O pastel de Tangará

Teria sido mais simples começar o texto de hoje com o título “O peru de Natal”. Mas, fora a possibilidade de a coluna virar um meme, escolhi o pastel de Tangará para te levar por um itinerário menos óbvio —e talvez mais saboroso.

Ao mesmo tempo que falamos aqui de viagens, falamos também (e muito) de comida! E, sim, sei que você talvez esteja lendo isto naquela tensão pré-ceia, para não falar do almoço de Natal do dia seguinte.
Aliás, antes de seguirmos, um feliz Natal!

Mas voltemos ao pastel de Tangará. Acordei hoje pensando nessa iguaria que comi alguns dias atrás, quando viajava pelo Rio Grande do Norte e passei, justamente, pela cidade de Tangará.

Estava a caminho de Santa Cruz, para uma reportagem sobre a impressionante escultura de Santa Rita de Cássia, quando o carro parou e alguém disse: “Você tem que experimentar esse pastel!”. Fiquei curioso.

Cresci em São Paulo, onde as feiras livres educaram meu paladar com o melhor da massa frita recheada que, da maneira como consumimos, só experimentei no Brasil. Que pastel desafiaria a hegemonia paulistana?

Minha curiosidade foi saciada com um de frango e outro de carne de sol. E, de fato, que delícia! Merece a fama e toda a imagem que se construiu ao redor dela: gente do país todo passa por ali para provar a iguaria.

O pastel me fez viajar para outros lugares, outros pratos que, de tão bons, marcaram uma viagem. Ou mesmo um Natal.

Como a cabra-de-leque que foi servida para o meu grupo de familiares e amigos na ceia de 2011. Teve também o mil-folhas de aves de caça em Avignon, na França, em um almoço de Natal. E mais!

A leitoa “descadeirada” que minha tia Ordélia preparava orgulhosa para a família no dia 25. O bacalhau que o Lucas, chef do Brutos, cozinhou para nosso último Réveillon em Paris (e que estava uma delícia, mesmo depois de 80% do molho ter vazado no trajeto de bicicleta até o nosso encontro!).

Mas o roteiro não ficou só na época festiva. Lembrei-me de pratos específicos que, embora nem fossem típicos, já me fizeram voltar a determinados lugares só para saboreá-los.

Como a carne-seca com alho de Luang Prabang, no Laos. Ou o sorvete de matchá de um shopping em Bangcoc. Os dadinhos de tapioca do Picuí, em Maceió. Qualquer sanduíche do Chori, em Buenos Aires.
As pataniscas do Terroso, em Cascais, Portugal. O ceviche do Chez Wong, em Lima.

Cada delícia, uma lembrança. Ou melhor, várias! De um suco de manga para a acompanhar um suposto espaguete à carbonara no parque das montanhas de Siemen, na Etiópia, ao espetinho de carneiro do Karim’s, em Nova Déli.

É preciso, a esta altura, pôr um limite à memória sob pena de não escapar mais desse vórtice de lembranças e sabores. Acho que ele será uma pequena árvore-de-Natal de chocolate que está me esperando para o jantar de hoje.

Pequena mesmo, com pouco menos de 30 cm. Na descrição do site da loja de chocolates Alain Ducasse, seu charme parece desaparecer: seis hexágonos de chocolate, cereais “bio”, frutas secas e amêndoas caramelizadas —acompanha um par de luvas brancas para sua montagem.

Ah! No final do texto eles acrescentam: “Surprenant, ludique et gourmand” (surpreendente, lúdico e gourmand). Mas palavras para quê?

O que essa árvore me traz é a imagem de um canto onde cabem todas as pessoas queridas. Um “pé-de-terra” em Paris onde eu tenho a felicidade de reunir, ao redor dessa árvore, as pessoas que mais amo. Ou, pelo menos, reunia…

A pandemia quebrou uma tradição de quase uma década, mas não o registro de vários Natais felizes. Se agora não estou lá, certamente posso viajar para onde quiser na minha imaginação. Basta provar um pedacinho do chocolate que minha querida amiga Maria Fernanda fez a gentileza de trazer ao Brasil.
Um gesto doce. De amor. Que é tudo que a gente precisa neste Natal. Além de, talvez, um pastel de Tangará.

Fonte: Folha de S.Paulo