Os japas invadiram Portugal

Pequena escultura de uma gueixa a caráter, vestida de kimono e com enfeites no cabelo
Os japas invadiram Portugal (oba!) Bruno Barata/Reprodução

Digo sem risco de estar cometendo uma injustiça: Portugal nunca foi terra de bons restaurantes japoneses. Aliás, nunca foi terra de japas. Quando morei aqui pela primeira vez, entre 2005 e 2008, sashimis e nigiris eram artigos raríssimos. Me lembro apenas de um nome ecoar em Lisboa: Estado Líquido, que já nem me lembro se fui uma única vez ou nunca. Era chique demais para o meu bolso recém-chegado a terras européias. Soube depois que haviam outros nesta época, mas eu nunca tinha sequer ouvido falar. Corta.

Nigiri: peça da culinária japonesa com base de arroz, fatia de peixe braseado e algas por cima
Nigiri braseado do chef Paulo Morais, no Kanasawa Bruno Barata/Reprodução

Na semana passada, a gala do Guia Michelin da Península Ibérica anunciou cinco novas estrelas para Portugal na edição de 2023. Cinco restaurantes estrearam na constelação da publicação. Surpresa geral: das três estrelas de Lisboa, duas foram para japas (e uma para o vegetariano do chef Avillez, Encanto). As outras duas foram para o Porto. De repente, dois restaurantes japoneses com estrela Michelin em Portugal. Um país onde reina a cozinha portuguesa, onde os estrangeirismos ainda são recatados e algo raros. Agora, cada vez menos.

O sushimen Paulo Morais, com uniforma branco de cozinheiro, mostra uma grande peça de atum
O português Paulo Morais em ação no seu Kanazawa, premiado com uma estrela Michelin Bruno Barata/Reprodução

É inegável que os restaurantes japoneses pipocaram por todo o país nos últimos anos – especialmente em modo fast food. Também é fato que os endereços de qualidade hoje já não são nada raros. Quando conheci o Kanazawa, em 2018, eu morri de amores – leia aqui o texto onde o classifiquei como o melhor japonês do (meu) mundo. Numa loja quase imperceptível em Algés, o sushiman (português, coisa rara ainda hoje!) Paulo Morais preparou delicadezas espetaculares do outro lado do balcão que acomoda apenas 8 pessoas – a capacidade máxima da casa.

Chef prepara o matchá, chá japonês, macerando os ingredientes em uma cumbuca
Matchá macerado na hora no Kanazawa Bruno Barata/Reprodução

O menu, harmonizado com saquês, vinhos e um matchá macerado na hora, ainda dança na minha memória com suas texturas surpreendentes, combinações idem e peixes fresquíssimos. Durante a pandemia, as noites especiais em casa eram comemoradas com take-aways do Kanasawa, e a mesa se enchia de cores, hashis e alegria entre quatro paredes. Era a chance de comer as criações do Paulo a um preço acomodável no dia a dia (os menus degustação variam de € 60, o vegetariano, a € 150 por pessoa).

Salão do restaurante japonês Kabuki em Lisboa, com uma obra de arte coloridíssima atrás do balcão
O salão moderninho do Kabuki, nas galerias do Ritz Bruno Barata/Reprodução

O Kabuki eu conheci em janeiro deste ano, logo depois que a casa abriu em Lisboa, nas galerias do Hotel Ritz, com a proposta de fusão das cozinhas japonesa e mediterrânea. Num ambiente super cool e badalado, com um balcão de seis metros de comprimento (onde me sentei), vi desfilarem pecinhas espetaculares e delicadas no menu degustação. Eu costumo torcer o nariz para japas que incluem foie gras e trufas no menu, mas estava tudo tão delicado que deixei meu preconceito de lado.

Drink do bar do restaurante japonês kKabuki, servido em um copo de cerâmica e coroado com uma espuma e pétalas de flor
Drink do bar, criado especialmente para a casa Bruno Barata/Reprodução
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Bento box com pequenas comidinhas no Kabuki
Bento com delicadezas do Kabuki Bruno Barata/Reprodução
Duas peças de nigiri do Kabuki
Nigiris do menu degustação do Kabuki Bruno Barata/Reprodução

Entre nigiris de ovo de codorna com patê de trufas pretas, de wagyu, toro al pastor e tartares variados, merece destaque a carta de vinhos e os incríveis coquetéis criados no bar, estrategicamente posicionado na entrada da casa (onde também é possível pedir ostras, caviar ou pickles para acompanhar).

Sushimen trabalham atrás do elegante balcão de madeira do Tokkotai
Sushimen em ação no Tokkotai, no Porto Bruno Barata/Reprodução

Na semana passada eu fui ao Porto e, ao pesquisar novos restaurantes, encontrei várias referências de mais um japa. Alegria geral quando descobri, quase às 22h, que a casa só fecharia às 2h da manhã naquele dia (é assim de quinta a sábado, quando um DJ anima o ambiente). A chegada é pelo izakaya, o bar que tem uma carta de coquetéis especiais.

Prato de atum picante servido como cannoli, numa espécie de canudinho enrolado
Cannoli de atum picante do Tokkotai Bruno Barata/Reprodução

Qual não foi a minha surpresa quando descobri que a casa é uma recriação fiel do Nakka, de São Paulo (com unidades nos Jardins e no Itaim). Os idealizadores do Tokkotai importaram – literalmente – o conceito do Nakka, inclusive trazendo 15 pessoas da casa paulistana para a Invicta (de sushimen a garçons). A proposta da casa é conduzir a uma “viagem por Tóquio, São Paulo e Porto”.

Salão do restaurante Tokkotai, com piso de madeira e jardim atrás
Um dos muitos ambientes do Tokkotai Bruno Barata/Reprodução
Sobremesa feita de banana, com sorvete e chantilly no restaurante Tokkotai
Crumble de banana: happy end do Tokkotai Bruno Barata/Reprodução

A cozinha, mais uma vez, tem vertente contemporânea e abre espaço para ingredientes como clorofila, trufa e foie, com louvor. Começamos com um delicioso cannoli de atum picante, terminamos com um crumble de banana. E com a vontade de voltar.

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Fonte: Viagem e Turismo