Entrevista: o norueguês que viajou todos os países do mundo

Gunnar Garfors é um recordista mundial no que diz respeito à viagens. Foi a pessoa mais jovem a visitar todos os 198 países do mundoRecentemente repetiu o feito, dando ênfase para os 20 países menos visitados. De sua mais recente empreitada saiu o livro intitulado Nowhere (Lugar Nenhum), seguindo a linha do bem sucedido How I Ran Out of Countries (Como Eu Esgotei Todos os Países do Mundo) ambos sem tradução para o português.

Em entrevista à Viagem e Turismo, Garfors disse não se considerar a pessoa mais viajada do mundo, conta sobre o dia que dormiu no chão no Vaticano e da sua insólita viagem rumo ao altar com uma coreana que, ao final, acabou não acontecendo.

O fato de ficar pouco tempo (as vezes horas) em um país não significa que você o tenha conhecido. Você não acha superficial o seu conhecimento sobre viagens?

Depois de ter viajado por quatro anos, não acho que meu conhecimento sobre viagens é superficial, mas eu amaria passar mais tempo em alguns lugares. Fazer pesquisa em livros é um jeito brilhante de conhecer um país, assim como conhecer e conversar com pessoas que moram lá.

Existe uma diferença muito grande entre viajar para os países do mundo de um jeito comum – como eu fiz – e viajar para alcançar um recorde mundial (o que fiz algumas vezes também). Esses recordes mundiais não têm muito a ver com viajar e sim com recordes de logística.

Gunnar Garfors no Brasil Garfors em um bar na cidade de Curitiba

Garfors em um bar na cidade de Curitiba (Gunnar Garfors/Reprodução)

Você considera que conhece totalmente algum lugar? O que você acha necessário para conhecer um país profundamente?

Eu visitei todos os países do mundo, 198 deles, duas vezes e passei uma semana em cada um deles, na média. Ficar um dia ou menos possibilita sentir a atmosfera e ter um “gostinho” do lugar, diferente de pessoas que nunca estiveram lá. No mundo ideal, eu ficaria várias semanas em cada país, mas não tenho como pagar por isso e não acho que minha família e amigos iriam gostar. Depois, na minha segunda visita, eu pernoitei em cada um dos países, até no único sem hotel, o Vaticano.

Onde você dormiu no Vaticano?

No chão de mármore gelado. Um dos guardas suíços se perguntou porque eu estava deitado ali tremendo. Foi um impulso de momento, eu não tinha roupas o suficiente, só uma coberta do avião, estava congelando. Antes de ir para cama, reparei que não estava sozinho. Um punhado de pessoas em situação de rua estavam fazendo o mesmo que eu, mas eles dormiam em caixas de papelão para não congelar. Foram mais espertos.

Eram comuns até alguns anos atrás pacotes de viagens do tipo 10 países em 12 dias. Você recomenda?

Na verdade, não. Eu recomendo ficar pelo menos três dias em cada país. Por outros lado, algumas pessoas não tem muito tempo de férias e é melhor ter um “gostinho” de um país do que nunca tê-lo visto. Se a pessoa viaja desse jeito, deve tentar otimizar seu tempo, conversar com pessoas que moram ali e comer a comida local.

Qual o maior tempo que você passou em um destino e qual o menor tempo?

O maior tempo que eu já passei em um lugar foi de três a quatro semanas. O menor tempo foi 24 horas, no Vaticano. Eu já fiquei menos tempo em alguns países, é claro, mas quando estava batendo recordes mundiais. Portanto, o menor tempo foi de dois minutos, em Kosovo (mas é claro que estive lá várias vezes antes). Tudo é permitido no amor, guerra ou recordes mundiais.

Você pretende continuar viajando? Quer se tornar a pessoa mais “viajada” do mundo?

Parar de viajar seria um insulto para minha mente, minha curiosidade e meu intelecto. Jornalistas noruegueses me perguntaram se eu sou a pessoa mais viajada do mundo, depois de visitar todos os países duas vezes, mas eu não acho. Existem tribos e pessoas nômades em partes da África e da Ásia que viajam a vida toda. Também existem indivíduos como Heinz Stücke, da Alemanha, que pedala pelo mundo desde 1962, 13 anos antes de eu nascer. E o companheiro Viking Thor C. Pedersen (onceuponasaga.dk) que está em uma viagem louca, determinado a visitar todos os países do mundo sem pegar nenhum voo. Ele não volta para casa há 5 anos mas, por sorte, sua noiva o visitou 17 vezes até agora. Não voltar para casa é difícil por outras razões também. Acredite em mim, conseguir vistos para alguns países estando fora de casa é uma confusão e, em alguns casos, impossível.

