Terremoto na Turquia: a indignação pela resposta do governo à tragédia

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Menina em meio a escombros produzidos pelo terremoto na Turquia

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Governo turco reconhece que houve problemas com a resposta inicial à tragédia, mas afirma que as operações de resgate já foram normalizadas

Em meio à tragédia, cresce na Turquia o descontentamento pela resposta do governo às consequências de uma série de terremotos devastadores que atingiram o país e a vizinha Síria na segunda-feira (06/02).

Tanto políticos da oposição quanto a população afetada pelos tremores culpam o governo turco pelo que consideram uma resposta vacilante e um despreparo para o desastre.

Enquanto isso, o número de mortos pelos terremotos ultrapassa 11.200 nos dois países, de acordo com o relatório mais recente divulgado nesta quarta-feira (08/02).

Na Turquia, o número de mortes é de cerca de 8.500, com a perspectiva de que as fatalidades continuem aumentando.

Registros precisos da Síria são difíceis de encontrar, mas as mortes confirmadas até agora somam 2.662.

O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, reconheceu que houve problemas com a resposta inicial, mas afirma que agora as operações de resgate são realizadas normalmente.

“Inicialmente houve problemas nos aeroportos e nas estradas, mas hoje as coisas estão ficando mais fáceis e amanhã serão ainda mais fáceis”, disse Erdogan, que se deslocou nesta quarta-feira ao sul do país para visitar a zona do desastre.

“Mobilizamos todos os nossos recursos”, acrescentou. “O Estado está fazendo o seu trabalho.”

“É impossível se preparar para um desastre dessa magnitude”, enfatizou Erdogan em resposta às críticas.

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O presidente Erdogan viajou nesta quarta-feira para a cidade de Kahramanmaras, a 40 km do epicentro do desastre

As estradas danificadas tornaram mais difícil o transporte de assistência para as áreas rurais e os sobreviventes tiveram que suportar as temperaturas geladas do inverno turco sem abrigo.

“Sobrevivemos ao terremoto, mas aqui morreremos de fome ou frio”, disse um homem de 64 anos em Antakya, província de Hatay.

O Crescente Vermelho Turco, maior organização humanitária da Turquia, disse que está fazendo tudo o que pode, levando comida, barracas e cobertores às áreas atingidas.

Em algumas das regiões mais afetadas, as famílias reclamam que não receberam ajuda para remover os escombros em busca de seus parentes, em meio ao ritmo lento dos esforços de resgate.

‘Tarde demais’

Na terça-feira, no porto de Iskenderum, no sul da Turquia, a moradora Arzu Dedeoglu disse que suas duas sobrinhas ficaram presas sob as ruínas.

Sua família contratou uma escavadeira com recursos próprios para retirar os escombros, mas ela acusa as autoridades de não permitirem o uso do equipamento.

“Esperamos até tarde da noite, mas ninguém apareceu”, disse Dedeoglu. “Trouxemos uma escavadeira com nossos próprios meios, mas eles não nos deixaram usá-la, eles nos impediram. Temos duas meninas sob os escombros: as filhas de minha irmã, Ayşegül e İlayda.”

“Já as perdemos, nós as perdemos.”

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Iskenderun é uma das cidades mais afetadas pela série de terremotos

Quando os serviços de emergência finalmente chegaram, Dedeoglu gritou com eles que era “tarde demais”. Os socorristas pararam por um momento, mas a família das meninas implorou para que não parassem.

“Por favor, não vão embora, talvez minhas filhas ainda estejam vivas”, implorou a mãe.

Falta de preparo?

Enquanto muitos questionam o governo pela resposta lenta ao terremoto, outros argumentam que o país não estava suficientemente preparado para responder à tragédia.

“Se há uma pessoa responsável por isso, é Erdogan”, diz Kemal Kilicdaroglu, líder do principal partido da oposição.

Erdogan anunciou um estado de emergência de três meses nas dez províncias mais afetadas pelo terremoto. Ele terminará pouco antes do dia 14 de maio, quando o presidente buscará se manter no poder após 20 anos no comando do país.

Sua principal oposição é uma aliança de partidos de centro-esquerda e direita, conhecida como Mesa dos Seis. Espera-se que Kilicdaroglu seja o candidato presidencial pela oposição.

Kilicdaroglu também disse que o governo de Erdogan “não se preparou para um terremoto em 20 anos”.

A BBC verificou exemplos de prédios construídos recentemente, em princípio seguindo regras estritas para prevenção a terremotos, que desabaram na Turquia após o desastre de segunda-feira.

