Terra corre perigo com buraco negro ‘monstruoso’ no centro da Via Láctea?

Sagittarius A*

Crédito, EHT collaboration

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Foto do Sagittarius A*, buraco negro no centro da Via Láctea, captada por um esforço colaborativo de centenas de cientistas

Um trabalho gigantesco, que envolveu centenas de cientistas, 5 anos de investigações e telescópios espalhados por oito lugares diferentes do planeta foi capaz de captar as primeiras imagens do Sagittarius A*, um buraco negro localizado no centro da Via Láctea, a galáxia em que se encontra o nosso Sistema Solar.

A descoberta, divulgada em 12 de maio, levantou uma dúvida pertinente na cabeça de muitas pessoas: será que esse buraco negro, uma estrutura que “suga” tudo o que está próximo dele, pode representar algum tipo de perigo para o planeta Terra?

A resposta é não, mas com uma ressalva. Os cientistas que fizeram parte do esforço internacional explicaram que o Sagittarius A* está suficientemente longe de nós (26 mil anos-luz, para ser mais exato) para representar ameaça futura.

Por outro lado, não está descartada a hipótese de nossa galáxia se fundir ou “colidir” com outra em alguns bilhões de anos, o que poderia aproximar perigosamente a Terra de um buraco negro. Vale destacar que esse é um cenário bastante improvável — e sobre o qual teríamos muitos avisos e alertas antes que algo ruim dessa magnitude virasse realidade.

Ao longo desta reportagem, você vai entender a importância dos achados recentes sobre o Sagittarius A* e porque o risco de o planeta Terra ser “sugado” por um buraco negro é uma possibilidade remota, de acordo com o que os cientistas sabem até o momento.

No coração da Via Láctea

O Sagittarius A*, também conhecido pela sigla SgrA*, é um gigantesco buraco negro que vive no centro da nossa galáxia, a Via Láctea.

O objeto tem impressionantes quatro milhões de vezes a massa do Sol e foi retratado pela primeira vez graças a um esforço colaborativo de centenas de cientistas, reunidos no projeto Event Horizon Telescope (EHT).

Na imagem divulgada pelo grupo, é possível ver uma região escura central onde reside o buraco negro, circundada por um anel de luz proveniente do gás superaquecido acelerado por imensas forças gravitacionais.

Para ter uma ideia, esse anel é aproximadamente do tamanho da órbita de Mercúrio em torno de nossa estrela, o Sol. Isso representa cerca de 60 milhões de quilômetros de diâmetro.

Felizmente, este “monstro” está muito, muito longe — cerca de 26 mil anos-luz de distância.

Essa é a segunda imagem do tipo a ser divulgada pelo EHT. Em 2019, o grupo compartilhou uma imagem de um buraco negro gigante que está no coração de outra galáxia, chamada de Messier 87, ou M87. Essa estrutura é mais de mil vezes maior que a SgrA*, com 6,5 bilhões de vezes a massa do Sol.

“Mas a nova imagem da SgrA* é especial porque trata-se do nosso buraco negro supermassivo”, avalia o professor Heino Falcke, um dos pioneiros por trás do projeto EHT, à BBC News.

“Esse buraco negro está no ‘nosso quintal’, e se você quiser entender como essas estruturas funcionam, o SgrA* é que vai te dizer, porque conseguimos visualizá-lo em detalhes”, complementa o cientista alemão-holandês, que trabalha na Universidade Radboud, na Holanda.

O que é um buraco negro?

  • Um buraco negro é uma região do espaço onde a matéria entrou em colapso sobre si mesma
  • A atração gravitacional ali é tão forte que nada, nem mesmo a luz, pode escapar
  • Buracos negros costumam surgir a partir da morte explosiva de grandes estrelas
  • Alguns são realmente enormes e possuem bilhões de vezes a massa do Sol
  • A ciência ainda não sabe como essas estruturas monstruosas — encontradas geralmente nos centros das galáxias — se formaram ou o que acontece dentro

A massa de um buraco negro (parte mais escura da imagem) determina o tamanho de seu disco de acreção (aro laranja ao redor), ou o anel de emissão. O buraco está na depressão de brilho central. Sua “superfície” é chamada de horizonte de eventos, a fronteira dentro da qual até mesmo um raio de luz é dobrado sobre si mesmo pela curvatura no espaço-tempo. As regiões mais brilhantes no disco de acreção são onde a luz ganha energia à medida que se move em nossa direção, e acredita-se que é impulsionada pelo doppler, um efeito físico de ondas refletidas ou emitidas por um objeto, que estão em movimento em relação a quem está observando.

Como a foto foi tirada?

A uma distância de 26 mil anos-luz da Terra, o Sgr A* é um alfinete no grande palheiro do céu. Para discernir um alvo a essa distância, é preciso uma capacidade de resolução incrível dos equipamentos.

O “truque” do EHT é utilizar uma técnica chamada interferometria de matriz de linha de base muito longa (VLBI).

Em resumo, ela combina uma rede de oito antenas de rádio espalhadas por várias partes do mundo para “imitar” como seria um telescópio do tamanho do nosso planeta.

Esse arranjo permite que o EHT corte um ângulo no céu que é medido por um parâmetro conhecido como microarcsegundos. Os membros da equipe EHT explicam que isso permite obter uma nitidez de visão semelhante a ser capaz de ver “um donut na superfície da Lua”.

Além disso, os cientistas também recorreram a relógios atômicos, algoritmos inteligentes e incontáveis ​​horas de supercomputação para construir uma imagem de vários petabytes (1 petabyte equivale a um milhão de gigabytes) a partir dos dados coletados.

