Sicília: roteiro completo das cidades barrocas ao Etna

TAORMINA

Quando aterrissei no Aeroporto Falcone e Borsellino, na Sicília, eu tinha a ambição de dar a volta na ilha. Nem entrei em Palermo; meu destino era Taormina, na costa leste da ilha, e por isso peguei a autopista A19 em direção a Messina. Vi no mapa que a estrada segue o norte da ilha beirando o mar. Mas o que eu não sabia, e só descobri na hora, é que a estrada é um prodígio da engenharia, formada por 59 quilômetros de túneis monótonos e que fizeram as quatro horas do percurso parecerem 40. Descobri mais tarde que a autopista que corta o meio da ilha em direção a Catânia, e que também leva a Taormina, é livre de túneis e tem 10 quilômetros a menos. Fica a dica para os claustrofóbicos.

Em Taormina, as ruazinhas desembocam na Piazza de Duomo.
Em Taormina, as ruazinhas desembocam na Piazza de Duomo. Kirkandmimi/Pixabay

Se existia alguma tensão, ela se dissipou quando cheguei a Taormina e atravessei os portões do Grand Hotel Timeo, da rede Belmond. Minutos depois eu estava no quarto – e que quarto! Dos janelões da sala e até de dentro da banheira eu tinha a vista do enorme e bem-cuidado jardim, das encostas da cidade e do vulcão Etna. Eu viveria daquela paisagem até o fim dos meus dias se tivesse um cacife como o do escritor inglês D.H. Lawrence, que morou quatro anos em Taormina e passou uma temporada no hotel (foi em algum momento daquele período que ele escreveu O Amante de Lady Chatterley).

Localizada em posição estratégica no alto de um morro, 200 metros acima do mar, com estradas sinuosas, estreitas e que revelam quando menos se espera o azul do mar Jônico, Taormina foi fundada pelos gregos em 358 a.C. para ser uma cidade-fortaleza. Ao longo da história ela passou pelas mãos dos romanos, árabes, normandos e foi adotada pela fina flor europeia durante a Belle Époque, no século 19. Desde então, muitos famosos se internaram por curtos ou longos períodos, caso de Goethe, Tennessee Williams, Oscar Wilde e Truman Capote. A artéria mais importante do lugar é o Corso Umberto, um extenso calçadão cujas extremidades são delimitadas por dois grandes pórticos, de um lado a Porta Catania e, do outro, a Porta Messina. Entre as duas, casarões transformados em butiques, restaurantes, antiquários, cafés e bares lotam, principalmente no fim do dia. Além de percorrer o Corso, o barato também está em subir e descer escadarias que surjam no caminho, de preferência as iluminadas por lamparinas, que podem terminar em um restaurante com mesas no quintal. E, como se ainda precisasse, paira no ar um onipresente aroma de jasmim. Troppo romântico.

Uma rua em frente ao Palazzo Santa Caterina leva à construção que é o trademark de Taormina, um impressionante teatro grego do século 7 a.C. (os gregos espalharam seus tentáculos em todo o litoral sul da Itália, da Sicília, passando pela Calábria, até a Puglia, tanto que a região era chamada de Magna Grécia, e eu ainda veria muito desse legado ao longo da viagem). Os romanos deram o aspecto que o teatro possui hoje, de tijolinhos, e o usaram para lutas de gladiadores; mais recentemente, Woody Allen usou-o como locação para o filme Poderosa Afrodite.

Teatro Grego, Taormina, Sicília, Itália
O Teatro Grego em Taormina. user32212/Pixabay

Pegar uma praia em Taormina é um deleite. Quem estiver hospedado na parte alta pode descer até a praia de funicular. Eu embarquei em uma van do Grand Hotel Timeo porque queria conhecer o outro hotel da rede Belmond, o Villa Sant’Andrea, que fica debruçado sobre o mar e tem uma praia privê de águas transparentes, deliciosas. Espreguiçadeira, toalhinha, drinques, água termal on demand, o ócio perfeito, mas resolvi dar um pulo na enseada vizinha, Isola Bella. Por um capricho da natureza, ela ganhou uma ilhota no meio da praia que se liga à orla por um istmo de pedras. Ah, sim, nada de areia por ali, e os pezinhos mais sensíveis podem sofrer na hora de entrar na água. Pelo sim, pelo não, nos cento e tantos degraus que descem até Isola Bella ambulantes vendem providenciais sandálias de plástico. Na hora de voltar para o vilarejo, encarei uma escadaria que serpenteia o morro. À medida que eu subia, o mar e a ilhota iam ficando mais e mais fotogênicos, e eu hipnotizado com toda aquela meraviglia.

