Água mineral da Lua: a última fronteira da gourmetização

A Nasa encontrou água em grande quantidade na superfície da Lua. Notícia alvissareira para a alta gastronomia. Está lançada a corrida para a última fronteira da gourmetização –última, só até a tecnologia espacial facilitar o trânsito entre a Terra e Marte.

Para entender o que pode ocorrer nas próximas décadas, é só observar o mecanismo mercadológico da água mineral.

Uma garrafinha com 330 mililitros de água Fiji custa R$ 20,25 (ou R$ 17,45, aplicado o desconto da loja). Por que tão cara?

Basicamente, porque as ilhas Fiji ficam longe de qualquer lugar cidade ocidental e até mesmo da Austrália –de São Paulo, a distância em linha reta é de aproximadamente 13,3 mil quilômetros.

De um lugar tão remoto, é fácil dizer que se extrai a “melhor água da Terra”. Esse é o slogan da água Fiji. O rótulo ainda diz que a água é artesanal. Água artesanal, senhoras e senhores.

Já o slogan da água Voss, importada da Noruega, diz que ela se destina ao “purista máximo”. A noção de pureza é outra falácia do marketing dá água mineral.

A mais pura de todas as águas é a água destilada que você usa na bateria do carro. Bebê-la é uma experiência horrível e nada saudável: justamente por ser puro H2O, ela “rouba” minerais do nosso corpo. A água precisa de impurezas para ser potável.

Vendida em garrafa de vidro, a água de aquífero da Noruega custa R$ 24,90 na versão de 375 mililitros. Por que tão cara? Porque há quem pague por isso.

Novamente, o storytelling (“conversa mole para boi dormir”, em inglês) da região remota –desta vez, algum lugar gelado da Noruega meridional. E o “gelado”, aqui, importa muito. Só as fotos de geleiras e as cores frias do material publicitário já oferecem uma sensação refrescante, a ideia de que essa água mata a sede mais do que as outras.

Aqui no Brasil, tentaram emplacar uma marca de água extraída da umidade do ar da Amazônia –mais uma vez, a lenda da pureza relacionada a territórios intocados pela civilização.

Era basicamente água obtida por destilação, que seria vendida na Europa em garrafas de cristal de 750 mililitros por 70 euros (hoje, o equivalente a R$ 470). O lançamento foi no final do ano passado.

Não consegui encontrar a água à venda em site algum, nem na Amazon da França. Com 863 seguidores, a conta de Instagram da Ô Amazon Air Water é fechada; seu Facebook não é atualizado desde 20 de novembro de 2019. Aparentemente, o negócio gorou.

E a Lua?

Com a descoberta de água e o desenvolvimento do turismo espacial, não deve demorar muito até alguém vir com a ideia de extrair a tal água de alguma forma. Daí para querer trazer a água lunar à Terra é um passinho; para propor vendê-la por preço exorbitante, um tropeço. O plano pode nunca se concretizar, mas eu aposto que agorinha mesmo já existe algum gaiato sonhando com esse dinheiro fácil.

Afinal, nenhum lugar na Terra é tão remoto e intocado quanto a Lua. Esse xaveco nunca falhou com os esnobes da água mineral.

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Fonte: Folha de S.Paulo