O Madero faz o pior hambúrguer do mundo

“O Madero faz o melhor hambúrguer do mundo” era, até alguns anos, o slogan da rede de lanchonetes criada pelo ex-madeireiro paranaense Junior Durski. Modéstia saiu para comprar Coca, mas levou casco de Pepsi. Tomou chá de sumiço.

Mais recentemente, publicitários contratados por Durski criaram uma campanha para deixar a marca ligeiramente menos antipática. Num filme veiculado em salas de cinema, as palavras do slogan se embaralham e se reagrupam para formar a frase “O hambúrguer do Madero faz o mundo melhor”.

De novo, a imodéstia imperial. De novo, a mentira descarada. Ambas as afirmações são tão falsas quanto uma salsicha de tofu.

O sanduba do Madero está longe –muito, muito longe– de encabeçar qualquer ranking de qualidade.

Isso, para usar dialeto corporativês que o Madero abraça, está no DNA do produto. Vejamos o que diz o “storytelling” reproduzido no site do restaurante:

“Antes de abrir o primeiro restaurante Madero, em 2005, em Curitiba, Paraná, Junior foi em busca do que seria o cheeseburger perfeito. Viajou aos Estados Unidos e experimentou diversas variações do sanduíche em mais de 70 restaurantes. Voltou com uma ideia clara do que fazer: encontrar a melhor receita e a combinação ideal dos ingredientes, todos sem adição de conservante – pão crocante fresquinho assado na hora, queijo cheddar, alface e tomate frescos, maionese artesanal e hambúrguer com 85% de carne e 15% de gordura, composição muito mais saudável do que a média utilizada no mercado, sem abrir mão do sabor e do prazer.”

As informações acima descrevem por que o hambúrguer do Madero é ressecado e insípido. Ao optar por um blend de carne e gordura na proporção 85/15, Durski abriu mão totalmente do sabor e do prazer. Qualquer manual de chapeiro seboso diz que um bom hambúrguer deve ter no mínimo 20% de gordura. Muito mais saudável do que a média do mercado? Não me parece que esses 5% sejam decisivos no que tange ao entupimento coronariano.

Segundo: o pão crocante joga contra. Hambúrguer é basicamente carne dilacerada, ele se rompe facilmente, é uma comida macia. Logo, um pão macio faz muito mais sentido. A textura de um pão crocante faz a carne moída desaparecer na paleta sensorial do sanduíche.

Por fim, a escala gigantesca e o manual de cozinha do Madero pioram o que já não é grande coisa. Os hambúrgueres são moldados e congelados em uma fábrica de Durski, para abastecer todas as unidades da rede. Como ocorre também em outras cadeias como Outback e Applebee’s, as casas obedecem a uma cartilha sanitária muito mais rígida do que restaurantes menores –surtos de intoxicação alimentar podem ser desastrosos numa operação desse tamanho.

Logo, hambúrguer malpassado é tabu. Só que os garçons do Outback e do Applebee’s avisam ao cliente dessa política da casa. É diferente no Madero: nas duas vezes em que pedi hambúrguer lá, pedi malpassado e o garçom concordou. Nas duas vezes, recebi bem passado, cinzento. Em uma delas, mandei voltar. Ganhei outro hambúrguer bem passado e capitulei à fome.

Vamos ao segundo slogan de Durski. Aquele sobre um mundo melhor.

A página do Madero despeja lero-leros sobre empreendedorismo, inovação, disrupção etc. O comportamento do empresário Junior Durski evidencia que essa conversa mole favorece apenas uma pessoa: ele mesmo.

O dono do Madero tem-se superado em episódios de falta de sensibilidade desde que a pandemia da Covid-19 se abateu sobre o Brasil.

Numa ocasião, disse que o Brasil não poderia parar por causa de 7 mil mortes. Pois bem: atingimos ontem tal marca e continuamos em trajetória ascendente.

No último sábado, Durski publicou no Instagram uma foto em que ele, sem máscara protetiva, parece oferecer um hambúrguer à câmera. A legenda diz o seguinte:

“Pra frente Brasil ( sic)! Vai dar tudo certo. Aqui em Balneário Camboriú tá tudo funcionando. Muito trabalho e Deus no coração.”

De onde ele tirou que tudo vai dar certo? A julgar pela previsão de 7 mil vítimas fatais, melhor não confiar na futurologia de Durski.

De nada adianta ter Deus no coração quando se tem água nos pulmões. Pobre Balneário Camboriú.

Durski assume uma postura deliberadamente incendiária. O hambúrguer do Madero faz o mundo pior, bem pior. Como nenhum outro hambúrguer jamais fez. Portanto, o Madero faz o pior hambúrguer do mundo.

Junior Durski tem sangue nas mãos. Esse sangue, decididamente, não escorre do hambúrguer estorricado que ele serve no Madero.

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Fonte: Folha de S.Paulo