- Shin Suzuki
- Da BBC News Brasil em São Paulo
No último domingo (20/11), dia da abertura da Copa do Mundo de 2022, uma briga generalizada com socos, pontapés, pedras e pedaços de pau entre torcedores de camisas do Brasil e da Argentina foi registrada em vídeos que surgiram depois nas redes sociais.
As cenas de violência não aconteceram no Catar, sede do torneio da Fifa, nem na América do Sul. O confronto ocorreu nas ruas da cidade de Coulão (Kollam), no Estado de Querala, no extremo sul da Índia — um país sem tradição no futebol e que nunca jogou uma Copa do Mundo.
Segundo sites indianos, o confronto ocorreu durante um evento organizado para ver o jogo de abertura por torcedores de diferentes seleções — é possível ver um homem com uma camiseta de Portugal no meio da briga. Coulão, por sinal, foi alvo da colonização portuguesa, que ergueu uma feitoria lá em 1505.
O jornal Mathrumbhumi diz que idosos da região apartaram a confusão e a polícia inicialmente decidiu não registrar ocorrência. Segundo a publicação, as autoridades policiais mudaram de ideia após a repercussão nas redes sociais.
Não foram divulgados detalhes sobre o que desencadeou o distúrbio, se houve feridos com gravidade ou se prisões foram realizadas.
Mas esse não foi o único incidente no último domingo no Estado indiano.
Na cidade de Palakkad, torcedores jogaram pedras na polícia, que realizava bloqueios em meio à movimentação para acompanhar a abertura da Copa. Houve uso da força em resposta. Dois policiais ficaram feridos.
M. M. Jaffar Khan, um jornalista indiano que escreveu um livro sobre a história do futebol na região, diz à BBC News Brasil que confrontos entre os torcedores às vezes surgem em cidades de Querala, mas que nunca ocorreu uma “calamidade”.
Em Bangladesh, país vizinho à Índia, já houve registros de casos com mais gravidade: em junho deste ano, sete pessoas ficaram feridas durante uma briga que envolveu 300 torcedores de Brasil e Argentina. Em 2018, até facões foram utilizados em confrontos.
Autoridades bengalis ficaram em alerta para a final da Copa América vencida pelos argentinos no ano passado — e conflitos chegaram de fato a ser registrados.
Sem atingir esse nível de violência, uma paixão fervorosa pelas duas seleções sul-americanas motiva há décadas os indianos de Querala, afirma Khan.
“80% das pessoas no Estado ou são Argentina ou são Brasil.”
O jornalista conta que a geração brasileira de Pelé, Garrincha e Didi criou os primeiros fãs mais dedicados ao futebol no Estado, mas a conquista do bicampeonato mundial pela Argentina de Maradona em 1986 equilibrou as forças entre os rivais sul-americanos.
Em 2012, a visita de Maradona à cidade de Cananor, no Estado, como embaixador de uma marca de joias reuniu 5.000 pessoas nas ruas, conta o jornalista.
E a subida ao estrelato de Messi e Neymar em anos recentes manteve o interesse aceso.
“É difícil dizer que tem mais torcida. Eu diria que é metade-metade.”
Khan vê um elemento político para a admiração por Brasil e Argentina em Querala: “Muitos aqui relacionam o futebol com a classe trabalhadora e se identificam com seleções de países que são pobres. Acham que as estrelas dos times também são assim”.
No clima da Copa
Mesmo sem um time competitivo no cenário do futebol mundial — a equipe masculina da Índia é antepenúltima do ranking da Fifa, com 108 seleções — , os indianos estão imersos no clima da Copa do Mundo.
Torcedores ergueram um cartaz de mais de 9 metros de altura de Messi em um rio de Querala. Para não ficar atrás, os fãs de Cristiano Ronaldo e Neymar logo colocaram os seus. A competição informal chamou atenção da Fifa, que tuitou sobre os cartazes.
Khan também relata que cidades e vilarejos do Estado estão decorados com referências às duas seleções sul-americanas, e pais de estudantes da região tentam negociar com escolas e professores uma pausa nas aulas para assistirem aos jogos de Brasil e Argentina.
Além disso, há as extravagâncias realizadas em nome da Copa.
Um empresário organizou uma jornada por várias cidades indianas até a chegada ao Catar portando uma estátua dourada de Maradona. O site Business Insider diz que um grupo de 17 amigos de Querala comprou uma casa só para ver os jogos do torneio juntos.
Com tantas demonstrações de paixão, a numerosa comunidade indiana que trabalha no Catar, proveniente em grande parte do Estado, ficou revoltada ao ser chamada recentemente de “torcida falsa” por sites e usuários de redes sociais.
Uma semana antes do jogo inaugural, milhares foram às ruas de Doha com as camisas das seleções que apoiam. Surgiram acusações de que eram grupos pagos para promover o torneio porque o tipo físico mostrado nas fotos não correspondia aos torcedores do países.
“Isso nos machucou muito”, disse um indiano à agência France Presse.
“As pessoas não sabem o quanto as pessoas são ligadas em futebol em Querala.”
Fonte: BBC