Gunnar Garfors em Tonga, Oceania Uma das poses clássicas do viajante em Tonga, na Ásia.

Uma das poses clássicas do viajante em Tonga, na Ásia. (Gunnar Garfors/Reprodução)

Quantos carimbos você já colecionou na vida?

Não faço ideia! Poucos países da Europa ainda carimbam passaportes e a Coréia do Sul e a Austrália pararam de fazer recentemente. Até agora eu preenchi quase 14 passaportes (incluindo o meu atual, que está quase cheio).

Você acha que está sendo criada uma cultura maior de viagens ultimamente?

Definitivamente mais pessoas estão viajando, mas infelizmente a maioria delas continua indo à países com culturas similares às suas de origem. Grande parte das pessoas que mora no Ocidente continua viajando para a “bolha ocidental”, lugares onde há boa infraestrutura, onde as pessoas têm dinheiro e existem democracias. Assim, as crenças e sentimentos desses viajantes são pouco desafiados. Eu gostaria que mais pessoas viajassem fora dessas bolhas para desafiar suas visões de mundo. Se isso começasse a acontecer mais, nós diminuiríamos conflitos no mundo e aumentaríamos a empatia, o respeito, as amizades e os sorrisos. Diminuindo a intensidade dos conflitos também poderíamos diminuir significativamente os gastos militares e fazer o mundo mais global de verdade.

Qual sua opinião sobre o turismo de massa? O que você acha sobre as recentes mobilizações de lugares na Europa (Amsterdam, Veneza) para diminuir o número de turistas em suas cidades?

As pessoas estão, infelizmente, agindo com ovelhas quando viajam. Todo mundo quer ver, por exemplo, Veneza e tirar selfies em uma gôndola. Se uma pessoa popular ou uma celebridade faz alguma coisa, “todo mundo” vai seguir. Isso causa o turismo de massa e o congestionamento. Infelizmente, isso quase sempre acontece com essa bolha que eu já mencionei. Não entendo essa fascinação ou porque as pessoas estão felizes em pagar muito mais por comida, bebida e ingressos ou não se importam em ficar em filas o tempo todo.

Gunnar Garfors em Klubbviktind, Narvik, Norway. Garfors em Klubbviktind, Narvik, Noruega

Garfors em Klubbviktind, Narvik, Noruega (Gunnar Garfors/Reprodução)

Para você, os destinos mais conhecidos perdem a graça? Tem alguma dica para lançar um novo olhar sobre um destino?

Eu odeio lugares turísticos. Evito multidões e filas sempre que posso (a única exceção é, por exemplo, uma fila de passaporte quando não existe alternativa). Para mim, ver ou fazer exatamente o mesmo que “todo mundo” é desinteressante. Quero explorar nos meus próprios termos. Nós podemos mudar isso viajando para outros lugares, fora da bolha. E, mesmo em lugares turísticos você pode achar lugares menos visitados. Em algumas cidades tudo o que você precisa fazer é ir de duas a quatro quadras além da avenida principal.

Você concluiu algo sobre os países menos visitados do mundo? Eles têm alguma característica em comum que os colocam nessas posições?

Existem dois grupos. O primeiro consiste em países em guerra ou enfrentando conflitos e são considerados perigosos. O segundo grupo é composto de países que são difíceis de se chegar, são desconhecidos ou ruins em fazer marketing de si mesmos. A maioria deles são, de fato, lugares muito fascinantes e valem a visita. Meu livro “Nowhere” será lançado em abril na Noruega. É sobre os 20 países menos visitados no mundo. 

Conte uma história marcante de uma de suas jornadas.

