Hambúrguer de picanha é fraude

Já vi muito lobisomem e mula-sem-cabeça nesta vida, mas ainda me assombra a desfaçatez da nota que o McDonald’s publicou após ser pego no pulo, vendendo sanduíche de picanha sem picanha:

“A rede esclarece que a plataforma recém-lançada denominada Novos McPicanha tem esse nome justamente para proporcionar uma nova experiência ao consumidor, ao oferecer sanduíches inéditos desenvolvidos com um sabor mais acentuado de churrasco.”

Plataforma? O assunto é pão com carne, não de poços de petróleo. Experiência? Embora o lero-lero corporativo produza novas pérolas a cada minuto, isto é uma obra-prima da embromação.

O perfil de Instagram Coma com os Olhos teve acesso a documentos internos do McDonald’s. Eles informavam a substituição, na linha de sanduíches McPicanha, de uma carne chamada “PIC” –as três primeiras letras de “picanha”, presumivelmente– por outra designada pelo código “3:1”.

O fogo se espalhou veloz, e a rede se apressou em tentar contê-lo com a nota mal-ajambrada.

Diz outro trecho incrível: “A marca lamenta que a comunicação criada sobre os novos produtos possa ter gerado dúvidas.”

Repare na razão do lamento. Não é a tática insidiosa de enganar o cliente –termos mais suaves falham em descrever o ocorrido. É um alegado ruído de comunicação, que empurra para o receptor o ônus de ter compreendido mal a mensagem.

Sem pedido de desculpas. Tirando o fiofó da reta.

A marca tentou argumentar que a presença de um molho “sabor picanha” justificava o nome do hambúrguer. Não colou. O Procon e o Ministério da Justiça voaram para cima do McDonald’s, que suspendeu a venda da picanha fantasma e vai ter de se explicar.

O molho “sabor picanha” configura mais uma arapuca semântica. Um refresco “sabor abacaxi” não precisa ter abacaxi na composição, assim como o chiclete “sabor tutti-frutti” não leva todas as frutas na receita.

“Sabor” isso, “tipo” aquilo e afins são velhos truques da indústria. Ela se vale do vácuo na legislação para ludibriar o consumidor com comunicação deliberadamente ruidosa.

Agora deixemos de lado o McDonald’s e a indústria alimentícia. Falemos, de modo geral, do hambúrguer de picanha. Você realmente acredita que alguém moa picanha para fazer hambúrguer?

No Brasil, a picanha é o corte mais cobiçado e caro da carcaça bovina. Cada animal rende duas peças que, dependendo da genética e do manejo, pode pesar entre um e dois quilos. Simplesmente não existe picanha suficiente para abastecer as hamburguerias, as redes de fast-food e todos os churrascos da nação.

O valor da picanha está na maciez. O coxão duro, continuação do mesmo músculo, tem sabor quase idêntico. Mas é, veja só, duro. Uma vez moídas, as todas as carnes são macias.

Moídos, picanha e coxão duro são indistinguíveis. Não há como provar o golpe –é a palavra do vendedor que fia o hambúrguer vigarista.

Moer picanha para fazer hambúrguer é estupidez. Vender carne moída como se fosse de picanha é fraude. Não há termo mais suave para definir.

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Fonte: Folha de S.Paulo

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