Coronavírus: fechar fronteiras ajuda a evitar propagação?

Policial alemão usa uma máscara no controle de motoristas na fronteira entre Alemanha e França no dia 12 de março de 2020Direito de imagem PATRICK HERTZOG/AFP
Image caption Na fronteira com a França, policial alemão usa uma máscara no controle de motoristas

Com o rápido aumento do número de casos da covid-19, a doença causada pelo novo coronavírus que já infectou mais de 180 mil pessoas e causou mais de 7 mil mortes ao redor do mundo, diversos países anunciaram o fechamento de fronteiras e outras restrições a viagens e ao movimento de pessoas, em uma tentativa de conter a propagação do vírus.

Na segunda-feira (16/3), primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau, anunciou o fechamento das fronteiras do país a estrangeiros.

Estão isentos da medida cidadãos e residentes permanentes do Canadá, cidadãos americanos, familiares e diplomatas. Mas mesmo esses cidadãos serão impedidos de embarcar em voos para o país caso apresentem sintomas da doença, e todos os que desembarcarem no país deverão passar por quarentena de duas semanas.

“Chegamos a um ponto em que a melhor recomendação de autoridades de saúde pública é a de que medidas adicionais na fronteira, junto com as medidas de distanciamento social que estamos encorajando domesticamente, são a combinação certa para seguirmos adiante”, disse Trudeau a repórteres ao fazer o anúncio em frente à sua residência, onde está em quarentena voluntária depois que sua mulher, Sophie Grégoire Trudeau, foi diagnosticada com a covid-19.

Também na segunda-feira, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, propôs a proibição de viagens não essenciais para a União Europeia por um período de 30 dias.

Os líderes dos 27 países-membros devem anunciar uma decisão oficial ainda nesta terça. Cidadãos e residentes do bloco e seus familiares, diplomatas e trabalhadores do setor de saúde estarão isentos da medida, e as restrições não se aplicam a viagens de um país a outro dentro da União Europeia.

A proposta segue a decisão de pelo menos oito membros do bloco de adotar controles em suas fronteiras, apesar das regras que garantem o livre movimento dentro do Espaço Schengen. Na América do Sul, vários países já fecharam suas fronteiras.

“Eu acho uma boa ideia (o fechamento de fronteiras). Quanto mais se limitar a mistura de pessoas de uma área geográfica a outra, mais sucesso teremos em retardar a propagação”, diz à BBC News Brasil a especialista em doenças infecciosas Jessica Justman, professora da Columbia University, em Nova York.

Contenção e mitigação

Justman ressalta que, em uma pandemia como essa, é importante adotar medidas tanto de contenção quanto de mitigação. Ela diz que, enquanto a contenção é focada nos indivíduos, abrangendo testes, quarentenas, rastreamento de contato e outras medidas do tipo, a mitigação se concentra no nível comunitário.

“O distanciamento social é parte crucial da mitigação. (Medidas como) fechamento de escolas, recomendar que as pessoas evitem locais com muita gente. E acho que restringir a passagem de pessoas pela fronteira (também) é parte (importante) da mitigação”, salienta.

A China, país onde o coronavírus foi inicialmente identificado e, durante muito tempo, epicentro da crise, adotou restrições de viagens no início da epidemia. Segundo especialistas, essas medidas ajudaram a retardar a propagação do novo coronavírus não apenas no país como também no resto do mundo. Esse tempo extra é valioso para que os países e seus sistemas de saúde se preparem para enfrentar a crise.

Mas como a covid-19 é uma doença nova, sobre a qual ainda há muitas dúvidas sem respostas, é difícil avaliar o impacto desse tipo de medida. Um estudo calculou que proibições de viagem adotadas inicialmente pela China atrasaram o avanço do vírus em 2,9 dias.

O país tem mais de 80 mil casos confirmados, mas nas últimas semanas vem registrando baixo número de novos casos, e deixou de ser o epicentro da crise — que agora é a Europa.