Eu quase casei com uma garota chamada Haenim, na Coréia do Sul. Lá é comum tirar as fotos do casamento muitas semanas antes da cerimônia ser realizada. Isso acontece para que os convidados possam ver a foto na recepção da festa. Os cliques são feitos em diferentes lugares e as pessoas ricas costumam viajar para diferentes países para tirar suas fotos, mostrando seu status. Nós não éramos ricos, então tivemos nossas fotos tiradas em um estúdio, em uma ponte, em uma floresta e em uma vila luxuosa em Seoul. O dia começou cedo em um salão de beleza. Foi uma das poucas vezes que eu tive meu cabelo arrumado e usei maquiagem. Eu tinha 35 anos. Fiquei parecido com um adolescente nas fotos, o que eu não acho necessariamente ruim, porque Haenim era 11 anos mais nova do que eu. Havia uma ficha que pouco a pouco caía, na época das fotos, de que não éramos uma combinação perfeita. Nós brigávamos por tudo e nada: sobre detalhes e grandes questões da vida; sobre lavadoras de louça e como se pronunciar palavras em inglês; sobre filosofias de vida e viagens. Não nos ajudou em nada sermos teimosos feito burros. Discutimos sobre como escapar do nosso ciclo vicioso, mas sem muito sucesso. Concordamos em sermos legais um com o outro. Falhamos. Terminamos dois meses depois da sessão de fotos, tendo finalmente percebido que éramos incompatíveis. O casamento foi cancelado, assim como o local da festa. Então, no final, nunca fui casado, mas tenho todas as fotos do casamento.

Fotos de casamento de Gunnar Garfors Gunnar não subiu ao altar, mas mas vai poder olhar o álbum de fotos para sempre!

Gunnar não subiu ao altar, mas mas vai poder olhar o álbum de fotos para sempre! (Gunnar Garfors/Reprodução)

Você tem um roteiro fixo quando chega em algum país? Ou segue seu coração? Como você decide aonde vai?

O menos possível. As grandes experiências sempre vêm sem planejamento. Muitas pessoas programam demais suas férias, muitas vezes sem sequer conhecer o lugar em que estão indo, o que significa que eles gastam um monte de dinheiro em alguma coisa que acham que querem fazer e então eles chegam e descobrem que o lugar é diferente do que eles pensavam. Talvez cheguem a conhecer pessoas encantadoras que moram no lugar  que querem mostrar algo único e eles recusam porque já tinham planejado alguma coisa.

Eu converso com moradores que naturalmente conhecem melhor o lugar – afinal, eles vivem lá. Tudo depende da época do ano, quanto tempo tenho e os preços. Tento evitar altas temporadas porque são mais caras e ficam mais cheias. Tendo a ir para lugares por impulso, porque quero ir lá, porque ouvi algo especial sobre o lugar ou porque alguém me convidou para uma festa, um casamento ou para fazer uma apresentação.

Suas viagens costumam ser luxuosas? Onde você costuma dormir ou comer? Como foi dormir no chão no Vaticano?

Algumas vezes eu desejaria que elas fossem luxuosas, mas preferiria gastar esse dinheiro extra em mais viagens do que ficar em hotéis super chiques. Prefiro hotéis pequenos à redes e também hostels, que são quase sempre mais divertidos e reúne pessoas mais abertas. De qualquer maneira, nunca fico em um hotel por um longo período de tempo. Sendo limpo, silencioso e tendo água quente, estou feliz. Sempre vou à restaurantes que os moradores comem.

Gunnar Garfors na Jordânia Gunnar Garfors, na Jordânia

Gunnar Garfors, na Jordânia (/)

Por que você leva um paletó nas suas viagens?

Eu geralmente consigo serviços melhores de empresas aéreas e hotéis. E amo que tem bolsos interiores que me permitem guardar tudo que é importante para mim como o celular, o passaporte e a carteira. Se eu perder o resto, não é um desastre, mas perder essas coisas pode ser um inconveniente e tomar muito tempo. Sempre viajo com minha bagagem de mão, então nunca tenho muita coisa comigo. Prefiro lavar minhas roupas ou comprar novas se precisar.

Você tem algum lugar favorito no mundo? Algum lugar que você se mudaria e moraria pelo resto da vida?

Tenho uma cabana que construí com o meu irmão no norte da Noruega. Não tem eletricidade ou água encanada, mas o cenário é incrível. Há várias possibilidades de trilhas e tem tanto peixe no fiorde que eu não tenho que comprar por semanas. Tenho uma pequena lareira no caso de ficar frio, mas até agora só estive lá no verão quando o sol da meia-noite dá as caras e eu preciso fechar as cortinas para dormir porque é muito iluminado. Poderia morar em quase qualquer lugar por anos, mas no final das contas eu vou ficar na Noruega. É longe de ser perfeito, mas um lugar maravilhoso e sentiria falta da minha família e amigos se mudasse para algum lugar para sempre.

Fonte: Viagem e Turismo