Musée de la Vie Romantique, ou a vida romântica em um museu de Paris

Assim como ler bem é a arte de reler mais de uma vez, quando se trata de algum grande museu do mundo é impossível dizer que já se viu em demasia. Há tantas camadas de história e de tinta em uma única Monalisa que se torna humanamente impossível ver tudo. Mas se você é do tipo que gosta de dizer, como um Napoleão, que já “fez Paris” e também “fez o Louvre”, pode ficar ainda mais inclinado a conhecer os outros museus da capital da França. E o menu é extenso: são mais de 200 opções ao gosto do freguês! Nesta coluna, pretendo falar de todos, um por um.

Inspirada pelo romantismo da cidade, o sonho de destino de dez entre dez casais apaixonados, inicio então pelo mais “mignon” e romântico de todos: o Musée de la Vie Romantique (ou Museu da Vida Romântica). Uma bijou arquitetônica que parece uma bucólica casa de campo da Provence saída de um filme de época e habitada por uma apaixonada, pálida e provinciana heroína de Balzac que sonha acordada no jardim de rosas e lilases em um longo e vaporoso vestido branco. Enfim, a atmosfera do museu transporta com sucesso à época retratada. Mas, como no exemplo da Monalisa, também no Romantismo existem muitas camadas de interpretação, que vamos ver a seguir.

Museu da Vida Romântica
A fachada é remanescente de um estilo arquitetônico que se tornou raro em Paris. MdlVR/Reprodução

Após a uniformização e o embelezamento de Paris frutos do projeto de urbanização do barão Haussmann no século 19, pouquíssimas casas continuaram de pé e, com estas características, talvez seja uma das únicas (junto com Maison de Balzac). Antes residência do pintor romântico Ary Scheffer (para quem é dedicado uma ala inteira do museu), o casarão de 1830 está localizado no antigo bairro da Nouvelle Athènes (Nova Atenas), no 9º arrondissement, hoje Pigalle. A região era o ponto de encontro e residência de artistas célebres da época e repleto de prédios do início do século 19 de arquitetura estilizada inspirada na Grécia Antiga. O casarão tornou-se o espaço perfeito para a instalação de um museu do Romantismo, a saber: o estilo típico predominante entre o fim do século 19 e início do século 20, caracterizado pela exaltação das emoções, da fé religiosa e a idealização da Antiguidade e da Idade Média em uma reação escapista ou contraponto ao cientificismo do Iluminismo e das lutas políticas da Revolução Francesa. Quer dizer, o Romantismo, em última instância, foi um movimento conservador.

Parte do acervo permanente é uma herança de nada menos que o insólito casal George Sand e Frédéric Chopin. Ela, escritora conhecida pela personalidade forte e uma pioneira em vestir roupas masculinas muito antes de isso ser tolerado socialmente. Ele, o genial, tísico e sensível compositor polonês reconhecido pelos seus Noturnos ultra melancólicos. Um dos destaques é uma das raras obras que escaparam de um incêndio que destruiu o espólio da escultora e princesa Marie d’Orleans: uma escultura em madeira na qual ela se autoretrata vestida na armadura que pertenceu a Jeanne D’Arc, a canonizada e emblemática santa francesa que após visões místicas pegou em armas para libertar a França com o aval do Rei e morreu queimada como herege a mando da igreja (inglesa).

Museu da Vida Romântica, Paris
Mesinhas inspiradoras do café do museu que são espalhadas embaixo da copa de árvores centenárias. MdlVR/Reprodução

Mas por que a poderosa Joana dos Arcos foi um dos ícones do Romantismo? Apesar de sua força inegável, Jeanne D’arc foi tomada como um símbolo no Romantismo pela idealização da Idade Média por parte deste movimento artístico, pela sua biografia épica e sensibilidade romanesca, pelo monarquismo, por sua notória fé católica e o seu sacrifício. Para uma heroína romântica acuada entre família, igreja e Estado, as únicas saídas para uma paixão eram o convento, a morte ou a loucura.

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A exposição “Heroínas Românticas”, mostra temporária que fica em cartaz até 4 de setembro, retrata e esclarece mais sobre a visão imposta à mulher no Romantismo. A mulher daquela época era retratada como uma entidade lânguida e lívida, ainda que fantasmagórica. Sempre contemplativa, e por vezes até mesmo morta, como uma Bela Adormecida ou a personagem mitológica de Ofélia (presente em um quadro da exposição atual). Esse estilo recorrente no Romantismo era chamado de Bela Defunta. Além da morbidez embelezada de gerar arrepios nas feministas, a mulher é constantemente objetificada, seja pela recorrente ausência de ação dessas heroínas, seja porque seu corpo sempre está insinuantemente à mostra, mesmo no leito de morte. À mulher socialmente aceita era permitido sentir intensamente as suas paixões, mas apenas na esfera imaginária, jamais na pública. Na política de Napoleão III, o papel das mulheres na sociedade era reduzido ao mesmo status das crianças.

Quer dizer, o Romantismo era uma espécie de novo Trovadorismo, no qual as paixões experienciadas pelas mulheres – e encorajadas pela literatura da época – deveriam ser meramente platônicas, sob pena de consequências fatais. Enfim, além de apreciar belas obras e o lindo espaço que as abriga, mais uma razão para visitar o Musée da Vie Romantique é surpreender o namorado (ou a namorada) com esta aula de história que subverte e muito o senso comum da concepção de Romantismo. 

Pra completar o passeio, o Museu da Vida Romântica tem um café com mesas embaixo das copas centenárias do jardim, mas se preferir algo além de chá de rosas e pain au chocolat, na saída do museu fica o quartier de Pigalle, a também antiga área dos cabarets e hoje uma das regiões mais hypes, notívagas e jovens de Paris, com os bares, boates e restaurantes animados.

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Fonte: Viagem e Turismo