Vender pizza americana na Itália, uma ideia genial

Eu realmente gostaria de saber o que se passa na cabeça de quem achou bom negócio a Domino’s Pizza se meter a conquistar o mercado italiano. A rede americana de pizzarias anunciou a falência e o fechamento de sua operação na Itália, noticiou esta semana o Financial Times.

Os gringos da Domino’s tinham planos ambiciosos para as filiais na Itália. Passaram sete anos tentando fazer a coisa decolar. Abriram 29 lojas e sonhavam em deter 2% do mercado italiano de pizza.

Sim, os americanos almejavam assar a pizza de um em cada 50 italianos, da Lombardia à Sicília. É como se o Giraffa’s fosse para os Estados Unidos para vender hambúrguer, com a pretensão de abocanhar um mercado equivalente a toda a população do Tennessee.

Americano vender pizza para italiano é como gaúcho montar franquia de acarajé em Salvador. É como piracicabano querer ganhar dinheiro com pamonha em Goiás.

Desafiar os italianos na cozinha deles é uma guerra que já começa perdida. Americanos adoram guerras perdidas.

Os executivos da Domino’s provavelmente sabiam da insensatez do empreendimento, mas a autoconfiança ianque fala mais alto. Americanos acreditam demais na capacidade de conquistar, de fazer dinheiro, aceitam como verdade todos os cálculos e projeções das planilhas.

Já a Itália é uma enorme aldeia do Asterix, a repelir ferozmente as tentativas de invasão cultural (curiosamente, no gibi, os italianos são os invasores).

Quando o assunto é comida, então, o nacionalismo vira regionalismo, que vira bairrismo no sentido quase literal.

A Itália só existe como nação unificada desde a segunda metade do século 19. Da queda de Roma até lá, a península ficou esfacelada em reinos, ducados, marquesados e principados. Províncias vizinhas se viam como inimigas –e cada uma delas se apegou ferrenhamente à tradição local.

A rivalidade se percebe até hoje. Num vilarejo, o macarrão com molho tal leva refogado de cebolas; 15 quilômetros adiante, a cebola é um pecado mortal na receita da mesma massa.

Quando se trata de defender a gastronomia de ofensas externas, porém, os italianos estão unidos. É motivo de piada internacional a seriedade com que eles se emputecem cada vez que alguém quebra o espaguete ao meio antes de jogar na panela.

Existe até um perfil de Instagram chamado @italians_mad_at_food (“italianos pistolas por causa de comida”), que denuncia as atrocidades cometidas contra pizzas, lasanhas e cappuccinos.

O Brasil é frequentador assíduo da página –fez sucesso por lá uma birosca de Paranaguá que põe caranguejos inteiros na pizza.

A comida é a última coluna do Império Romano que ainda está em pé. A Itália colonizou o resto do mundo com macarrão e pizza. É uma superpotência e, como tal, fala grosso com quem desrespeita seus ditames –colocando abacaxi na pizza ou creme de leite na carbonara, por exemplo.

Na pizza, nunca existiu Pax Americana. Ainda vale a Pax Romana ou nem isso. É a Pax Neapolitana, mesmo.

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Fonte: Folha de S.Paulo