Isola Bella, Taormina, Sicília, Itália
O istmo que leva a Isola Bella. Lyle Wilkinson/Unsplash
AÇÃO!

Os vilarejos de Savoca e Forza d’Agro tiveram seus minutos de fama na trilogia O Poderoso Chefão. No Bar Vitelli, em Savoca (20 quilômetros de Taormina), as fotos das gravações que aconteceram ali e na Igreja de São Nicolau estão expostas nas paredes. Em Forza d”Agro (12 quilômetros de Savoca), a praça e ruelas serviram de cenário nos três filmes de Coppola.

ETNA

Vulcão Etna, Sicília, Itália
O mais alto vulcão ativo da Europa pode ser visto tanto de Taormina quanto de Catânia. 6657176/Pixabay

Que o Etna, o maior vulcão em atividade na Europa, vive em ebulição constante não é uma novidade, e por isso ele é monitorado o tempo todo por sismógrafos e sensores. Eu conheci o Etna do jeito clássico. Saindo de Taormina, peguei a estrada A18 sentido Catânia e segui as indicações para Giarre, Santa Venerina e Etnea Sud. Depois da cidade de Zafferana Etnea começou um ziguezague montanha acima que parecia não ter fim, mas durou 18 quilômetros. O Etna está localizado a 3 350 metros acima do nível do mar e, à medida que se sobe, a temperatura cai, a paisagem pedregosa vai dando lugar a um cenário árido e o solo preteia de vez.

O ponto final é o Rifugio Sapienza, onde está o centro de visitantes, com muitas lojinhas, agências de passeio e dezenas de ônibus de turismo. Basta estacionar o carro e em poucos minutos é possível caminhar pelas crateras inferiores do vulcão, as Silvestri. Mas ficar só ali é o equivalente a visitar o Vaticano e se contentar em ver a Capela Sistina apenas pelo lado de fora. Você entende que aquilo tudo faz parte da área do vulcão – são mais de 1 000 quilômetros quadrados -, mas as crateras estão adormecidas. A parte quente do passeio é embarcar nos funiculares da Funivia dell’Etna, que sobem de 1 910 metros até 2 500 metros, onde estão as crateras fumegantes. O trajeto leva cerca de dez minutos e, dependendo do vento, as cápsulas balançam que nem pêndulo de relógio. Lá no alto, você pode desembolsar mais alguns euros para ir de jipe até bem perto das crateras, ou então apelar para os calcanhares, ainda que o caminho exija um certo esforço (é recomendável seguir em grupo). Como tudo sempre depende do humor do Etna, pode ser que você não veja um rio de lava escorrendo, mas apenas uma fumacinha. Existe um outro acesso ao vulcão, pelo norte, que dizem ser mais cênico e menos muvucado. É preciso seguir de carro até Piano Provenzano, uma pequena estação de esqui, e de lá embarcar em tours de jipe.

PICANTE

De Taormina, uma esticada 5 quilômetros morro acima leva a Castelmola, cidadezinha de ruazinhas labirínticas com vistas deslumbrantes do mar Jônico e um bar beeem inusitado, o Turrisi, com temática peniana. Segundo Maximo, o dono, trata-se de uma homenagem aos gregos e romanos, que viam no falo um símbolo de energia divina e fecundidade. Prove o vinho de amêndoa produzido no local.

SIRACUSA

Duomo, Siracusa, Sicília, Itália
A fachada barroca do Duomo de Siracusa. Antonio Sessa/Unsplash

“Onde fica o Duomo?”, perguntei para um sujeito com pinta de turista. “Serve este?”, apontou ele, com um meio sorriso. O sol daquele início de tarde era inclemente, a brancura do Duomo e do chão da praça refletiam a luz feito espelho, cegava, e eu não via o que estava bem na minha frente. Dei uns passos para trás até ficar debaixo da cobertura de um café. Agora, sim. A fachada barroca da catedral e as colunas gregas sustentando as laterais são notáveis, testemunho de dois legados distintos. Siracusa foi fundada pelos gregos em 733 a.C. e foi capital da Magna Grécia, época em que ali se construiu um templo em homenagem à deusa Atena. Depois vieram os etruscos e cartagineses, que sucumbiram à força de Roma em 214 d.C.

