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A escola no Texas onde todas as estudantes são mães adolescentes

  • Angelica Casas
  • De Brownsville (Texas, EUA) para a BBC News

Alunas segurando um de seus bebês em uma sala de aula
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Creche da escola Lincoln Park oferece serviços gratuitos para as alunas

No final de um ano que viu a maternidade no centro de um debate acalorado nos Estados Unidos, uma escola para mães adolescentes no Estado do Texas mostra como as vidas das jovens estão sendo assistidas — e transformadas.

Era o início de 2021 e Helen vinha comendo mais que o habitual. A jovem, prestes a completar 15 anos de idade, não conseguia explicar por que seu apetite parecia ter aumentado tanto.

“Isso é normal?”, perguntou ela à sua irmã mais velha. Ela respondeu que talvez fosse.

Mas Helen também andava mal-humorada, brigando facilmente com a família e os amigos. Até que sua menstruação atrasou.

No dia do seu aniversário, Helen descobriu que estava grávida. “Não podia acreditar”, ela conta.

Seus amigos logo começaram a evitá-la, acusando de usar a gravidez para “conseguir garotos”. O pai da criança, seu colega de classe, parou de falar com ela.

“Eu não queria ficar brigando com eles”, segundo Helen. Por fim, perto do final da gravidez, ela decidiu mudar de escola.

Vista de fora, a escola Lincoln Park tem a mesma aparência de qualquer outra do ensino médio nos Estados Unidos — tijolos de argila, ônibus escolares estacionados na frente e a bandeira americana balançando ao vento.

Mas, no lado interno, além dos sons dos adolescentes indo para suas classes, pode-se ouvir o choro e o balbuciar de bebês.

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Estudante grávida no horário do almoço

Nas paredes, cartazes incentivando os jovens a irem para a faculdade ficam ao lado de anúncios de serviços de gravidez e cursos para pais. E, ao lado do edifício principal, fica uma creche.

A escola fica na cidade de Brownsville, no Texas, cidade norte-americana na fronteira com o México. Ela é um dos últimos prestadores de um serviço educacional específico: lecionar para mães adolescentes.

As taxas de natalidade entre os adolescentes nos Estados Unidos caíram nas últimas três décadas. Mas, entre as jovens de origem hispânica, a gravidez de adolescentes segue sendo muito mais comum que para o restante da população.

As jovens de origem latina têm a maior taxa de gravidez de adolescentes de qualquer grupo populacional. E os especialistas advertem que, após a decisão da Corte Suprema de eliminar a proteção federal ao aborto, em 2022, os números provavelmente irão aumentar.

Quase todas as alunas da escola secundária Lincoln Park, que atende exclusivamente mães adolescentes desde 2005, têm de 14 a 19 anos de idade. Todas elas são de origem latina – um reflexo dos 94% de população hispânica da cidade e das taxas mais altas de gravidez de adolescentes.

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Crianças frequentam creche em Lincoln Park, escola secundária apenas para mães grávidas e grávidas em Brownsville, Texas

A maioria delas é de baixa renda e algumas nasceram nos Estados Unidos, moram no México e cruzam todos os dias a fronteira com a cidade de Matamoros, no Estado mexicano de Tamaulipas, para comparecer às aulas nos Estados Unidos.

Em meio a discussões culturais e políticas nos Estados Unidos sobre reprodução, a escola Lincoln Park fornece uma noção de como ser mãe molda as vidas das jovens que já enfrentam os desafios dessa mudança de vida monumental e inesperada.

‘Agora preciso pensar em mim e na minha família’

Helen conta que se convenceu a mudar para Lincoln Park pela possibilidade de levar sua bebê para escola.

Falando para a BBC em junho no intervalo entre as aulas, ela ainda tinha a aparência de uma adolescente tímida de olhos escuros, vestindo uma bermuda rosa-claro e camiseta preta. Mas, na sua mochila, ao lado dos livros e revistas, havia fraldas e roupas de bebê para sua filha Jenine, agora com oito meses de idade.

“Costumava ser apenas eu, mas agora preciso pensar em mim e na bebê”, ela conta.

Cerca de 70 alunas estão matriculadas na escola, mas esse número oscila ao longo do ano à medida que entram novas alunas grávidas e jovens mães preferem voltar às suas escolas anteriores depois do parto.

Na época da visita da BBC à escola Lincoln Park, sete alunas do ensino médio com menos de 14 anos de idade estavam matriculadas, além de três outras que tinham três crianças cada uma.

O currículo escolar é exatamente o mesmo das outras escolas do distrito e as alunas também devem ser aprovadas nos exames. Mas as diferenças estão nos detalhes.

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Bebês na creche da escola secundária Lincoln Park

Todos os ônibus escolares que transportam algumas das alunas têm cadeirinhas para os bebês. Pela manhã, as alunas podem pegar café da manhã para elas e para a criança. E os bebês podem ficar na creche da escola, sem custo.

