Passar a noite em um hotel icônico pode ser transformador

Recentemente estive num hotel estupendo no Mediterrâneo. Lobby amplo, mobília clássica, gente interessante circulando pelos salões, quartos com vistas estupendas para um centro histórico —e, no entanto, nada disso se comparava à sensação que nos atravessa ao cruzarmos a entrada do Copacabana Palace!

Ou do Alvear, em Buenos Aires. Ou o Raffles, em Cingapura. Ou do Ritz, em Paris. Ou do Ciragan Palace, em Istambul. Ou do Okura, em Tóquio. Ou do Claridge’s , em Londres. Ou do Taj, em Mumbai. Ou do Plaza, em Nova York. Ou do Mandarim, em Bancoc.

Cada um desses hotéis espalhados pelo mundo é bastante distinto entre si, mas todos têm uma característica em comum, compartilham entre si um adjetivo fácil de evocar e difícil de definir: são icônicos.

São hotéis luxuosos também, mas cuidado com as conclusões rápidas. Como eu conto num outro texto, seu bem-estar ao longo de uma estadia nem sempre tem a ver com o luxo que dá um verniz às aparências.

No caso do hotel que descrevi ali, cujo nome não revelo por discrição, todo investimento em vesti-lo de elegância não foi suficiente para fazer dele um símbolo icônico. Mas em todos os outros que citei, basta andar por seus salões, subir nos seus elevadores, olhar pelas janelas dos aposentos, e você imediatamente se sente especial por se hospedar neles.

Com exceção do Plaza nova-iorquino e do Mandarim tailandês, já tive a oportunidade de me hospedar em todos eles, experiências que guardo numa pasta preciosa de memórias. No entanto, ainda que elas sejam vívidas, descrever o que vivi naqueles espaços não é tarefa fácil.

Claro que a atmosfera de todos é imponente. Pisar no Ritz, por exemplo, é um convite para se sentir intimidado —ainda mais se é sua primeira vez. Quando estive lá por apenas uma noite, para um aniversário romântico, a caminho de Istambul, fui colocado num quarto tão distante que tive a sensação de que tinha atravessado o quarteirão.

Porém, foi só chegar no quarto mágico, mesmo que “de fundos”, para me encantar. Em menos de dois minutos, estávamos eu e quem me acompanhava fazendo guerra de travesseiros, rindo como duas crianças perdidas num templo de luxo.

Quando entrei no Taj de Mumbai pela primeira vez, foi bem diferente. No caos da maior cidade indiana, fui de cara envolvido por uma serenidade inesperada, abraçado por aromas desconhecidos e gentis, e cercado de cuidados como se fosse, com o perdão do clichê, um marajá.

Essa sensação de ser privilegiado por simplesmente passar a noite em um hotel icônico é transformadora. Na minha primeira vez no Alvear dormi literalmente no chão, por causa de um overbooking —estava lá para o lançamento de uma grande revista e acabei me ajeitando nas acomodações de amigos. Mas quem disse eu estava ligando para isso? O importante é que eu estava no Alvear.

Dormi bem mais confortavelmente no Ciragan (hoje, da rede Kempinsky), também apenas por uma noite —aliás, mal dormi, de tão hipnotizado que estava pela vista do Bósforo cortando Istambul ali na minha varanda. A ansiedade da entrevista que faria na manhã seguinte se diluindo naquela cidade tão fluida.

Com que era a entrevista? Daniel Craig, ainda no papel de 007. E, por uma estranha conexão, isso me lembrou de um outro hotel icônico em que fiquei, o Okura, na capital japonesa, onde foi filmado parte de uma das melhores aventuras de James Bond: “Só se Vive Duas Vezes”.

Fui até lá no final dos anos 1990, entrevistar ninguém menos que Björk, que me recebeu vestida como uma gueixa tradicional no seu quarto todo de biombos com papel de arroz. Se o clima já era de sonho, circular por aquele lobby modernista, com sotaque japonês, era uma viagem onírica digna de Chihiro.

Aquele Okura não existe mais. Fechou em 2015 e foi todo repaginado para as olimpíadas de Tóquio. Ainda não tive a chance de ver como ele ficou, mas aposto que conseguiu se reinventar, sem deixar de ser um ícone.

Como sempre fez, só lembrando, o próprio Copacabana Palace, que agora centenário, e depois de passar por inúmeras pequenas e grandes metamorfoses, ainda conserva um charme que é tão imponente quanto casual. Claro que sua localização em uma praia também icônica ajuda. Mas é necessário muito mais que uma locação perfeita para fazer um hotel assim.

A história do Copa envolve festas memoráveis; hóspedes que vão da realeza ao panteão mais nobre de Hollywood; pequenos escândalos (que o diga o Chateau Marmont, em Los Angeles, EUA); restaurantes que misturam gastronomia e as mesas “certas”; serviço impecável; e pelo menos uma piscina para todos, mesmo os que não são celebridades, poderem desfilar.

De tudo que os próximos cem anos possam trazer, modernidades, amenidades, novidades, eu tenho certeza de que o Copacabana Palace e todos seus pares icônicos não vão deixar de perder essa qualidade tão difícil de definir, mas tão deliciosa de desfrutar.

E olha que nós nem vamos estar aqui para conferir isso em 2123. Mas não duvide que vai ser isso mesmo que vai acontecer…

Fonte: Folha de S.Paulo

Marcações: