- Leire Ventas
- Correspondente da BBC News Mundo em Los Angeles (EUA)
Atualmente, um em cada cinco americanos é de origem latina, segundo o Censo dos Estados Unidos. Em 2060, espera-se que os latinos sejam um em cada quatro, totalizando 119 milhões.
Não há dúvidas, portanto, de que essa comunidade desempenha um papel fundamental na economia da maior potência mundial.
E os números não mentem.
Por exemplo: os latinos nos EUA injetam US$ 2,8 trilhões (cerca de R$ 15 trilhões) na economia por ano, o equivalente à soma dos PIBs (Produto Interno Bruto, ou a soma de bens e serviços produzidos em um país) do Brasil e do México.
“Se fosse um país independente, seria a quinta maior economia do mundo, com um Produto Interno Bruto (PIB) maior que o do Reino Unido, Índia ou França”, diz Sol Trujillo, cofundador e presidente do conselho do Latino Donor Collaborative (LDC), uma organização independente e autofinanciada cujo objetivo é destacar o papel socioeconômico desse grupo étnico.
Essa é a conclusão a que chegou um relatório recentemente publicado que sua entidade encarregou a especialistas de duas universidades californianas.
E trata-se de um número semelhante ao da Câmara de Comércio Hispânica dos Estados Unidos (USHCC, na sigla em inglês), outra organização com sede em Washington, e de consultorias como McKinsey ou o think tank Pew Research Center.
‘PIB latino’
O PIB é um indicador básico da economia: é usado para indicar quanta riqueza um país gera e o tamanho e a composição de sua economia.
Ele mede o valor monetário de todos os bens e serviços finais (aqueles adquiridos pelo usuário final) produzidos dentro de um país, por nacionais e estrangeiros.
Mas como fazer esse cálculo quando falamos de um determinado grupo populacional?
“Não foi uma tarefa fácil”, disse à BBC News Mundo, o serviço de notícias em espanhol da BBC, Dan Hamilton, diretor de Economia do Centro de Pesquisas e Previsões da Universidade Luterana da Califórnia e principal autor do 2022 LDC U.S. Latino GDP Report, relatório mencionado no início desta reportagem.
“Os dados usados para medir o PIB geralmente não são divididos por etnia ou raça, então tivemos que cruzá-los com dados oficiais do governo americano por etnia”, explica.
“Temos que analisar grandes volumes de dados, criamos mapas a partir de conjuntos de dados, que cruzamos com outros conjuntos de dados e assim por diante, até que possamos calcular a parcela correspondente dos vários componentes do PIB para os latinos.”
E assim chegou-se à estimativa de que o “PIB latino” em 2020 foi de US$ 2,8 trilhões, enquanto o de 2015 foi de US$ 2,1 trilhões e o de 2010 foi de US$ 1,7 trilhão.
“Se pensarmos no PIB de um país, só os EUA, a China, o Japão e a Alemanha tiveram um PIB superior em 2020”, destaca o economista.
Crescimento populacional
O estudo constatou ainda que o “PIB latino” contraiu durante a pandemia, mas menos que o de outros grupos étnicos, como brancos não-latinos: 0,8%, contra 4,4%.
Mas não foi a única conclusão que eles tiraram ao cruzar os dados.
Os especialistas também constataram que, se considerássemos o “PIB latino” como um país, foi o terceiro que mais cresceu na última década, atrás apenas da China e da Índia.
“Mas o sucesso econômico dos latinos está de muitas maneiras ligado ao sucesso econômico dos EUA, e vice-versa. Eles estão inevitavelmente interligados”, diz Mark Hugo López, diretor de Pesquisa sobre Raça e Etnia do think tank Pew Research Center.
López frisa, como todos os especialistas entrevistados para esta reportagem, que o impacto crescente desse grupo na economia se deve, em parte, ao seu grande crescimento populacional.
“Não há nada de inesperado ou mágico nisso: os latinos são uma população em rápido crescimento e, como resultado, seu impacto econômico também está crescendo rapidamente.”
Na última década, a população latina nos Estados Unidos aumentou 19% — de 50,5 milhões em 2010 para 62,5 milhões no ano passado —, enquanto a do país como um todo aumentou apenas 7%.
Além disso, os hispânicos tiveram um papel importante no crescimento populacional dos Estados Unidos naquele período: a população americana cresceu em 23,1 milhões, 52% deles latinos; e especificamente entre 2019 e 2020, eles representaram 65% do aumento da população do país.