Estamos em Ortygia, uma pequena ilha que também é o bairro mais astral de Siracusa e que se percorre fácil em duas horas. A Via Capodieci tem restaurantes com mesinhas na rua, lojas fofas como a Circo Fortuna, da holandesa Caroline van Riet, que imprime seus desenhos em canecas e camisetas, e também uma galeria de arte contemporânea do pintor Andrea Chisesi. Ortygia ferve no fim de tarde e à noite junto à fonte Aretusa, onde as sorveterias e os restaurantes ficam a poucos passos do mar.

A cerca de um quilômetro dali, seguindo as placas, está o Parco Archeologico, uma área ao ar livre que abrange toda a antiga cidade grega de Neápolis. Os pontos altos são o Teatro Grego, para 15 mil pessoas, o maior da Sicília, e uma caverna conhecida como Orelha de Dionísio. Diz a lenda que o lugar ganhou esse nome por suas propriedades acústicas que permitiam ao imperador Dionísio escutar a conversa de pessoas que conspiravam contra seu governo. Um pulo no Museu Arqueológico Paolo Orsi, perto de Neápolis, é também uma pedida para conhecer a maior coleção arqueológica da Sicília.

NOTO, MODICA E RAGUSA

Noto, Sicília
Parte do triângulo do barroco, Noto se destaca pela Catedral di San Nicoló. Antonio Sessa/Divulgação

Em 1693, o sudeste da Sicília foi arrasado por um terremoto seguido de tsunamis. Mais de 40 cidades foram destruídas, e cerca de 60 mil pessoas morreram. No momento de reconstruir o que veio abaixo, a aristocracia da época decidiu imprimir às cidades um estilo arquitetônico único, algo que já vinha sendo aplicado na Itália continental, principalmente em Roma. Capitaneado pelo arquiteto Rosario Gagliardi, fez-se o barroco siciliano. O resultado desse lifting arquitetônico pode ser visto em um percurso de 60 quilômetros ao sul de Siracusa (que também foi afetada e reconstruída), onde estão três cidadezinhas que formam o triângulo do barroco.

A primeira delas é Noto, a cerca de 40 quilômetros de Siracusa, a mais compacta e bucólica das três. Tudo se concentra no Corso Vittorio Emanuele, considerado por muitos a via mais bonita da Sicília. Todas as famas são justas. A rua é fechada para carros, as fachadas têm quase o mesmo tom ocre, e o trecho mais fotogênico fica na altura da Piazza Municipio, onde estão as deslumbrantes Catedral di San Nicoló, o Palazzo Landolina e o Palazzo Ducezio, a atual prefeitura. A melhor hora de percorrer o Corso é no fim de tarde, quando o Sol baixa e as construções ganham um tom dourado-terroso. Na Via Nicolaci, perpendicular ao Corso, fica o único palazzo aberto à visitação, o Nicolaci di Villadorata. Subindo a rua, impressiona a riqueza das sacadas de ferro forjado sustentadas por figuras híbridas e querubins. Na última semana de maio, Noto celebra a Infiorata e a Via Nicolaci é coberta de pétalas de flores representando ícones religiosos.

De volta ao Corso, na esquina da rua do palazzo está o Caffè Sicilia, na ativa desde 1892. Giorgio Armani já se disse fã, assim como Ferran Adrià, que esteve lá para aprender com o chef de pâtisserie Corrado Assenza. O gelato sabor montezuma, chocolate com pedaços de laranja, é um delírio. Delírio também foi topar logo ao lado com a Anche gli Angeli, uma loja-conceito, livraria, bar e restaurante dentro de uma cripta adjacente à Igreja di San Carlo al Corso, um lugar improvável em uma cidade tão pacata como Noto. O espaço é imenso, e os tetos abobadados deixam o ambiente aconchegante.

Em Modica o impacto é outro. A cidade tem 50 mil habitantes, o dobro de Noto, e está divida em duas, Modica Alta e Modica Bassa. O Corso Umberto, a principal via, divisa a parte alta da baixa como se fosse o fundo de um vale que é circundado por colinas íngremes, onde as casas se empilham. Eu me hospedei em uma delas, de uma artista plástica espanhola, Ana, que mora em Modica há mais de 20 anos e que eu encontrei no Airbnb. A casa tem um terraço delicioso e uma vista matadora para uma das encostas. O meu quarto tinha uma entrada independente e caía direto em uma escadaria que me levava por vielinhas, degraus e muitos cocôs de gato depois até Modica Bassa. No Corso Umberto encontrei a Catedral di San Pietro, que exibe em suas escadarias 12 figuras representando os apóstolos. Mas a igreja de fato surpreendente – são mais de 30 na cidade -, e que me deixou de boca aberta, foi a di San Giorgio, que reina absoluta no alto de uma pirambeira. Lá em cima, 250 degraus depois, a vista é de matar, ainda que a panorâmica mais bonita da cidade esteja reservada para a Via Pizzo, junto à Igreja di San Giovanni.

