Síria: perfil de uma nação marcada pelo autoritarismo e pela guerra

Mesquita de Umayyad

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A cidade velha de Damasco reúne símbolos da rica história da Síria, como a mesquita de Umayyad, do século 8

Antigo centro do Califado Islâmico, a Síria cobre uma área que já foi alvo de invasões e ocupações em praticamente todas as eras, dos romanos a mongóis, cruzados e turcos.

País com planícies férteis, montanhas altas e desertos, a Síria abriga diversos grupos religiosos e étnicos, incluindo curdos, armênios, assírios, cristãos, drusos, xiitas alauítas e árabes sunitas – estes últimos formam a maioria da população muçulmana.

A Síria moderna obteve sua independência da França em 1946, mas passou desde então por períodos de instabilidade política, causados por conflitos de interesses de seus muitos grupos sociais. Em 2011, o poder político, há tempos mantido nas mãos de uma pequena elite alauíta, passou a ser disputado em uma sangrenta guerra civil, iniciada no contexto da chamada Primavera Árabe.

Os protestos iniciais, reprimidos duramente pelo regime sírio, transformaram-se em uma complexa guerra envolvendo potências regionais e globais, movimentos pró-democracia e organizações jihadistas – incluindo o radical e violento grupo Estado Islâmico. Além de causar a morte de cerca de 400 mil pessoas, o conflito provocou um grande êxodo populacional, reduzindo a população síria de 21 milhões, em 2010, para 17 milhões em 2019.

Antes da guerra, a Síria era um destino turístico importante do Oriente Médio, com seus mercados árabes e ruínas da Antiguidade atraindo visitantes de várias partes do mundo. A antiga cidade de Palmira, no sul do país, foi declarada patrimônio da humanidade pela Unesco. Durante a guerra civil, ela foi temporariamente ocupada pelo grupo islamista Estado Islâmico, que destruiu parte dos tesouros da Antiguidade da cidade.

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Damasco não foi muito afetada pela guerra, e seu antigo mercado, ou “souk”, continuou movimentado

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República Árabe da Síria

Capital: Damasco

  • População17 milhões

  • Área185.180 quilômetros quadrados

  • Principal línguaÁrabe

  • Principais religiõesIslã, cristianismo

  • Expectativa de vida66 anos (homem), 78 anos (mulher)

  • MoedaLibra síria

Fonte: ONU, Banco Mundial

Presidente: Bashar al-Assad

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O presidente sírio, Bashar al-Assad, governa com mão-de-ferro desde 2000, quando substituiu seu pai no cargo

No poder desde que sucedeu seu pai, Hafez al-Assad, em 2000, Bashar al-Assad luta pelo controle de seu país. Assad herdou do ditador Hafez al-Assad uma estrutura política extremamente repressiva e firmemente controlada. O círculo interno do poder na ditadura Assad é dominado pela comunidade minoritária alauíta xiita, à qual pertence a família do presidente.

Em 2011, ele ordenou a violenta repressão aos protestos de rua contra seu regime, contexto que levou ao início da guerra civil síria. A repressão provocou grande pressão internacional para que Assad deixasse o poder, e o caos que tomou a Síria durante a guerra civil ameaçou a sobrevivência de seu regime.

Assad, no entanto, conseguiu consolidar novamente sua posição no conflito com a ajuda militar dos aliados Rússia e Irã, além do grupo libanês xiita Hezbollah. Após dez anos desde os protestos contra seu regime, Assad manteve-se no poder, mas partes do território sírio continuavam sob controle de outras forças – como grupos curdos, combatentes jihadistas e tropas da Turquia.

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O trabalho da imprensa na Síria tornou-se extremamente perigoso durante a guerra civil no país

A Síria possui um mercado de mídia complexo e que vem mudando rapidamente, como efeito do conflito interno iniciado em 2011. O cenário é dividido entre veículos a favor do regime sírio e aqueles comandados por grupos armados independentes e a oposição.

Segundo a entidade Repórteres Sem Fronteiras, pelo menos 300 jornalistas – profissionais ou amadores – foram mortos desde o início da guerra. O número, porém, pode ser bem maior – a RSF afirma que o total pode na verdade ter chegado a 700. As mídias sociais são regularmente usadas tanto pelo governo como pela oposição e por grupos armados.