As alunas têm permissão para ausências abonadas para consultas médicas das crianças. Em uma das salas de aula, o professor de ciências tem um armário alto no canto, com roupas de bebês para as mães que precisarem.

Intimidade, camaradagem, dor — e vida

Como Helen, Alexis tinha 15 anos de idade quando descobriu que estava grávida.

Ela fez três testes de gravidez em casa e todos tiveram resultado positivo. Ainda negando os resultados, ela consultou um médico, que confirmou que ela esperava um menino.

“Foi muito difícil para mim”, afirma Alexis. “Eu não queria sair da escola porque sabia que não era a forma certa de lidar com a situação.”

Até que ela encontrou a escola Lincoln Park. Seu filho agora tem cerca de um ano de idade.

Dentro das salas de aula, existe um profundo senso de camaradagem e intimidade. É quase chocante para quem vem de fora, mas claramente muito natural para as alunas e os funcionários.

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America é aluna da escola Lincoln Park e deixa na creche sua filha de um ano, Sophia, para poder estudar

Sentada na aula de matemática em uma terça-feira de manhã, Alexis virou-se para contar ao seu professor, o Sr. Arredondo, que ela já havia se matriculado para o ano seguinte. “Estou cuidando disso”, afirmou ela, com o polegar para cima.

Alexis e suas colegas olharam para a porta quando uma aluna chegou atrasada para a aula. Visivelmente perto do final da gravidez, ela andava lentamente, cambaleando um pouco. Todas as meninas sorriram e Alexis estendeu seu braço para a colega quando ela chegou mais perto.

“Quero tocar sua barriga”, pediu ela.

O professor Arredondo é a pessoa na sala com menos experiência de cuidar de crianças — pelo menos, em termos de experiência própria. Mas ele lecionou para tantas alunas grávidas que aprendeu uma ou outra coisa.

“Quando as meninas dizem que vão precisar de uma epidural, o que você pensa?” perguntou ele.

“Acho que vou precisar dela”, riu a aluna grávida.

“Se você não tiver, meu Deus, dói muito”, explica Alexis, rindo.

Segundo os Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC, na sigla em inglês), para cada 1.000 mulheres jovens com 15 a 19 anos de idade, 15 delas deram à luz em 2020. Os dados não incluem as taxas de natalidade de adolescentes com menos de 15 anos.

Mesmo com a queda geral no país, o Texas ainda está acima da média nacional e é sempre incluído entre os 10 Estados americanos com a maior taxa de gravidez de adolescentes.

Em Brownsville, a gravidez de adolescentes representa 12% — mais de um em cada 10 partos da cidade.

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Diretora da escola Lincoln Park, Cynthia Cardenas, reafirma a importância de escolas como a que ela dirige para oferecer às mães adolescentes a possibilidade de concluir seus estudos

Existem inúmeros fatores que causam aumento das taxas de gravidez de adolescentes. Mas, no Texas, alguns especialistas mencionam as rigorosas leis antiaborto do Estado e o fato de que a educação sexual não é exigida nas escolas.

Chega a 58% o percentual das escolas públicas do Texas que ensinam educação sexual com base apenas na abstinência, enquanto 25% não têm aulas de educação sexual, segundo o grupo liberal de líderes comunitários e religiosos Texas Freedom Network.

“Enquanto não repassarmos essas informações, elas não receberão educação”, diz a diretora da escola Lincoln Park, Cynthia Cardenas.

“Elas não recebem a oportunidade de escolher se querem ou não as consequências.”

As adolescentes do Texas que ficam grávidas precisam enfrentar um sistema de saúde pública complexo para ter acesso à assistência médica ou enfrentar algumas das leis antiaborto mais rigorosas do país, se decidirem pôr fim à gravidez.

Viajar para fora do Estado para o aborto, muitas vezes, não é uma opção viável para as mulheres de baixa renda, especialmente quando são menores de idade. Nem as escolhas sobre o que fazer vêm com clareza ou facilidade.

No início da gravidez, Helen considerou fazer um aborto ou dar sua filha para adoção. Sua mãe disse que apoiaria qualquer decisão que ela tomasse.

Mas, por fim, depois que ela deu à luz e viu sua bebê, Helen decidiu ficar com ela. “Minha bebê é a melhor coisa que aconteceu para mim”, ela conta.

Jenine é uma criança ativa que fica na creche e usa um grande arco colorido diferente sobre a cabeça a cada dia, combinando com sua roupa. “Tenho o amor da minha vida nas mãos, ela é tudo para mim”, afirma sua mãe.

Falta apenas um ano para Helen formar-se no ensino médio. Ela sonha em ir para a faculdade e poder sustentar sua filha. Mas, na verdade, apenas a metade das mães adolescentes conclui o ensino médio e uma proporção ainda menor sai em busca do nível superior, segundo o CDC.