Modica também tem tradição em chocolate. No Corso Umberto, a Antica Dolceria Bonajuto é uma discreta loja, um pouco recuada da calçada, onde as barrinhas são fabricadas desde 1880. Em cima do balcão ficam as provinhas, mas me interessei por uma embalagem transparente que continha uma espécie de empanada chamada Mpanatigghi. A atendente me explicou que ela era feita de chocolate e carne (!). Levei, tracei e alcei-a ao posto de um dos melhores doces que já comi (pouco doce e nenhum sabor de carne).

Modica, Sicília, Itália
As casas parecem se empilhar em Modica. Antonio Sessa/Unsplash

O triângulo do barroco se completa com Ragusa, que foi construída no alto de uma montanha e também é dividida em duas: a parte afetada pelo terremoto e depois reerguida, Ragusa Ibla, é contígua à Ragusa Superiore, construída do zero. A Ibla é onde estão as ruas labirínticas, os recantos mais bacanas; a Superiore é a que reserva as melhores vistas da Ibla, principalmente das igrejas di Santa Maria delle Scale e di Santa Lucia, panorama que fica muito mais bonito quando as luzes da cidade se acendem. Em Ragusa Ibla é fácil se perder, o que não é um problema. A qualquer momento é possível avistar a torre da Catedral di San Giorgio e em poucos minutos você estará na Piazza Duomo. Eu estava indo embora de Ragusa Ibla quando vi um vuco-vuco e um povo na estica em frente à Igreja del Purgatorio. Era um casamento, e ali tive a prova de que esse é um tipo de acontecimento que todo turista ama, mas que na Sicília tem um sabor diferente graças à mitologia criada por O Poderoso Chefão, filme que começa com uma boda. Eu estava longe de ser o único que ficou esperando a chegada da noiva e que tirou muitas fotos.

Ragusa, Sicília, Itália
Enquadramentos de Ragusa. Benjamin Huggett/Unsplash
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TRAJES MÍNIMOS

A 94 quilômetros de Ragusa, na comuna de Piazza Armerina, fica o Villa Romana del Casale, um parque balneário do século 1. O lugar, que lembra uma mansão, tem 40 salas ornadas com fascinantes mosaicos. Alguns mostram mulheres de biquíni, traje depois proibido pelo imperador Constantino.

AGRIGENTO

Agrigento, Sicília, Itália
Agrigento e o bem-conservado Templo della Concordia. GBL Service/Pixabay

O sítio arqueológico mais importante da Sicília fica na cidade de Agrigento, no oeste da ilha, no chamado Valle dei Templi. Apesar do nome, é em uma colina que estão fincados alguns monumentos muito bem preservados que um dia pertenceram à cidade grega de Akragas. Por elas estarem isoladas, sem interferência urbana, o impacto é maior, ainda que o feioso e onipresente skyline de Agrigento esteja ao fundo. O sítio é cortado por uma rua, a Passeggiata Archeologica, que divisa a área em dois pedaços. A parte mais interessante, onde estão a entrada principal e o estacionamento, é a que guarda o Templo della Concordia, que permanece intacto com suas majestosas colunas dóricas desde a construção, em 430 a.C., e que viraram logomarca da Unesco. O excelente estado de preservação se deve ao fato de ele não ter sido derrubado pelos cristãos, mas transformado em igreja. A mesma sorte não teve o Templo de Juno, parcialmente destruído por um terremoto. Poucos metros abaixo do Concordia há uma moderna escultura de bronze de um Ícaro abatido, de autoria do polonês Igor Mitoraj. Também está lá o que restou do Templo de Hércules. Ainda no vale há uma enorme área escavada que um dia foi um lago e foi reaberta em 1999 como jardim, chamado Kolymbetra. Para conhecê-lo é preciso descer uma pirambeira, e lá embaixo estão plantadas alamedas com centenas de árvores frutíferas, a maioria limoeiros, mas ainda é um paisagismo bastante rústico.

