Fuga para Tuvalu

Se você aqui me lê, já posso adivinhar que, além da paixão por viajar, você também adora mapas. Essas coisas vão juntas, sei bem. Por isso aqui vai a dica de um incrível, que virou meu “descanso de tela” ultimamente: o mapa da universidade Johns Hopkins.

Nada de muito exótico nele. Não é como aqueles do Japão (e de boa parte da Ásia) onde no centro não está o oceano Atlântico, mas a própria ilha que é o lar dos japoneses. Ou aqueles australianos engraçadinhos que mostram o mundo de cabeça para baixo.

O mapa no site da Johns Hopkins, referência mundial na medicina, é até careta: Américas a oeste, África e Europa mais centralizadas, Ásia bem no Oriente. Mas ele traz uma informação fundamental para os dias de hoje: os países aonde já chegou o coronavírus, e as pessoas infectadas e mortas em cada um deles.

Inesperadamente, a pandemia mundial ainda não “cumpriu” 100% sua missão. Dos 195 países que existem no mundo, até o momento em que escrevo este texto, dez deles ainda não registraram sequer um caso da Covid-19. E dois deles eu já visitei: Tuvalu e Tonga.

Minha primeira reação foi: vou escapar para lá. Sim, estou seguro na minha casa no Rio de Janeiro, isolado a não ser pelas poucas horas semanais que saio para apresentar meu programa ao vivo com informações justamente sobre a crise que estamos vivendo.

Mas em todos os outros momentos estou virtualmente preso em casa, inclusive no meu aniversário, na semana passada. O mundo para mim é a janela por onde vejo o parque Lage, no Jardim Botânico carioca. E, isolado aqui, assim como você, me sinto vulnerável.

Leio as notícias e me entristeço com o desrespeito não apenas à inteligência das pessoas —uma seara na qual o front de fake news vez por outra parece estar ganhando— mas também à saúde e à integridade de uma população de todo um país desgovernado. No caso, este onde estou sem poder viajar fisicamente.

Então decolo em pensamento, como já brincamos aqui há semanas. E hoje então embarco para Tuvalu. Pensei primeiro em ir a Tonga, um dos destinos mais curiosos que já visitei, viagem essa já descrita aqui mesmo neste espaço em setembro de 2016.

Fui lá antes da virada de 2000 para conhecer o primeiro país que, na época, entraria no ano novo tão esperado —duas décadas já! E vi na verdade um lugar meio triste. Fui mais impactado pela obesidade crônica dos seus habitantes, que carregam a marca duvidosa de uma das maiores taxas de diabetes do mundo, do que por suas belezas naturais.

Tonga, reflito hoje, é daqueles lugares que você vai mais para riscar da sua lista de destinos do que para desfrutar. E foi pensando nisso, nas possibilidades de desfruto, que realinhei meu leme rumo a Tuvalu, por onde também já passamos nos primórdios desta coluna, em 2013.

Visitei este minguado arquipélago no Pacífico para uma reportagem sobre sua provável extinção. Aquecimento global, nível das águas subindo… Suas ilhas, com raros “picos” acima de um par de metros, sobreviveriam apenas décadas antes de serem engolidas pelo mar.

A mesma natureza que ameaça Tuvalu, porém, também a beneficia agora. Difícil de chegar, o país ainda não recebeu a visita da Covid-19. E só isso já seria um motivo para querer ir para lá.

Mas tenho outros.Rever um por do sol banhando em águas cálidas até o peito. Deitar nas enormes varandas das casas e cochilar com os nativos uma boa sesta.

Ser hipnotizado pela música e dança daquela cultura, um ritmo diferente de tudo que vi pelo mundo. Comer um peixe fresco (e evitar os industrializadas que lá são símbolos de status). Adormecer com o abraço de uma pele quente e morena. Acordar com uma coroa de flores enfeitando a minha cabeça. Esquecer as horas esparramado em um coqueiro torto que não sabe se cresce para o céu ou para o mar.

Tudo isso, claro, pela moldura verde e azul da janela do meu cantinho de escrever…

Fonte: Folha de S.Paulo