Como vive a elite venezuelana em Caracas

Pessoas jantando no restaurante La EsquinaDireito de imagem Divulgação
Image caption Em um país em crise, restam poucos lugares como o restaurante La Esquina

Há poucos sinais da crise pela qual passa a Venezuela no restaurante La Esquina, localizado em uma região nobre da capital do país, Caracas.

Música sai dos alto-falantes escondidos em meio à vegetação exuberante. O moderno bar no jardim tem vista para a piscina, peça central do restaurante. No interior, há uma parede inteira de opções de vinhos finos para os clientes, enquanto o menu inclui itens como carpaccio, poke e azeite trufado.

Este restaurante está a um mundo de distância de grande parte da Venezuela, onde cerca de 90% das pessoas vivem na pobreza e a inflação atingirá 10.000.000% neste ano, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI). Com o salário mínimo em torno de US$ 5 (R$ 20), a maioria das pessoas tem dificuldades de pagar por uma dúzia de ovos ou um simples saco de arroz.

Enquanto isso, no lado mais abastado da cidade, há um pequeno supermercado que vende produtos importados para aqueles em melhores condições. A maioria dos clientes são estrangeiros e os venezuelanos mais ricos, inclusive os chamados “boligarcas” – apelido dado à nova oligarquia que se deu bem sob a “revolução bolivariana” de Hugo Chávez (19564-2013) e Nicolás Maduro.

Nas prateleiras, há pasta de queijo gourmet, azeitonas e caviar. Uma perna de jamón serrano, um tipo de presunto espanhol curado, custa US$ 1,8 mil (ou quase R$ 7,2 mil).

Direito de imagem Getty Images
Image caption A Venezuela sofreu um apagão recentemente

Em um país que já foi um dos mais prósperos da região, restam poucos lugares como este. Mas, mesmo nos piores momentos, é notável que eles ainda existam.

Privilégios decrescentes

Ronald Balza Guanipa, reitor da faculdade de Economia da Universidade Católica Andres Bello, em Caracas, diz que os clientes destes negócios se limitam a dois tipos de venezuelanos: aqueles que recebem dinheiro de parentes no exterior e aqueles que recebem salários em outras moedas.

São um resultado, afirma ele, de épocas anteriores, quando as receitas do petróleo eram altas e os venezuelanos podiam economizar. Mas isso mascara uma realidade difícil mesmo para os mais privilegiados.

“Só porque há pessoas que ainda podem comer em restaurantes não significa que elas conseguem obter todos os medicamentos de que precisam”, diz Guanipa. “Elas não podem planejar a educação de seus filhos, comprar peças de carros ou pensar no futuro.”

Desde 2013, quando o presidente Hugo Chávez morreu, a economia da Venezuela encolheu mais de 50%. “Para alguns, foi bem mais do que isso, e por isso há tanta pobreza”, diz Guanipa.

“Enquanto isso, milhões de venezuelanos foram embora. Os que vemos nos restaurantes têm família no exterior.”

Dificuldade crescente

A recente escassez de energia em todo o país dificultou ainda mais vidas que já estavam difíceis. “A escassez de energia nos pegou de surpresa. Estávamos esperando que isso acontecesse algum dia, mas nunca pensamos que seria tão cedo”, diz Carlos César Ávila, dono da rede de cafés Franca.

Ele tem 200 funcionários, quatro lojas e se prepara para abrir a quinta. “Nos dias em que não tínhamos energia, não tínhamos clientes. Nos dias em que tínhamos energia em algumas lojas, elas ficavam abarrotadas de gente, porque eram como se fossem paraísos em meio ao caos.”

Image caption A rede de cafés Franca tem 200 funcionários, quatro lojas e se prepara para abrir a quinta

Apesar dos desafios e do número de venezuelanos que deixaram o país, ele ainda vê uma oportunidade em atender às 30 milhões de pessoas que vivem na Venezuela.

“As pessoas que vivem aqui precisam de tempo de lazer, precisam se reunir, tomar café, e isso é basicamente o que oferecemos, um refúgio”, diz ele.

“Para trabalhar neste setor, você precisa de funcionários, fornecedores. Portanto, mesmo que nosso impacto pareça pequeno, de alguma forma acabamos beneficiando muitas pessoas.”

Mas o empresário admite que manter seu negócio é difícil. “É como andar de bicicleta ladeira acima: se você parar, vai cair. Você tem de continuar pedalando.”

‘Todos nós fomos atingidos’

Daniela Salazar, que trabalha com marketing e ganha US$ 150 (R$ 597) por mês, é uma das clientes de Carlos que desfruta de um café e uma fatia de bolo com um amigo.

“Se você tiver sorte o suficiente de ganhar em dólar, pode viver decentemente”, diz ela, admitindo que a comida à sua frente vale um salário mínimo na Venezuela.

“Costumava consumir muito mais, comer bolo e biscoitos, pagar a conta de amigos, mas, agora, é só um café. Hoje é uma exceção, porque é meu aniversário.”

Image caption Yuraima Cruz (dir.) costumava trabalhar como psicóloga do governo, mas, hoje, atende em um consultório e cobra em dólar

Perto dali, Yuraima Cruz está comemorando sua aposentadoria com sua irmã Yajaira e alguns colegas. Ela costumava trabalhar como psicóloga para governo. Agora, trabalha em um consultório particular e cobra por suas consultas em dólar.

“Ganho melhor, mas não é suficiente para lidar com a inflação”, diz ela, que ganha uma pensão do governo de cerca de US$ 5 por mês.

“Com o meu salário do governo, costumava pagar a escola do meu filho, comprei um carro”, diz ela, melancolicamente. “Eu e meus amigos todos temos diploma universitário, já fomos de classe média, mas todos fomos atingidos pela crise.”


Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!

Fonte: BBC