Para sobreviver à crise trazida pelo coronavírus, agentes de viagens transformaram seus negócios com a ampliação de serviços personalizados, tours online e roteiros em destinos isolados.
Desde o início das restrições, em março de 2020, pelo menos metade das agências de turismo no país teve de enxugar e reestruturar equipes, segundo Fátima Bezerra, diretora nacional da Abav (Associação Brasileira de Agências de Viagens). O movimento empurrou parte dos profissionais para o trabalho autônomo.
Rosana Garcia, 47, hoje trabalha com tours virtuais transmitidos pelos aplicativos Zoom e Meet. Antes da pandemia, ela organizava viagens personalizadas para lugares dentro e fora do Brasil.
Nos passeios virtuais, em que usa fotos e vídeos feitos durante suas viagens, a agente incorpora o papel de guia narrando as histórias dos locais e interagindo com os espectadores. “Comecei a apresentar pela internet aquilo que estava acostumada a mostrar pessoalmente. Consegui mudar a minha história no meio de uma guerra”, afirma.
Os roteiros incluem o centro da capital paulista e cidades turísticas do estado, entre elas Embu das Artes, Aparecida, Campos do Jordão e Holambra, além de excursões online para Israel, destino em que é especializada.
Embora os passeios virtuais sejam gratuitos —com contribuição voluntária—, a agente afirma que, em alguns meses, faturou mais do que o valor do seu salário anterior. Ela diz que chegou a receber até US$ 100 (R$ 532) de um cliente, mas que a maioria paga em média R$ 10 por tour.
Rosana já fez mais de cem transmissões, algumas com até 120 pessoas conectadas simultaneamente, e não pretende abandonar a atividade mesmo depois da pandemia. “Descobri que tem um público que nunca vai poder viajar, como pessoas da terceira idade que não podem ir para Israel ou crianças internadas.”
Na Softour Viagens e Turismo, os roteiros não foram para o mundo virtual, mas mudaram de destinos internacionais para regiões isoladas dentro do país. Entre os locais escolhidos pelos clientes estão Chapada Diamantina (BA) e Chapada dos Veadeiros (GO).
“As pessoas estão redescobrindo o Brasil”, diz Patrícia Chaddad, 51, proprietária da Softour. “Em um dos roteiros, alugamos para uma família um barco privativo que percorreu trechos do rio Negro, no Amazonas. A tripulação testou negativo para Covid-19 antes do passeio, e os turistas dormiram na própria embarcação, bem longe do burburinho das cidades.”
Apesar da queda no número de viagens, o trabalho do agente de viagem ganhou importância durante a crise do coronavírus. O profissional tem sido contatado para esclarecer protocolos sanitários, ajudar na escolha de fornecedores e prestar assistência ao viajante durante sua jornada.
“Não basta escolher um lugar aberto a brasileiros. Hoje o turista deve ficar atento a eventuais conexões em países com regras diferentes, preenchimentos de formulários online, teste PCR para coronavírus e uma série de outras medidas”, diz Bezerra, da Abav. “A importância do papel do agente de viagem triplicou”.
Para monitorar mudanças, os profissionais consultam sites de consulados, embaixadas e associações internacionais, entre elas a Iata (Associação Internacional de Transportes Aéreos). Algumas agências detém software de integração com operadoras do exterior, o que agiliza a troca de informações sobre regras sanitárias.
Na pandemia, os agentes que trabalham com turismo de luxo têm sofrido menor impacto.
Especializada no nicho, Jacque Dallal, 58, fundadora da Be Happy Viagens, detectou aumento na demanda por consultoria para elaboração de roteiro por clientes que só fechavam pacotes na internet. O serviço custa de R$ 500 a R$ 1.000, que são devolvidos se o turista fecha a viagem.
Mesmo com a nova clientela, o faturamento hoje é 30% menor, segundo Dallal.
Já o agente Victor Galvão, 32, comemora o crescimento de 50% no faturamento da Premium Chartes, empresa focada no turismo náutico de luxo.
Ele oferece o aluguel de embarcações com uma espécie de hotelaria a bordo, que inclui serviços de gastronomia, bartender e limpeza.
Galvão conta que as navegações feitas antes pelos mares do Caribe e do Mediterrâneo foram inviabilizadas, forçando a reestruturação do serviço em águas brasileiras. Ele, que é do Recife, teve de se mudar para Paraty (RJ), região de baías com águas calmas e condições climáticas quase sempre favoráveis à navegação.
“O trabalho, antes concentrado no verão europeu, agora se distribui de forma mais uniforme ao longo do ano. Tem dado certo”, diz Galvão.
A diária do barco mais econômico, com capacidade para oito pessoas, e elaboração de roteiro personalizado custam a partir de R$ 5.000.
A pandemia também apresentou um novo mercado para o agente de viagens: o chamado turismo de vacina, em que o viajante se desloca com o objetivo de ser imunizado.
Segundo Fabio Calderon, 32, proprietário da Planejante, há uma explosão na demanda desse tipo de viagem. Ele tem organizado roteiros para pessoas se vacinarem nos Estados Unidos. Os clientes têm de passar por uma quarentena obrigatória, geralmente no México ou em países do Caribe. Viajantes que passaram os últimos 14 dias no Brasil continuam proibidos de entrar em território americano.
“O destino campeão para a quarentena é Cancún, no México, mas tenho recomendado resorts em Punta Cana, na República Dominicana, que são mais vazios”, diz Calderon.
A procura aumentou após a prefeitura de Nova York anunciar que pretende oferecer vacina a turistas em pontos estratégicos da cidade, como o Central Park e a Times Square.
Em sites governamentais, Calderon consegue identificar qual das vacinas está sendo aplicada nas tendas públicas, às quais os brasileiros também têm acesso. Nos EUA, estão sendo oferecidos os imunizantes da Pfizer, Moderna e Janssen, sendo que o último é aplicado em dose única.
Apesar da alta oferta de vacinas no país, o agente deixa claro ao viajante que a imunização não é 100% garantida —podem haver mudanças na lei, por exemplo.
A viagem, incluindo a quarentena mais o período nos EUA para vacinação, custa a partir R$ 30 mil para duas pessoas, segundo Calderon.
“A questão sanitária vai permanecer pelos próximos anos. Portanto, o atendimento personalizado com suporte em tempo integral e a adoção de pacotes flexíveis devem continuar em alta”, diz.
Fonte: Folha de S.Paulo