Calma do Oriente

Lobby de hotel é uma atração à parte em qualquer viagem. Seja a trabalho ou a passeio, aquele momento de sentar em poltronas confortáveis de um saguão, cerrar os olhos por um instante e ficar ouvindo a babélica mistura de idiomas e sotaques provoca um sentimento de suspensão, de perda de referência geográfica: você se sente parte do mundo. Poderia estar em qualquer lugar.

Mesmo em qualquer hostel simples essa musak (música ambiente) indefinida pode ser escutada. Mas claro que será melhor se for um lugar onde se pode sentar, e ainda por cima pedir um drinque, para praticar o esporte de se perder enquanto se especula mentalmente sobre a origem e a história de cada pessoa que passa.

Funciona até mesmo quando não somos os hóspedes. Quando certa vez fomos a Nova York, Sofia, grávida da nossa filha Marina, tinha necessidade de ir toda hora ao banheiro. 

Então passeávamos a pé de olho no melhor hotel do caminho, que sempre seria mais abordável e melhor do que entrar no primeiro bar. Poucos escaparam de nossas investidas.

O alvo, no caso, eram os banheiros —e que ótimos banheiros, cheios de mármore e toalhas perfumadas, tinham os bons hotéis—, mas sempre valia a pena dar uma descansadinha no lobby e sorver um pouco daquele momento cosmopolita. (Somando os quesitos saguão mais mictório, lembro de ter ficado com uma boa impressão do Waldorf Astoria, caso interesse a alguém essa combinação.)

Esse meu apego à atmosfera multinacional e frenética desses ambientes sofreu um abalo no começo deste ano, quando, na Cidade do México, fiquei hospedado num hotel curioso e diferente, o Ryo Kan (ryokan.mx).

Trata-se de um novo hotel-butique, inspirado na atmosfera dos ryokans japoneses (as hospedarias tradicionais onde as pessoas dormem no chão, em um tatame, comem pratos típicos em mesas baixinhas, em ambientes separados por paredes de papel).

Nesse caso mexicano, o Japão tradicional de fato fica no ar (mas não ostensivamente na decoração). São quatro andares, sem elevador, e apenas nove quartos, cada um diferente do outro. Na cobertura com luz natural, ofurôs e um spa.

E o lobby. Bem, a área comum no térreo transmite tranquilidade e sugere o silêncio, pelo seu despojamento, sua claridade filtrada diretamente do céu, numa composição que, embora não tenha nada de japonês na arquitetura, impõe uma atmosfera zen.

O hotel tem um toque high-tech. Tudo funciona eletronicamente —da fechadura das portas às cortinas e lâmpadas. E tudo é controlado pelo celular do hóspede, por meio de um aplicativo que é instalado já no checkin.

A decoração dos quartos é bem minimalista, em sintonia com o espírito de um ryokan. Como já se sente desde o lobby, o ambiente convida ao repouso, à calma, o que é interessante numa cidade frenética como a capital mexicana.

É verdade que nem tudo pareceu muito bem resolvido. O café da manhã é um pouco anódino —nem japonês nem mexicano, meio internacional, e mesmo assim numa interpretação metida e boba (no lugar de pães e frios, tem pequenos canapés espetados por palitos, como num coquetel).

Nos quartos, a combinação de hábitos japoneses com as demandas ocidentais provoca alguns conflitos. Senti falta de um sofá ou poltrona para ler ou até mesmo ver TV (não me basta somente a cadeira da mesa de trabalho) —algo que não seria requerido num ryokan, onde podem bastar almofadas no chão.
Também senti falta de mesas de cabeceira para pousarmos o livro ou o celular, o que, novamente, não faria falta se a cama fosse o próprio chão. 

Também, num espaço tão novo era de se esperar que houvesse tomadas ao lado da cama, já que o celular —hoje também despertador, jornal  etc.— costuma ficar à mão durante a noite, ainda mais nesse hotel, em que ele é necessário até para acender as luzes no caso de uma incursão noturna ao banheiro.

E, por falar em banheiro, achei muito inadequado não haver bidê. Sua ausência é sempre uma falha, e nesse caso é impensável, levando em conta o apego dos japoneses à higiene e às lavagens em geral (há décadas as casas e lugares públicos no Japão usam privadas com sistemas automáticos que lavam, secam, aquecem).

Ainda assim, a experiência de trocar o frenesi da cidade e do lobby do hotel por um ambiente de calma e introspecção pode ser uma forma interessante, embora menos excitante, de recarregar as baterias para quem viaja na correria.

Fonte: Folha de S.Paulo