As restrições dos vizinhos a viagens ao Brasil por conta de variante do coronavírus achada em Manaus

A preocupação com os números da pandemia no território brasileiro e a identificação de uma nova variante do coronavírus em Manaus têm levado países vizinhos a implementarem restrições no tráfego aéreo com o Brasil.

Isso começou a ocorrer na semana passada, quando os presidentes de Peru e Colômbia anunciaram a suspensão de voos com o Brasil.

“Como prevenção e por 30 dias, tomamos essa medida restritiva envolvendo os voos da Colômbia para o Brasil e do Brasil para a Colômbia”, disse o presidente colombiano, Iván Duque.

A determinação peruana, que começou no dia 31 de janeiro, seguirá até o dia 14, enquanto a colombiana, iniciada dia 27 passado, tem validade até, pelo menos, o dia 28 de fevereiro.

A iniciativa da Colômbia ocorreu quase ao mesmo tempo em que três casos da cepa registrada em Manaus foram detectados em Letícia, cidade que fica em frente a Tabatinga, na Amazônia brasileira.

A Colômbia e o Peru estão entre os países que compartilham a Amazônia com o Brasil. Os dois tinham suspendido os voos internacionais, logo no início da pandemia, com exceção dos voos humanitários ou de repatriação.

No caso do Peru, por exemplo, segundo informação da embaixada do Brasil em Lima, naquela ocasião, foram impedidos 14 voos, com 2.000 brasileiros repatriados.

Ainda no ano passado, os voos foram retomados. Agora, porém, como disse o ministro da Saúde colombiano Fernando Ruiz Gómez, a decisão é “específica” para os voos para o Brasil, e não mais a voos em geral.

“(É) uma decisão excepcional pela propagação da nova variante (identificada no Brasil). Tínhamos tomado a mesma iniciativa quando surgiu a cepa britânica. Esperamos que seja uma medida temporária enquanto a vacinação avança”, disse o ministro em resposta à BBC News Brasil.

Nesta quinta-feira (4), a ministra da Saúde do Peru, Pilar Mazzetti, anunciou que a ‘variante brasileira’, como tem sido chamada ali, foi detectada em três lugares peruanos, incluindo a capital, Lima.

“Ou seja, agora já temos no país a variante brasileira e a variante britânica”, disse Mazzetti numa conferência no Congresso peruano.

Além das restrições aos voos ligando o país ao Brasil, o governo peruano suspendeu as frequências aéreas com a Europa e a África do Sul.

‘Um dos maiores temores do mundo’

No mesmo dia em que Mazzetti fez o anúncio, o governo uruguaio confirmou o registro dos cinco primeiros infectados com outra cepa, a P.2, encontrada inicialmente no Rio, após estudos iniciados em dezembro passado por um grupo de especialistas da brasileira Fiocruz e entidades uruguaias, segundo o jornal El Observador, de Montevidéu.

As variantes encontradas no Brasil passaram a representar um dos principais temores dos países vizinhos do Brasil nesta etapa da pandemia, uma vez que há indícios científicos de que a cepa manauara seja mais infecciosa e que consiga driblar o sistema imune até de quem já teve Covid-19.

Quando surgiu a informação oficial do primeiro caso dessa variante na Colômbia, a revista colombiana Semana destacou que “um dos maiores temores do mundo diante da Covid-19” tinha chegado ao país. Segundo informação oficial, era uma mulher de 24 anos, com dupla nacionalidade, que tinha sido atendida num hospital de Leticia e já estaria isolada e em recuperação.

A temida “cepa brasileira” foi tema, nesta semana, de discussões entre infectologistas no canal América, na Argentina, onde o governo do presidente Alberto Fernández solicitou, na semana passada, que as companhias aéreas reduzam pela metade os voos para o Brasil, a partir deste mês de fevereiro.

Além do Brasil, a Agência de Aviação Civil da Argentina (ANAC) também recomendou a redução dos voos ligando a Argentina aos Estados Unidos e Europa. O corte na frequência de voos do país já vinha sendo registrado desde março passado, quando os cerca de 30 mil passageiros diários, antes da pandemia, passaram a menos de 800 por dia, segundo estatísticas locais.

À BBC News Brasil, o ministro da Saúde da Colômbia, Fernando Ruiz Gómez, explicou, através de sua assessoria de imprensa, os motivos que levaram o país a suspender os voos que ligam o território colombiano ao brasileiro.

“A decisão tomada pelo governo da Colômbia foi baseada no princípio da precaução. Quanto mais cedo (a restrição), mais efetiva é a medida. Ela foi tomada diante da crescente evidência, ainda não conclusiva, de que a variante brasileira teria capacidade de evadir a imunização e produzir, consequentemente, reinfecções, além de ser muito mais contagiosa”, disse o ministro colombiano.

Ele afirmou ainda que é preciso tempo para que seja confirmada essa nova variante detectada em Manaus e possíveis impactos no território colombiano.

“Mais do que temor, trata-se da preparação para se ter mais e melhores evidências e entender melhor a situação, reduzindo a velocidade da propagação de esta variante no interior da Colômbia”, afirmou.

O ministro lembrou que seu país compartilha 1.600 quilômetros de fronteira com o Brasil, ao longo da Amazônia. “É uma fronteira integrada social, cultural e economicamente. Uma fronteira porosa, com povos indígenas binacionais, com alto fluxo de pessoas tanto terrestre como fluvial, que não é possível e nem ético fechar”, disse o ministro.

Gómez afirmou que, apesar de Manaus estar a mais de mil quilômetros de Letícia, a cidade colombiana colide “totalmente” com a brasileira Tabatinga.

“Acho que mais do que nos preocuparmos, temos que nos ocupar e continuar fortalecendo a vigilância epidemiológica e genômica dos dois lados da fronteira, controlando a transmissão e, tomara, fortalecendo a cooperação binacional contra a pandemia”.

Logo no início da pandemia na América do Sul, autoridades dos países vizinhos criticaram o comportamento do Brasil, que não impôs quarentenas nacionais contra a expansão do vírus. A principal preocupação, na época, era com as regiões de fronteira, onde, no caso da Colômbia e do Peru, residem comunidades indígenas, que se mostraram ainda mais frágeis diante do coronavírus.

O presidente da Associação Colombiana de Infectologia, José Oñate, disse defender a suspensão dos voos, enquanto se conhece mais sobre a variante encontrada em Manaus.

“Tudo dependerá do comportamento dessa cepa. Não parecia lógico abrir a porta (a viagens) enquanto vemos que a nova variante tem ampla capacidade de contágio. A suspensão dos voos é uma medida sensata enquanto vamos conhecendo mais sobre essa variante”, disse Oñate.

Ele contou que a Colômbia chegou a registrar 20 mil casos de coronavírus por dia e que, na quinta-feira (4), foram 9.790 casos. A redução pode, segundo ele, sinalizar que o segundo pico da doença poderia estar diminuindo por ali

Fonte: Folha de S.Paulo