Copa do Mundo 2022: Como Messi foi de ‘rejeitado’ a ‘última esperança’ dos argentinos no Catar

  • Marcia Carmo
  • De Buenos Aires para a BBC News Brasil

Lionel Messi

Crédito, Getty Images

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Atacante argentino deixou país natal aos 13 anos

A Argentina entra em campo contra o México neste sábado (26/11) às 16h de Brasília com o desafio de não ser eliminada da Copa do Mundo do Catar, após perder para a Arábia Saudita por 2 a 1 na última terça-feira (22/11).

Para isso, conta com sua principal estrela, o atacante Lionel Messi, de 35 anos.

O argentino deixou seu país natal há mais de duas décadas, quando tinha apenas 13 anos, baixa estatura e era descrito como tímido.

Com o tempo e os tratamentos que realizou, como ele mesmo conta, ganhou centímetros na sua altura, colecionou troféus internacionais e se tornou capitão da seleção argentina de futebol.

E, apesar de tanto tempo morando longe de Rosario, na província argentina de Santa Fe, ele continua falando como um rosarino.

Em Rosario, costuma-se falar eliminando o ‘r’ e o ‘s’ das palavras finais das frases.

Em uma entrevista transmitida pela TV Pública Argentina (TVP), em novembro do ano passado, Messi comentou sobre suas expectativas para a Copa do Mundo do Catar neste 2022 e disse, ‘engolindo’ o ‘s’: “Ainda falta para sermos um dos grandes candidatos (a campeão do Mundial)”.

Esse é apenas um detalhe na identidade do rosarino, como observam seus compatriotas.

Crédito, Arquivo pessoal

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Lucio Reitich (dir) com Messi: publicitário mora em frente à casa dos sogros de Messi, em Rosario

“Essa é uma característica nossa. Por exemplo, em vez de ‘espetacular’, falamos ‘espetaculá’. Para mim, é mais um motivo para sentir orgulho dele. Tanto tempo longe e Messi não fala como os espanhóis, mas como nós, rosarinos. Por isso, diz ‘che’ (cara) e não ‘tio’, como na Espanha”, diz o publicitário Lucio Reitich, que mora em frente à casa dos sogros de Messi, em entrevista por telefone à BBC News Brasil.

Ex-jogador do Barcelona e jogador do Paris Saint Germain, Messi viaja com frequência para Rosario, mantém a amizade com os amigos de infância e ali, a cerca de 300 quilômetros de Buenos Aires, realizou a festa de casamento com sua namorada desde os tempos de criança Antonela Roccuzzo, em 2017. A festa contou com a presença de jogadores de vários países entre os convidados.

Seleção argentina

Mas apesar de manter vivas suas raízes, entre as quais passar as festas de fim de ano na casa dos sogros, também em Rosario, Messi demorou a conquistar o coração de muitos argentinos que o viam como “pouco apaixonado” na hora de entrar em campo com a camiseta da seleção do país.

Nas Copas passadas, era comum ouvir em Buenos Aires queixas de taxistas e comerciantes que diziam que ele jogava “muito bem” no Barcelona, mas “não tinha a mesma garra” na seleção argentina.

Esse sentimento mudou, pelo menos por enquanto, quando Messi ergueu a taça de time campeão no Maracanã, na Copa América em julho de 2021, observa o jornalista esportivo argentino Carlos Ares, com 40 anos de experiência e atualmente colunista da revista Perfil, de Buenos Aires.

‘Bola de ouro’ e ‘Pulga’

Foi a primeira vez, na fase adulta, que Messi conquistou um troféu para seu país, apesar dos vários triunfos no Barcelona, onde jogou durante mais de quinze anos, e apesar de colecionar sete prêmios ‘Bola de Ouro’ de melhor jogador do mundo, além de premiações como melhor jogador da Europa, entre outras láureas internacionais.

Messi joga há quase 20 anos com a camiseta argentina. Nas seleções sub-20 e na sub-23, quando era chamado, principalmente, de ‘Pulga’, em função de sua baixa estatura, ganhou prêmios para o país e abriu seu caminho para a estreia, aos 18 anos, na Copa do Mundo de 2006. Foi o jogador mais jovem de uma seleção na época, segundo a imprensa argentina.