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Índice de gravidez na adolescência entre as jovens de origem latina nos Estados Unidos é muito superior à média nacional

Questionada se ela imagina onde estaria, não fosse por Lincoln Park, Helen responde: “Honestamente, não tenho ideia. Provavelmente em casa, em dificuldades com minha bebê.”

Plantar a semente da faculdade

O desafio da maternidade é grande, especialmente no começo.

Estudos demonstram que a gravidez na adolescência é um fator de risco para a depressão. Mulheres que ficam grávidas na adolescência representam mais da metade das mães que recebem auxílio do governo.

A tensão da pobreza e da juventude enfrentada pelas mães da escola Lincoln Park faz com que algumas se desinteressem pela escola ou pensem que será impossível aumentar sua formação com um filho para criar.

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Em Brownsville, a gravidez de adolescentes representa 12% — mais de um em cada 10 partos da cidade.

Durante o almoço, Alexis e três outras alunas se revezam compartilhando fotos de suas crianças pequenas. Uma delas havia acabado de aprender a andar e outra tinha cortado o cabelo.

“Ohhh, que bonita”, diziam elas em espanhol, quase em coro.

Cardenas almoça com as meninas na maioria dos dias e se aproxima do grupo. Como a maior parte delas está a um ano da formatura, a diretora pergunta se elas prestaram seus exames para entrar na faculdade.

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Placa de incentivo à leitura para crianças na Lincoln High School

“Eu já fui aceita em uma escola, mas não acho que quero ir para a faculdade”, afirma Angela, aluna nascida nos Estados Unidos que mora no México.

Ela cruza a fronteira todos os dias para vir a Lincoln Park, empurrando seu bebê no carrinho ao longo da ponte para pedestres que separa Brownsville de Matamoros. Para ela, o dia começa às cinco horas da manhã, quando ela vai para a fila da travessia, ao sul da fronteira.

Às vezes, ela perde as aulas porque trabalha como diarista para ajudar a sustentar sua pequena família.

Mas Alexis interveio para contar a Angela o que ela havia aprendido em uma recente sessão de informações sobre a faculdade. “Lá, eles têm uma creche e, se os seus filhos forem quietos, o seu bebê pode ir para a aula com você”, contou ela.

“Às vezes, você pode conseguir um dormitório para toda a família, como um pequeno apartamento”, acrescentou ela.

Os olhos de Angela brilharam. “Agora tenho que ir! Preciso ir!” Todas riram.

As estatísticas se acumulam contra elas, mas um dos objetivos da escola Lincoln Park é tentar “plantar a semente da faculdade” nas alunas, segundo Cardenas. “E que elas tenham sucesso e ensinem aos seus filhos que eles também têm uma saída.”

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Por fora, uma escola como todas as outras dos Estados Unidos. Por dentro, a escola secundária Lincoln Park oferece apoio a mães adolescentes

Alunas se aproximam da diretora para pedir conselhos sobre relacionamentos e criação de filhos, para pedir ajuda sobre moradia, fraldas e alimentos para o bebê.

Ela já teve alunas que chegaram depois de serem expulsas de casa e outras que indicaram que queriam sair da escola para trabalhar em tempo integral e sustentar o seu bebê.

“Às vezes, elas não sabem como criar um bebê”, afirma Cardenas. “Nós temos seu futuro nas mãos como educadores. Precisamos fazer isso da forma certa.”

‘O que vocês plantarem agora, irão colher a recompensa’

Espera-se que a decisão cause impactos desproporcionais sobre as adolescentes, segundo o grupo de pesquisa norte-americano Child Trends, dedicado ao bem-estar das crianças. As adolescentes têm mais probabilidade de saber da gravidez mais tarde, mais dificuldade para encontrar apoio e uma probabilidade maior de necessitar de um aborto.

“Estive pensando nas implicações da reversão do caso Roe x Wade”, afirma Cardenas. Ela ressalta que as mulheres hispânicas estão entre os maiores grupos de procura pelo aborto nos Estados Unidos.

“Minha esperança é promover a educação sexual no fim do ensino fundamental e no ensino médio e que nós, educadores, criemos um plano de ação para seguir se tivermos mais adolescentes tendo bebês por conta [da reversão do caso Roe x Wade]”, afirma ela.

“Não são muitos os distritos escolares que oferecem escolas como esta”, acrescenta. “Se você me perguntar, é preciso? Sim. Mesmo se conseguirmos fazer a diferença na vida de 10 meninas, sim. São meninas que não conseguiriam passar em uma escola tradicional.”

Painéis de vidro nas paredes da escola mostram fotografias de classes de alunas anteriores que já se formaram, sorrindo. E, toda semana, um profissional local vem se apresentar às estudantes, como parte de uma série de palestras sobre carreiras.

“O que vocês fazem, vindo para a escola sendo mães e tendo filhos, é difícil”, diz uma jovem palestrante a elas. “Saibam que o que vocês plantarem agora, irão colher a recompensa.”

Fonte: BBC