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Image caption China, país onde o coronavírus foi inicialmente identificado, adotou restrições de viagens no início da epidemia

Ainda em janeiro, o presidente americano, Donald Trump, proibiu estrangeiros que haviam visitado recentemente a China de entrar nos Estados Unidos. Na época, a medida recebeu elogios de especialistas em saúde pública por reduzir a velocidade da propagação do novo coronavírus, dando tempo para que os Estados Unidos se preparassem.

No entanto, o governo foi criticado por desperdiçar esse tempo com problemas de acesso aos testes.

Mas quando Trump anunciou novas restrições na semana passada, desta vez suspendendo viagens da Europa para os Estados Unidos por 30 dias (medida que não se aplica a cidadãos americanos, seus familiares e residentes permanentes), alguns especialistas disseram que a ação teria efeito limitado porque, ao contrário do que ocorria na época da proibição inicial em relação a viajantes com passagem pela China, agora o vírus já está circulando livremente dentro dos EUA.

Os Estados Unidos já registram mais de 4 mil casos e mais de 80 mortes. O número total de infectados pode ser bem maior, porque a escassez inicial de testes fez com que muitas pessoas não pudessem ser diagnosticadas. O Canadá tem até agora 406 casos confirmados, com quatro mortes.

“Sou a favor de reduzir o avanço do vírus pelas fronteiras, mesmo que haja muitos casos no momento. Nós queremos atrasar o número de novos casos que ocorrem a cada dia”, afirma Justman.

Nas últimas 24 horas, o Canadá registrou 65 novos casos. Nos Estados Unidos, foram mais de 500 novos casos em um dia.

Situação do Brasil

Justman diz que restrições de viagens seriam úteis também no Brasil, que até agora tem 301 casos confirmados.

“Acho que para o Brasil faria sentido restringir a entrada de pessoas de partes do mundo onde há muitos casos. Muitos países estão tomando essa medida”, ressalta.

No domingo, a Associação Médica Brasileira encaminhou ofício ao presidente Jair Bolsonaro pedindo o fechamento das fronteiras do Brasil com a Venezuela e a Guiana.

No fim da tarde desta terça-feira, o presidente anunciou que ordenará o fechamento parcial da passagem entre Brasil e Venezuela.

Segundo a associação, o pedido foi motivado por relatos sobre fluxo de migrantes para Roraima em busca de atendimento médico, “aumentando o risco de circulação do vírus” e sobrecarregando o sistema de saúde. A AMB diz que há falta de equipamentos de proteção individual, inclusive máscaras.

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Image caption Nos Estados Unidos, as duas maiores cidades do país, Nova York e Los Angeles, determinaram o fechamento de bares e restaurantes

América Latina e Europa

Nos últimos dias, diversos países da América do Sul adotaram restrições para tentar conter o coronavírus. A Argentina, que tem 56 casos, fechou as fronteiras por duas semanas para estrangeiros, cancelou voos dos Estados Unidos, Europa, Coreia do Sul, Japão, China e Irã por um mês e está repatriando turistas que descumprirem quarentena.

Chile, Colômbia, Paraguai e Peru também fecharam as fronteiras e impuseram quarentena de duas semanas para quem desembarca no país vindo de países de risco. Na Europa, vários países fecharam suas fronteiras. O continente agora é o epicentro da crise. Na Itália, são mais de 27 mil casos e mais de 2 mil mortes.

A Espanha, que tem mais de 9 mil casos, determinou que somente cidadãos, residentes e casos especiais poderão passar pela fronteira terrestre. A Alemanha, com mais de 7 mil casos, fechou suas fronteiras com Áustria, França e Suíça.

Muitos países ao redor do mundo também estão adotando medidas para que a população fique em casa. Em alguns, só são permitidas saídas para comprar comida ou ir ao médico. Eventos sociais, culturais, esportivos e religiosos foram cancelados. Bares, restaurantes, cinemas e museus estão fechados. Funcionários estão trabalhando de casa e escolas e universidades cancelaram aulas.

Nos Estados Unidos, as duas maiores cidades do país, Nova York e Los Angeles, determinaram o fechamento de bares e restaurantes para tentar conter o avanço do vírus. Antes do anúncio do fechamento, já havia a recomendação de que as pessoas evitassem locais com muita gente, mas durante o fim de semana vários bares nessas cidades estavam lotados.

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Fonte: BBC