A forma como um buraco negro “dobra” a luz significa que não há nada para ver além de uma “sombra”, mas o brilho da matéria orbitando em torno dessa escuridão revela onde o objeto está localizado.

Será que é possível comparar a imagem atual, da SgrA*, com a anterior, localizada na galáxia M87? Os especialistas apontam algumas diferenças fundamentais.

“Como o Sagittarius A* é um buraco negro muito menor — é cerca de mil vezes menor que o da M87 —, sua estrutura de anel muda em escalas de tempo mil vezes mais rápidas”, explica o astrônomo Ziri Younsi, da University College London, no Reino Unido, que faz parte do EHT.

“Esse processo é muito dinâmico. Os pontos que você vê no anel se movem dia após dia.”

Essas rápidas mudanças nas proximidades do Sgr A* são parte da razão pela qual levou muito mais tempo para produzir uma imagem dele do que do buraco negro na galáxia M87, apesar de ela estar bem mais distante de nós. A interpretação dos dados tem sido um desafio mais difícil.

As observações do telescópio para os dois buracos negros foram adquiridas durante o mesmo período no início de 2017, mas o M87, que é maior e está a 55 milhões de anos-luz, parece estático em comparação o buraco negro do centro da Via Láctea.

O buraco negro representa algum perigo para a Terra?

Numa entrevista à BBC News transmitida na televisão britânica em 12 de maio, a astrofísica Gibwa Musoke, da Universidade de Amsterdã, respondeu à pergunta sobre o SgrA* ser uma ameaça (ou não) ao nosso planeta.

“Não, o buraco negro não representa nenhum perigo para nós. Ele está realmente muito longe da Terra”, esclareceu a especialista.

Mas se os buracos negros são como aspiradores gigantes e há milhões deles na galáxia onde está a Terra, poderia nosso planeta ser sugado por esse tipo de corpo celeste que ainda guarda muitos mistérios?

“A resposta curta é sim, poderia acontecer. Mas é muito improvável, e teríamos alguns avisos antes que algo realmente ruim virasse realidade”, escreveu o astrônomo Christopher Springob no site da Cornell University (EUA), sobre a possibilidade de um buraco se aproximar e engolir nosso planeta.

Apesar dos milhares de anos-luz que separam a Terra do buraco negro mais próximo, o cientista avalia que não pode ser 100% descartado que um buraco negro supermassivo se aproxime de nós se a nossa galáxia se fundir ou “colidir” com outra.

Ainda que considerada uma hipótese pouco provável, “a Terra poderia ser lançada no centro da galáxia, perto o suficiente do buraco negro supermassivo”, disse o astrofísico da Universidade de Yale, Fabio Pacucci, em uma palestra no TED.

Isso porque, de acordo com o especialista, “haverá uma colisão entre a Via Láctea e a galáxia de Andrômeda dentro de 4 bilhões de anos, o que pode não ser uma boa notícia para o nosso planeta”.

Crédito, Getty Images

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Há centenas de anos pesquisadores tentam explicar o que são e como os buracos negros funcionam

E, se isso de fato acontecer, o que poderia acontecer com os terráqueos?

O mais provável é que todos os habitantes do planeta morram de forma violenta. Ou fritos, com o calor da colisão, ou transformados em “espaguete” (ou talvez, as duas opções de uma só vez).

“Se você estiver muito perto de um buraco negro, vai se esticar, assim como acontece com o espaguete”, escreveu Kevin Pimbblet, professor de física na Universidade de Hull, no Reino Unido, na publicação The Conversation.

“Esse efeito é causado por um gradiente de gravitação que passa pelo seu corpo”, explica o professor, dizendo ainda que as diferentes partes do nosso corpo experimentariam diferentes graus dessa força.

“O resultado não é apenas um alongamento do corpo em geral, mas também uma compressão no meio. Portanto, seu corpo ou qualquer outro objeto, como a Terra, começaria a parecer espaguete muito antes de chegar ao centro do buraco negro”, observa Pimbblet.

Isso faria com que as partes mais próximas da Terra se estendessem enquanto as outras partes fossem comprimidas pela gravitação diferente. O resultado seria catastrófico.

O que há dentro dos buracos negros?

Dentro dos buracos negros há tudo o que entrou nele. O problema é que não se sabe em que estado as coisas estão lá dentro.

Mas se fosse possível chegar e entrar em um desses buracos, o que veríamos? Existem diferentes teorias. “Uma das possibilidades é ‘a muralha de fogo’ que, como o nome sugere, é um bando de partículas em chamas que iriam fritá-lo como uma batata”, responde o astrônomo Andrew Pontzen, que estuda a origem e a evolução do universo.

Sobre a forma, sabemos que buracos negros são corpos esféricos. E se estiver girando — o que é bem provável, já que todos objetos no universo giram em algum grau — o buraco seria mais largo no centro, em vez de ser um círculo perfeito.

A força da gravidade atrai gás e poeira que se acumulam em uma espiral. À medida que o material é consumido, o atrito o aquece a bilhões de graus, produzindo grandes quantidades de radiação e vazando energia e partículas carregadas.

Enquanto muitos dos mistérios sobre os buracos negros continuam a existir, trabalhos como o da equipe que compõe o EHT, que conseguiu captar as primeiras imagens sobre essas estruturas massivas no coração das galáxias, nos deixam mais próximos de possíveis respostas.

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Fonte: BBC

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