RELAÇÕES COM O BRASIL

As viagens internacionais do imperador Dom Pedro II, no século 19, também incluíram a Síria. Em 1876, o monarca brasileiro esteve no país, que na época era um território do Império Otomano. As relações diplomáticas vieram com o processo de independência sírio, em 1945, e em 1951, o Brasil abriu sua representação em Damasco.

No século 21, como parte da política externa do governo Lula, em que a aproximação com nações emergentes foi incentivada, o Brasil intensificou os contatos com a Síria. O processo incluiu, já em 2003, a viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Damasco – onde o chefe de Estado brasileiro defendeu a devolução à Síria das Colinas de Golã, tomadas por Israel na guerra de 1967.

Outras viagens de altos representantes ocorreram nos anos seguintes, até que em 2010, Bashar al-Assad fez uma visita oficial ao Brasil, a primeira de um líder sírio ao país. Devido à guerra civil no país árabe, em 2012 o Brasil esvaziou sua representação diplomática em Damasco, reaberta em 2018.

O conflito teve um impacto negativo no comércio bilateral entre os dois países. Segundo o Ministério das Relações Exteriores brasileiro, em 2010, o fluxo comercial foi de US$ 594,8 milhões, tendo quase que triplicado desde 2006. Em 2019, porém, após oito anos de conflito na Síria, o comércio bilateral foi de apenas US$ 65,4 milhões. Desde a eclosão da guerra civil, o governo brasileiro defendeu uma solução pacífica para a crise no país.

LINHA DO TEMPO

Importantes datas na história da Síria:

Antiguidade – Região é tomada por importantes civilizações e impérios, como os assírios, babilônios e os romanos.

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A cidade de Palmira, cujas ruínas foram danificadas na guerra civil, é um legado da era romana na Síria

Século 7 – Logo depois da morte do profeta Maomé, seus sucessores muçulmanos tomam a região conhecida como Levante (atuais Líbano e Síria).

1918 – Em outubro, tropas árabes lideradas pelo emir Feisal – e apoiadas por forças britânicas – capturam a cidade de Damasco, encerrando 400 anos de dominação otomana.

1920 – A conferência de San Remo divide o recém-criado reino árabe ao colocar a Síria e o Líbano sob controle da França e a Palestina sob controle britânico.

1920-21 – A Síria é dividida pela França em três regiões autônomas, com uma área separada para os alauítas na costa e outra para os drusos no sul. O Líbano é separado inteiramente do restante.

1925-26 – Agitação nacionalista contra o domínio francês se transforma em revolta. Forças francesas bombardeiam Damasco.

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A Síria fez parte do Império Otomano, que em 1917 era rerpresentado pelo governador Jamal Pasha

1936 – A França concorda em trabalhar em favor da independência da Síria e dissolve as regiões autônomas. A potência europeia, no entanto, continua com seu domínio militar e econômico e mantém o Líbano como um Estado separado.

1941 – Tropas britânicas e francesas ocupam a Síria. O general De Gaulle promete encerrar o mandato francês na região.

1943 – O veterano nacionalista Shukri al-Kuwatli é eleito o primeiro presidente da Síria e lidera o país na direção da completa independência três anos depois.

1946 – Independência da Síria.

1947 – Michal Aflaq e Salah-al-Din al-Bitar fundam o Partido Árabe Socialista Baath.

1958-61 – Curta união entre Síria e Egito, como República Árabe Unida.

1963 – Em março, oficiais do Exército Baathista tomam o poder.

1966 – Em fevereiro, Salah Jadid comanda um golpe interno contra a liderança civil Baathista. Hafez al-Assad torna-se ministro da Defesa.

1967 – Na Guerra dos Seis Dias, contra Egito, Jordânia e Síria, Israel toma as Colinas de Golã da Síria e destrói grande parte da força aérea síria.

1970 – Hafez al-Assad derruba o presidente Nur al-Din al-Atasi e prende Salah Jadid.

1973 – Egito e Síria lançam um ataque surpresa contra Israel em outubro na tentativa de reverter perdas sofridas em 1967.