Agrigento também é terra natal do escritor Luigi Pirandello, ganhador do Nobel de Literatura. A casa onde ele nasceu fica na saída da cidade, e é preciso pegar a SS115 em direção a Porto Empedocle. Lá estão expostos manuscritos, fotos e muitos pôsteres de peças de teatro de sua autoria. Uma trilha no jardim leva a uma lápide em que estão as cinzas do escritor.

Seguindo no sentido oeste por mais 15 quilômetros na mesma SS115 se chega a um dos cenários mais incomuns quando se pensa em praia. A Scala dei Turchi, ou Escadaria dos Turcos, é uma imensa rocha branca que fica em uma ponta da praia e avança sobre o mar. As pessoas ficam deitadas ali curtindo o que pra mim é o mais próximo de um banho de lua. Ao chegar na ponta da pedra, como se fosse uma proa, ela continua por um bom pedaço na enseada seguinte e um paredão de degraus desce até o mar, formando a spiaggia dell’amore – que não tem esse nome, mas, por lembrar o formato de um coração, bem que poderia.

Scala dei Turchi, Sicília, Itália
Em Scala dei Turchi, a rocha branca dá em uma praia em formato de coração. DonnaSenzaFiato/Pixabay
SÓ A MELHOR

A ilha de Lampedusa é um segredo bem guardado até demais. Distante 176 quilômetros da costa da Sicília, para chegar lá são necessárias nove horas de ferry boat, que parte de Porto Empedocle, pertinho de Agrigento; ou 45 minutos de avião desde Palermo. Tanto esforço tem sua recompensa, como a areia dourada e o mar transparente da Isola dei Conigli.

TONNARA DI SCOPELLO

Tonnara di Scopello, Sicília, Itália
Rochas que parecem flutuar sobre a água em Tonnara di Scopello. Samuel Ferrara/Unsplash

A Scala dei Turchi deixou um gostinho e, na última etapa do meu giro pela Sicília, eu queria o dolce far niente, o não fazer nada, o ócio criativo de uma praia, se possível mais de uma. Peguei a estrada em direção a Castellammare del Golfo, cidade litorânea a 45 quilômetros do aeroporto de Palermo, e usei-a como base. Dez quilômetros depois eu estava em Phuket, digo, Tonnara di Scopello, com rochas imensas que parecem dólmens flutuando sobre a água de tons ora verde, ora azul. Uma cena com Brad Pitt e Catherine Zeta Jones no filme Doze Homens e Outro Segredo foi rodada lá. Pagam-se cinco euros para entrar, não existe praia, apenas uma rampa para barcos que dá na água, ainda que o jeito mais legal de dar um tchibum seja pular da pedra. O lugar é pequeno; isso quer dizer que em julho e agosto a muvuca é garantida. Ali existe um único hotel, o Tonnara di Scopello, que cobra diárias salgadas para o pouco conforto e privacidade que oferece, mas tem o cenário.

Na sequência, fui conhecer a vizinha Riserva Naturale dello Zingaro, uma área de preservação que beira o mar por 7 quilômetros, cheia de trilhas, mirantes e prainhas de pedra com água transparente, daquelas em que você mergulha e se sente num aquário, tamanha a quantidade de peixes.

De Zingaro, peguei a estrada em direção ao norte porque queria pisar na praia que vi em um pôster da locadora Hertz no aeroporto de Palermo, que dizia “San Vito lo Capo“. Dirigi por 42 quilômetros, e nem sinal daquela belezura do pôster, apenas uma praia urbana sem-graça. Dirigi mais um tanto, cruzei com um grupo de cabras e comecei um ziguezague por uma zona montanhosa. A estrada subiu tanto que uma hora parecia sobrevoar o vazio até que, fim da linha, cheguei à outra entrada do Zingaro. Fui embora convencido de que não encontraria, passei de novo por San Vito até que, numa curva, lá estava a grande beleza! A área era enorme, a montanha ao fundo era muito maior do que a foto mostrava, e, no sopé, surgia uma grande planície que terminava no mar. Faltava um crédito mais detalhado naquele pôster: Baía Santa Margherita, Castelluzzo di San Vito lo Capo. Era fim de tarde, o mar não era mais azul, era prateado, e a minha vontade era de ali fincar bases e não voltar.