Crédito, Reuters

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Vitória da Argentina na Copa América de 2021 mudou a percepção de muitos torcedores argentinos quanto a Messi

‘A Copa de Messi?’

O Mundial de Catar é o quinto no seu currículo e aqui os especialistas em futebol disseram que esta seria ‘a Copa de Messi’, principalmente depois da conquista da Copa América. “Com esse troféu, Messi se liberou do peso (da cobrança de prêmios) que carregava quase exausto”, escreveu o jornalista Daniel Arcucci, do jornal La Nación, de Buenos Aires.

Segundo ele, Messi estaria agora em seu melhor momento. “Maduro, feliz e líder. Ele é um animal competitivo e tem como meta ganhar a Copa do Mundo, que é o que lhe falta”, afirmou Arcucci.

Mas na Argentina, Messi enfrenta comparações quase permanentes com outro craque do país, Diego Armando Maradona (1960-2020).

“Com a Copa América, em pleno Maracanã, Messi ficou a um passo do altar que a Argentina reserva para Maradona”, diz Ares.

A imprensa argentina afirmou que Messi tinha conquistado um ‘Maracanazo’, vencendo o Brasil em casa e que a notícia percorreu o mundo. Mas para alguns setores no país, ainda há diferença de escalas entre Messi e Maradona, já que o ex-craque também venceu a Copa do Mundo em 1986, no México.

O prestígio de Messi, depois da Copa América, acredita Ares, poderia estar em risco, junto a alguns setores do país, desde a derrota da seleção argentina (2 a 1) para a Arábia Saudita, em sua estreia na Copa do Mundo do Catar na última terça-feira (22/11).

‘Desolação’

Os argentinos não disfarçavam sua frustração com o resultado. “Ficou mais difícil vencer a Copa”, diz um torcedor do bairro de Caballito, refletindo o sentimento que parecia ser de muitos na Argentina.

Crédito, Reuters

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Torcedores com imagem de Maradona na Copa do Catar: Messi enfrenta constantes comparações com o craque argentino

O cientista político e professor da Universidade de Buenos Aires (UBA) Martín Leguizamon nota que a “desolação foi total” e há quem tema por mais uma “frustração argentina”, num país que, segundo ele, tem um histórico de sonhos interrompidos e de altos e baixos tanto no futebol como no âmbito politico, por exemplo.

Maradona e tango

Na sexta-feira (25/11), torcedores argentinos compartilharam vídeos de homenagem ao ex-jogador Maradona, na data de dois anos da sua morte. Na emissora de televisão C5N, o comentarista esportivo Victor Hugo Morales conduziu um programa especial sobre o ex-craque.

“Maradona, Deus, uma legenda, que nasceu no (bairro pobre) Fiorito e conquistou o mundo e entrou para a eternidade”, afirmou.

Para alguns analistas, a “paixão” por Maradona e seu estilo controvertido estava associada ao fervor do tango que simboliza o país. Mas a vida do ex-craque, de gols e de escândalos com ampla cobertura pela imprensa, parece diferente da vida de Messi.

Para o ex-jogador Jorge Valdano, que jogou com Maradona e costuma falar com Messi, os dois atletas são brilhantes. “Maradona era mais artístico do que Messi. Mas os dois são igualmente gênios”, disse.

O cientista político Leguizamon disse que Maradona era carismático, mas como dizia o intelectual alemão Max Weber, citou ele, o carisma não se compra. “Messi tem características muito diferentes das que tinha Maradona. Messi é um bom rapaz, bem comportado, admirado no exterior e fica até difícil falar mal dele”, afirmou Leguizamon. Ele observa que o atleta é, principalmente, admirado pelos jovens do país.

‘Comparação injusta’

“Muita gente o criticava porque faltava que ele ganhasse um troféu para a Argentina. Mas essa comparação é injusta. Na minha geração é difícil não achar quem não goste de Messi, quem não torça por ele. Acho que é um orgulho termos a Maradona e a Messi no mesmo país”, diz o rosarino Lucio Reitich, de 23 anos.