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Hafez al-Assad (de braço erguido) tomou o poder em 1970 e governou até morrer, passando o cargo a seu filho

1976 – A Síria intervém na guerra civil libanesa. A partir de então, mantém uma presença militar no vizinho pelas três décadas seguintes e exerce influência significativa na política do Líbano.

1981 – Israel formalmente anexa as Colinas de Golã.

1982 – Uma revolta do movimento Irmandade Muçulmana na cidade de Hama é violentamente reprimida num cerco de um mês pelo Exército sírio, que mata dezenas de milhares de civis.

1990 – Iraque invade o Kuwait. Síria se junta à coalizão liderada pelos EUA contra o Iraque, o que leva a uma melhoria nas relações de Damasco com Egito e EUA.

2000 – O presidente Assad morre e é sucedido por seu filho Bashar. Em novembro, o novo presidente ordena a libertação de 600 prisioneiros políticos.

2001 – Em junho, tropas sírias deixam Beirute, sendo remanejadas para outras áreas do Líbano, após pressão de críticos a respeito da presença síria no país.

2005 – As forças sírias retiram-se do Líbano após pressão internacional causada pelo assassinato do premiê libanês, Rafiq al-Hariri, num atentado a bomba em Beirute.

2011 – Protestos inspirados nas revoltas da região, conhecidas como Primavera Árabe. A repressão do regime e os confrontos com oposicionistas torna-se uma guerra civil. O conflito atrai o envolvimento de outros países e provoca uma grande crise de refugiados.

2012 – EUA, Reino Unido, França, Turquia e Estados do Golfo Pérsico formalmente reconhecem a Coalizão Nacional, de oposição, como “representantes legítimos” do povo sírio.

2013 – Em agosto, áreas dominadas pela oposição em Ghouta, subúrbio de Damasco, são atacadas com armamentos contendo o gás sarin. Centenas de pessoas são mortas. A oposição e as potências ocidentais acusam o regime sírio de cometer o ataque, mas Damasco afirma que o bombardeio foi realizado por oposicionistas.

2014 – Em junho, o grupo Estado Islâmico do Iraque e da Síria declara a criação de um “califado” no território que vai da cidade de Aleppo até a província oriental de Diyala.

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A guerra civil destruiu boa parte da infraestrutura da Síria, incluindo prédios e ruas da cidade de Aleppo

2015 – Em janeiro, forças curdas expulsam o autodenominado Estado Islâmico (EI) da cidade de Kobane, na fronteira com a Turquia, depois de quatro meses de combates.

2015 – Em maio, combatentes do EI tomam a cidade antiga de Palmira, patrimônio da humanidade, no centro da Síria, e passam a destruir monumentos de períodos anteriores à chegada do islã à região.

2015 – Setembro – A Rússia realiza seus primeiros ataques aéreos na Síria, dizendo que seu alvo é o chamado Estado Islâmico, mas o Ocidente e a oposição síria dizem que os bombardeios visam principalmente os rebeldes que combatem o regime de Assad.

2015 – Dezembro – O Exército sírio permite que os rebeldes deixem a cidade de Homs, devolvendo assim a terceira maior cidade do país ao controle do governo, após quatro anos.

2016 – Em dezembro, tropas do governo, com apoio dos ataques aéreos russos e de milícias patrocinadas pelo Irã, retomam a cidade de Aleppo, a maior do país. Com isso, os rebeldes perdem sua maior base urbana na guerra.

2017 – Em março, forças sírias retomam definitivamente a cidade antiga de Palmira das mãos do chamado Estado Islâmico. Em outubro e novembro, o EI é expulso da cidade de Raqqa, que funcionava como sua capital no país, e de Deir al-Zour.

2018 – Em julho, o Exército sírio recaptura quase todo o sul do país, até as fronteiras com a Jordânia e com o território dominado por Israel.

2019 – Os EUA retiram suas tropas do norte da Síria, o que leva a Turquia a atacar, na mesma área, curdos que eram aliados dos americanos. O líder do EI, Abu Bakr al-Baghadadi, morre num ataque americano em seu esconderijo na província de Idlib.

2023 – No começo de fevereiro, a região noroeste da Síria, ao redor da cidade de Aleppo e próxima da fronteira com a Turquia é atingida por forte terremoto que causa centenas de mortes.

Fonte: BBC

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