O Drama do brasileiro que, depois de 31 anos nos EUA, foi deportado

Adotado aos 4 anos, Paul Schreiner foi expulso do país que lhe acolheu com a ajuda controversa do Itamaraty.

Na vizinhança bucólica de Matapaca, em Niterói, Rio de Janeiro, Paul Fernando Schreiner, de 35 anos, passa os dias nas redes sociais, num quarto improvisado em que mora de favor. Em dezembro passado, viu o casamento de uma das filhas por uma transmissão on-line. Fã de futebol americano, conversa com amigos e parentes dos estados de Nebraska e Arizona — onde viveu nos Estados Unidos — na única língua que conhece: o inglês.

“O português não entra em minha cabeça”, disse. “Os sons são bruscos, não consigo entender como funciona.” Hospedado na casa de um pastor congregacional aposentado, ele aguarda por algum tipo de definição para sua vida, que se encontra num limbo de nacionalidades. Hoje, tenta ser a terceira pessoa a ser reconhecida como apátrida no Brasil, um processo que pode levar três anos.

De acordo com uma reportagem relatada pela revista Epoca, na manhã de 22 de outubro de 2017, Paul Schreiner dirigia para mais um dia de trabalho no Arizona, como limpador de piscinas. Ele contou que foi detido numa blitz — uma “Trump raid”, destinada a capturar candidatos à deportação — e levado com outros 80 imigrantes para uma custódia do Departamento de Imigração e Alfândega (ICE, na sigla em inglês).

“Pediram meus documentos, eu entreguei: carteira de motorista, documento de seguridade social. Perguntei pelo que eu estava sendo acusado, me disseram que estava sendo deportado porque era brasileiro e ilegal”, contou. A deportação, no entanto, só aconteceria no ano seguinte, já durante a Copa do Mundo da Rússia, numa atuação no mínimo controversa do Itamaraty. “Isso é racismo, isso é monstruoso.”

A tragédia da qual Paul faz parte, a cidadania precária de crianças adotadas no exterior, é conhecida nos EUA. De acordo com a ONG Adoptee Rights Campaign, há entre 25 mil e 49 mil adultos em situação semelhante no país de Donald Trump. São pessoas que portam todos os documentos habituais da cidadania, mas podem ser expulsas até por uma infração de trânsito.

Na administração Trump, em que a meta é bater o recorde de deportações, esses adotados sem cidadania plena, às vezes por simples desconhecimento dos pais sobre o processo, se tornaram alvo. O resultado, para muitos, é voltar a lugares que já não lhes pertencem, onde até mesmo o alfabeto pode ser hostil — caso de muitos sul-coreanos adotados. O problema foi parcialmente enfrentado por uma lei sancionada pelo presidente Bill Clinton em março de 2001, que dava cidadania plena a qualquer menor adotado no exterior por americanos. No entanto, a retroação da lei jamais aconteceu no Congresso.

A vida americana de Paul Schreiner começou em 1988, quando Rosanna e seu marido, Roger, saíram da pequena Seward, em Nebraska, a fim de realizar um sonho de adolescência: adotar uma criança. Auxiliada por uma empresa chamada Holt, especializada em adoções no exterior, Rosanna viajaria para o Rio de Janeiro para conhecer um menino de 4 anos. À época, a imagem de menores na rua comovia o mundo. Num orfanato em Nova Iguaçu, ela conheceu o pequeno Fernando.

Hospedado na casa de um pastor congregacional em Niterói, Paul Schreiner não fala português e passa o dia no computador, conversando com familiares e amigos que moram nos Estados Unidos. Ele chora ao se lembrar da infância e de seus pais (fotos: MARCOS RAMOS/AGÊNCIA O GLOBO)

Fonte: Redação Braziliantimes (fotos: MARCOS RAMOS/AGÊNCIA O GLOBO)

Fonte: Brazilian Times