Fã de Messi, Reitich tem três fotos com o capitão da seleção argentina e que foram tiradas em anos diferentes, mas sempre nas redondezas da sua casa que fica em frente à casa dos sogros do jogador.

“Na primeira vez, eu o vi de bicicleta, e eu e um amigo ficamos tão nervosos que nossas mãos tremiam e ficamos com medo de não conseguir tirar a foto com ele. Mas Messi é sempre tão simples e tão afável que tirou a foto sem problemas”, conta.

No seriado da Netflix chamado Sejam eternos: campeões da América (‘Sean eternos: campeones de America’), que estreou no início deste mês, conta-se, com depoimentos dos jogadores argentinos e de outros países — como Neymar, que é amigo do argentino — como o time liderado por Messi venceu no Maracanã.

“Muchachos, chegamos até aqui e agora vamos vencer”, diz ele aos jogadores antes de entrarem em campo.

O comentarista esportivo Gonzalo Bonadeo, da emissora TN (Todo Noticias), disse que Messi se firmou, nos últimos tempos, como um líder.

“Messi se transformou em líder. Ele jogou cerca de 60 partidas em cerca de quinze anos. Hoje podemos dizer que ele é velocidade, mas também um profissional responsável. Contou com a ajuda da ciência, da alimentação apropriada. Mas ele não dá detalhes”, diz Bonadeo, pouco antes do jogo contra a Arábia Saudita e quando a Argentina parecia muito mais otimista com o Mundial.

‘Disciplinado, tímido e caladinho’

A jornalista rosarina Hagar Blau Makaroff, do portal Rosario Plus, conta que em Rosario já são vários os murais com o rosto do jogador, como uma forma dos moradores de homenagearem o atleta que “saiu de Rosario, mas Rosario não saiu dele”.

“E agora, na Copa de Catar, o bairro dele, que fica no sul da cidade, está cheio de bandeiras da Argentina”, diz.

A professora Andrea Sosa, da escola Las Heras, que deu aulas para Messi na infância, lembrou que Messi era “disciplinado, tímido e caladinho”. Mas que na hora do jogo de futebol, chamava a atenção por suas piruetas em campo.

Barcelona

Foi nessa época que o técnico espanhol Carles Rexac, do Barcelona, ouviu sobre um jovem e talentoso jogador de Rosario. “Pensei que fosse alguém de 17 ou 18 anos. Mas era um menino de treze anos”, conta Rexac.

Ele lembrou à imprensa espanhola que o desafio era levar um menino para longe de casa. Por isso, propôs que a família toda viajasse com ele para Barcelona.

O espanhol diz que na comissão do clube observavam que além da idade, Messi era “baixo e magrinho” e seu físico seria outro desafio.

“Ele era muito tímido, calado, mas no campo era espetacular”.

Hormônios do crescimento

Em uma entrevista ao canal América, de Buenos Aires, o jogador contou que fez um tratamento com hormônios para o crescimento.

“Tinha uns onze ou doze anos e a cada noite recebia uma injeção de hormônios do crescimento na perna. Meu pai e minha mãe me aplicavam, mas depois passei a fazer isso sozinho. Era algo de rotina e eu não sentia nenhuma dor”, disse.

O endocrinologista argentino Diego Schwartzstein, que foi quem diagnosticou a carência de hormônios do crescimento em Messi, disse que sem o tratamento ele poderia ter medido cerca de dez centímetros menos. O atleta mede 1,70 m.

O torcedor rosarino de Messi, Lucio Reitich, fez o mesmo tratamento que seu ídolo.

“Acho que Messi contribuiu também para sabermos que esse problema existe. Tenho motivos de sobra para admirá-lo dentro e fora dos campos. Para mim, ele é um exemplo de superação”, diz. Hoje, Messi e sua família são donos de um “empório” que inclui empreendimentos também em Rosario, como observa Carlos Ares.

Mas ainda falta vencer a Copa do Mundo para ser admirado pela maioria dos argentinos, acrescenta ele.

Fonte: BBC