Força de trabalho
“Os latinos também são uma população jovem, o que contribui para que representem uma proporção maior da força de trabalho do país”, diz à BBC News Mundo Lucy Pérez, sócia da consultoria McKinsey e coautora do relatório The Economic State of Latinos in the US: Determined to Thrive (“A situação econômica dos latinos nos EUA: determinados a prosperar”, em tradução livre), publicado em novembro.
Hoje, 25% dos jovens americanos são latinos, segundo dados do Pew Research Center.
Da mesma forma, cada vez mais pessoas desse grupo têm ensino superior. “O crescimento acadêmico é de cinco pontos percentuais na última década, um crescimento muito alto”, assinala Pérez.
“Isso lhes dá acesso a empregos melhores, com salários mais altos e mais benefícios, e tudo isso ajuda a acelerar o crescimento econômico”.
A perspectiva para os latinos no mercado de trabalho também vem mudando com as várias ondas de imigração e o aumento dos nascidos nos EUA (de 59,9% em 2000 para 67,3% em 2019).
E, ao longo de uma década, os latinos que trabalham em negócios, finanças ou como chefes aumentaram de 6,7% para 8%.
Enorme mercado
O poder aquisitivo dos latinos também está aumentando e como consumidores já constituem um mercado de US$ 1,8 trilhão.
“Os latinos nos EUA representam um mercado consumidor maior do que a economia total de nações como Canadá e Coreia do Sul”, diz o relatório do LDC.
Mesmo assim, seus gastos não condizem com o percentual da população que representam.
Em parte, porque há uma diferença salarial significativa em relação, por exemplo, a trabalhadores brancos não-latinos, observa Lucy Pérez, da McKinsey.
“Eles são 19% da população, mas gastam proporcionalmente a 13%. Se essa lacuna fosse superada, eles poderiam contribuir com até US$ 550 bilhões a mais para a economia.”
Outro indicador do peso dessa comunidade na economia americana, segundo concordam todos os entrevistados, é o aumento do número de latinos com casa própria.
A taxa está crescendo em um ritmo recorde, impulsionada principalmente por jovens compradores, e está mudando o cenário imobiliário em muitas partes do país.
Segundo dados mais recentes da Associação Nacional de Profissionais Imobiliários Hispânicos (NAHREP, na sigla em inglês), em 2021, 48,4% dos latinos possuíam uma casa, em comparação com 47,5% em 2019.
“Ter uma casa própria, em vez de alugar, é importante porque permite começar a gerar riqueza familiar, além da renda”, diz Hamilton. “É um aspecto importante da vitalidade econômica de longo prazo de uma família.”
Capacidade empreendedora
Além disso, “os latinos são o grupo mais empreendedor”, diz Pérez, da McKinsey. “Um em cada 200 latinos abre um negócio todo mês. É muito rápido.”
Existem 4,7 milhões de empresas no país pertencentes a latinos. Elas geram mais de US$ 800 bilhões por ano, segundo os números mais recentes da Câmara Hispânica de Comércio.
No entanto, a falta de acesso ao crédito bancário continua a ser um dos maiores entraves para os empresários latinos, diz à BBC News Mundo o presidente e diretor dessa entidade, Ramiro Cavazos.
A mesma reflexão consta do relatório da McKinsey, que calcula que, se as empresas latinas tivessem acesso ao capital e aumentassem sua representatividade em setores de crescimento, contribuiriam com US$ 2,3 trilhões adicionais em receita para a economia americana.
Também criariam 750 mil novas empresas, o que geraria mais de 6 milhões de empregos, acrescenta.
Seja como for, todos esses cálculos são baseados naqueles que se autoidentificam como latinos ou hispânicos, e isso inclui aqueles nascidos nos Estados Unidos de ascendência latina e imigrantes, tanto aqueles com status legal quanto aqueles em situação irregular.
“Pode haver uma certa população que não estamos contando, que não está nas estatísticas ou que não se identifica como latina apesar de sua ascendência”, reconhece Mark Hugo López, do Pew.
“Nesse caso, os números seriam ainda maiores”, acrescenta.
“Se houver algum viés, algum erro de medição, é porque estamos falando de números muito conservadores”, concorda Hamilton.
Fonte: BBC