Um edifício em Malatya foi concluído no ano passado e era anunciado, segundo imagens de captura de tela compartilhadas nos últimos dias nas redes sociais, como “concluído de acordo com os últimos regulamentos para terremotos”. O anúncio afirmava que todos os materiais e a mão de obra utilizados eram de “qualidade de primeira classe”.

Outro bloco de apartamentos inaugurado em 2019 na cidade portuária de Iskenderun ficou em grande parte destruído. A BBC verificou que a imagem do prédio destruído corresponde ao local retratado em uma foto publicitária da construtora responsável pela obra.

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Antes e depois: prédio recentemente inaugurado ficou quase totalmente destruído em Iskanderun

Já um prédio inaugurado em 2019 em Antakya pode ser visto muito destruído em uma imagem verificada pela BBC. Encontramos um vídeo da cerimônia de inauguração em que o dono de uma construtora diz: “O projeto Guclu Bahce City é particularmente especial em comparação a outros por conta de sua localização e da qualidade da construção”.

Embora os terremotos tenham sido fortes, o geógrafo David Alexander afirma que edifícios construídos adequadamente deveriam ter conseguido ficar de pé.

“A intensidade máxima desse terremoto foi violenta, mas não necessariamente o suficiente para derrubar prédios bem construídos”, diz Alexander, professor de planejamento e gerenciamento de emergências da University College London.

“Na maioria dos lugares, o nível de tremor foi menor do que o máximo, então podemos concluir que, dos milhares de prédios que desabaram, quase todos eles não atendiam a nenhum código de construção de terremotos razoavelmente esperado.”

As regras para construção têm sido alteradas desastre após desastre, mais recentemente em 2018. Essas leis, no entanto, têm sido mal aplicadas.

“Em parte, o problema é que há muito pouca adaptação de edifícios existentes, mas também há muito pouca aplicação dos padrões de construção em novas obras”, diz Alexander.

O governo também concedeu sucessivas “anistias de construção” — isenções legalizadas do pagamento de uma taxa para estruturas construídas sem os certificados de segurança exigidos.

Até 75.000 edifícios na área afetada pelo terremoto no sul da Turquia tiveram anistias de construção, de acordo com Pelin Pınar Giritlioğlu, representante de um comitê de engenheiros, arquitetos e urbanistas.

Apenas alguns dias antes do mais recente desastre, a mídia turca informou que um projeto de lei poderia dar uma nova anistia para obras inauguradas recentemente.

No início do ano, o geólogo Celal Sengor afirmou que aprovar tais anistias em um país localizado sobre falhas geológicas era o equivalente a um “crime”.

Depois que um terremoto mortal atingiu Izmir em 2020, uma reportagem da BBC turca descobriu que 672.000 edifícios na província haviam se beneficiado de uma anista.

A mesma reportagem citou uma estimativa do Ministério do Meio Ambiente de que, em 2018, mais de 50% das construções no país — o equivalente a 13 milhões de prédios — foram erguidas violando regulamentos.

‘Para onde foram nossos impostos?’

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Erdogan é repetidamente criticado pela falta de preparação para desastres de seu governo

A raiva também está crescendo em relação a um “imposto para resposta a terremotos” cobrado pelo governo turco após o devastador sismo de 1999 que matou mais de 17 mil pessoas.

Estima-se que cerca de US$ 4,6 bilhões (R$ 23,9 bilhões) tenham sido arrecadados para a prevenção de desastres e o desenvolvimento de serviços de emergência.

Cada vez que há um terremoto na Turquia, surgem dúvidas sobre o tributo, mas o governo nunca explicou publicamente como o dinheiro é gasto.

“Para onde foram todos os nossos impostos, arrecadados desde 1999?”, questionou Celel Deniz, citado pela agência AFP na cidade de Gaziantep. Seu irmão e sobrinhos permanecem presos sob os escombros.

Usuários de mídia social também criticaram alguns canais de televisão pró-governo por “silenciar” as reivindicações das pessoas nas áreas afetadas.

Vários vídeos foram compartilhados online nos quais repórteres parecem fazer ouvidos moucos às reclamações de “Onde está o Estado?” e “A assistência é inadequada”, cortando para o estúdio.

O presidente Erdogan viajou para a cidade de Kahramanmaras, também conhecida como Maras, a cerca de 40 quilômetros do epicentro do terremoto.

Ali, ele se reuniu com sobreviventes e disse que as dificuldades iniciais se deviam aos danos nas estradas e aeroportos.

Ele recomendou que as pessoas ouvissem apenas as comunicações das autoridades e ignorassem os “incitadores”.

Fonte: BBC