugh O’Leary em 2000. O casal tem dois filhos.

Truss foi a candidata conservadora por Hemsworth, West Yorkshire, nas eleições gerais de 2001, mas perdeu. Ela sofreu outra derrota em Calder Valley, também em West Yorkshire, em 2005.

Mas, com suas ambições políticas inabaláveis, ela foi eleita vereadora em Greenwich, no sudeste de Londres, em 2006, e, a partir de 2008, também trabalhou para o centro de estudos de centro-direita Reform.

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Truss aderiu ao conservadorismo e tornou-se uma proeminente defensora de políticas de livre mercado

O líder conservador David Cameron colocou Truss em sua lista de candidatos prioritários para as eleições de 2010, e ela foi selecionada para concorrer ao assento do Sudoeste de Norfolk.

Mas ela enfrentou uma campanha para que não concorresse depois que foi revelado que ela teve um caso com o deputado conservador Mark Field alguns anos antes. O esforço para derrubá-la falhou, e Truss conquistou a cadeira com mais de 13 mil votos.

Ela é coautora de um livro com quatro outros parlamentares conservadores eleitos em 2010, em que recomendavam diminuir a regulamentação estatal para melhorar a posição do Reino Unido no mundo, o que a marcou como uma proeminente defensora de políticas de livre mercado nas bancadas conservadoras.

Ela fez campanha pela permanência no referendo de 2016, escrevendo no jornal britânico The Sun que o Brexit seria “uma tragédia tripla – mais regras, mais formulários e mais atrasos ao vender para a União Europeia”.

No entanto, depois que seu lado perdeu, ela mudou de ideia, argumentando que o Brexit oferecia uma oportunidade de “mudar a maneira como as coisas funcionam”.

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Liz Truss foi primeira mulher a ser ministra da Economia e também da Justiça em 2016

No governo da premiê Theresa May, ela se tornou a primeira mulher a ser ministra da Economia e também da Justiça, mas teve vários confrontos com o Judiciário e foi rebaixada a secretária-chefe do Tesouro.

Quando Boris Johnson se tornou primeiro-ministro em 2019, Truss foi transferida para Secretaria de Comércio Internacional – um cargo que significava encontrar líderes políticos e empresariais globais para promover a economia do Reino Unido.

Em 2021, aos 46 anos, ela assumiu um dos cargos mais altos do governo, substituindo Dominic Raab como secretária de Relações Exteriores.

Sua decisão de posar para fotos em um tanque enquanto visitava as tropas britânicas na Estônia foi vista como uma tentativa de imitar Margaret Thatcher, que havia sido fotografada a bordo de um tanque em 1986. Também alimentou especulações de que ela estava buscando se posicionar para assumir a liderança conservadora.

Crédito, UK Government

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Liz Truss posou para fotos oficiais em um tanque enquanto visitava tropas britânicas na Estônia em 2021

A campanha de Truss para a liderança do partido não foi livre de controvérsias.

Pressionada sobre como lidaria com a crise do custo de vida, ela disse que concentraria seus esforços em “reduzir a carga tributária, não distribuir esmolas”.

Ela foi forçada a abandonar um plano para vincular os salários do setor público aos custos de vida regionais por uma reação dos conservadores mais antigos, que disseram que isso significaria salários mais baixos para milhões de trabalhadores que vivem fora de Londres.

Em outro episódio polêmico, ela acusou a primeira-ministra da Escócia, Nicola Sturgeon, de “querer aparecer”, acrescentando que era melhor “ignorá-la”.

Ela também brigou com o presidente francês, Emmanuel Macron, que a acusou de “jogar para a torcida” em uma reunião de liderança. Questionada se Macron era um “amigo ou inimigo”, ela disse que ainda não havia decidio.

Mas foi uma questão doméstica que dominou a disputa de liderança às vezes turbulenta com Sunak. E foi a resposta de Truss à crise do custo de vida que tornaria seu mandato o mais breve da história do Reino Unido.

Fonte: BBC