San Vito Lo Capo, Sicília, Itália
Com longa faixa de areia, San Vito Lo Capo é considerada uma das melhores praias da Itália. fab./Wikimedia Commons

PALERMO

Por Bruno Favoretto

Palermo, Sicília, Itália
Assim como outras capitais italianas, Palermo também tem o seu quê caótico. Jack Krier/Unsplash

Atire o primeiro cannoli quem nunca se estressou ou conhece alguém que não ficou danado em algum instante em lugares como Roma e Milão, os quais ainda assim sempre (ou quase) queremos revisitar. Chega a haver charme nesse mau humor que compõe, juntamente com paisagens e iguarias, um minestrone que traduz a Itália. Minha cachola sempre vislumbrou cenário mais manso na Sicília, um povo mais dócil, simples. E o alter ego mafioso moldado pelo cinema só reforçou a tese de que Palermo, a capital, seria meu próximo objetivo. Nonna Helena, lá vou eu ao seu berço.

Comprovei quão mais aprazíveis são os sicilianos já no Aeroporto Falcone e Borsellino. Sorridentes e espalhafatosos, vibraram quando as malas caíram sobre a esteira, como se fosse um gol de Balotelli, astro natural da cidade. De lá sai o trem até a Stazione Centrale, onde degustei um combo do McDonald’s cujo prato principal era, pasme, pizza. Mesmo com um italiano digno do inglês do Joel Santana, foi de boa pedir informações àqueles rostos atenciosos, em geral mais morenos que os do restante do país e com nariz avantajado. Traços que vêm dos tantos povos que colonizaram essa cidade fundada pelos fenícios no século 8 a.C. – dos gregos aos árabes.

A vibe da gente palermitana é tão boa quanto separatista. É que a mídia italiana não liga muito pra Sicília, região mais pobre. Até o mapa denuncia: trata-se da ilha ao sul em que a Bota parece estar dando um bico. Assim, muitos não sonegam a amargura em relação a Giuseppe Garibaldi, que unificou a Itália, e se referem à região como mio paese. Caso do Enzo, dono do Hotel Concordia, cara durão, voz de barítono, mas que no fim até quadro me deu.

Embora banhada pelo Mediterrâneo, que fica ainda mais formoso em praias como a de Mondello, a atmosfera não é aquela que a gente associa aos municípios praianos, nos quais a trilha sonora recorrente é o arrastar dos chinelos. Oras, é o país da moda, é a região onde nasceu Domenico Dolce (do Gabbana), e dá-se valor a isso.

O que Palermo tem de mais fascinante é a profusão arquitetônica vinda da ocupação de tantas etnias, que germinaram primores como a La Martorana, igreja de 1143 em estilo árabe-normando com afrescos que refrescam a alma. Fica na Piazza Bellini, bela como a Piazza Pretoria, habitada por esculturas nuas. Magnífica como o neoclássico Teatro Massimo, palco dos derradeiros e lúgubres momentos da trilogia O Poderoso Chefão,.

Máfia, aliás, é uma mazela ainda presente, embora a coisa ande bem menos violenta do que era até os anos 1990, quando juízes e políticos eram massacrados com frequência. É triste ver o lixo se acumulando em alguns pontos, e foi intrigante, na porta de um bar, flagrar uma provável coleta – enquanto dois caras de jaqueta de náilon ficaram na porta, um entrou e aparentemente saiu com grana.

Mas Palermo é carpe diem na veia, é bucólica e cheia de sabores obtidos nas muitas confeitarias (com pães, queijos e doces baratinhos) e em restaurantes. Daí o time com o nome da cidade ser rosanero: o rosa representa a gastronomia, o mar, a dolce vita; o preto? A dor que a Máfia causa. Laçado por esse espírito, eu não poderia não comprar um cachecol que o resumia: sono bello, sono sano, mia mamma mi ha fatto palermitano; no meu caso, não sou tão feio, sou são, minha vó me deu ascendência palermitana.

COMPRAS

Em Taormina, pratos e vasos coloridíssimos da Managò Ceramiche Siciliano são lindos suvenires. Vale levar os licores da marca Averna: o Limoni di Sicilia lembra o limoncello, enquanto o Mandarini di Sicilia é à base de tangerina. A AromaSicilia produz pesto feito de pistachio di Bronte, outro produto da terra. Doces e biscoitos podem ser comprados na tradicional Pasticceria La Palazzolo, no aeroporto de Palermo. Aproveite para comer a tradicional cassata, feita com ricota, frutas cristalizadas e avelãs.

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Fonte: Viagem e Turismo