Em menos de dois meses, Juan Guaidó revitalizou a oposição venezuelana e se transformou em um pesadelo para o presidente Nicolás Maduro.
Em 23 de janeiro, o presidente da Assembleia Nacional da Venezuela invocou o artigo 233 da Constituição do país e se proclamou seu “presidente interino”. E, desde então, ele desafia a autoridade do sucessor de Hugo Chávez (1954-2013), a quem responsabiliza pela profunda crise política e econômica que assola a nação.
Maduro, por sua vez, diz que Guaidó é um “golpista” e uma “marionete dos Estados Unidos”.
No início da semana, o Ministério Público venezuelano anunciou ter começado a investigar Guaidó por sua suposta “responsabilidade” no apagão que deixou a Venezuela semiparalisada desde 7 de março.
No entanto, isso não parece ter amedrontado Guaidó, que comenta na entrevista a seguir essas acusações e a possibilidade de ser preso, além das chances de ocorrer uma intervenção militar no país e seus planos para tirar Maduro do poder.
BBC News – O governo iniciou uma investigação sobre sua suposta sabotagem do sistema elétrico do país. O senhor ou algum de seus apoiadores teve participação nisso?
Juan Guaidó – Olha, lamentavelmente, a crise elétrica já dura uma década na Venezuela. Hugo Chávez decretou uma emergência elérica em 2009, resultado do que chamaram de uma crise gerada pela natureza. Naquele momento, foi o El Niño. Investiram US$ 100 bilhões (R$ 384,7 bilhões) no sistema elétrico venezuelano. Em 2013, o sistema elétrico foi militarizado. Agora, culparam uma iguana, que teria comido um cabo e produzido o apagão, na versão oficial.
Em 2017, o Parlamento nacional investigou os US$ 100 bilhões investidos no sistema e concluiu-se que haviam sido roubados US$ 80 bilhões, que mais de 14 termoelétricas não estavam funcionando, que as redes de transmissão e distribuição estavam sem manutenção. E, hoje, lamentavelmente, sofremos as consequências disso. E dizem que houve uma sabotagem ciberelétrica, cibereletrônica, mudaram as versões dos fatos duas vezes, e a prova (contra mim) é um tuíte.
Se a situação não fosse trágica na Venezuela, se não fosse lastimável e não agravasse a complexa crise humanitária que vive o país, eu daria risada. Mas não se pode rir quando morrem crianças, quando passamos seis dias sem poder trabalhar no país, quando isso impacta desta forma nosso cotidiano e a economia.
Lamentavelmente, há uma grande irresponsabilidade do regime, que ainda não tem uma explicação técnica para a origem do apagão. E culpam a mim, com base em um tuíte.
BBC News – Mas o senhor admite que houve uma rara coincidência temporal, bastante suspeita? O senhor volta de uma tour internacional e logo acaba a luz, dias depois de seu retorno. E, claro, os Estados Unidos já fizeram coisas assim no passado, na Guatemala, no Chile, em Cuba, no Panamá. Estaria Washington por trás disso?
Guaidó – Isso seria reduzir o conflito a algo que não existe. De novo: dez anos, US$ 100 bilhões, houve um incêndio em uma subestação, que é analógica… De novo, se não fosse trágico, eu daria risada: o sistema usado na (represa de) Guri, à qual atribuem esse problema, é analógico. Então, não há como atacá-lo assim.
Em paralelo a isso, usinas ou geradores elétricos muito mais modernos, como, por exemplo, Três Gargantas, na China, não estão conectados à internet justamente para evitar isso. Ou seja, há um protocolo para isso.
Culpar outra pessoa seis dias depois, sem uma análise técnica, sem uma resposta, é simplesmente se eximir da culpa quando [foram roubados] US$ 100 bilhões. Desde 2017, estamos denunciando isso. O estranho é que, dois anos depois, não se deram conta de que a empresa responsável pela manutenção das linhas elétricas, que é espanhola, não foi paga e foi embora.
O que deveria acontecer em um país normal onde a luz acaba assim? É preciso declarar emergência, lidar com a crise, prover alimentos e água, fornecer energia de jeitos alternativos, para os hospitais principalmente, para proteger a vida dos venezuelanos.
Nada disso aconteceu, porque todo esse dinheiro em termoelétricas, que protegiam ao menos a capital de falta de luz, não funcionou.
Não sei sobre os casos aos quais você faz referência na América Latina, o que sei é que, na Venezuela, por dez anos, roubaram US$ 100 bilhões do sistema elétrico, o que foi demonstrado pelo Parlamento nacional em um relatório aprovado em 2017. Foi dado um voto de censura ao ministro de Eletricidade, e ainda hoje há falhas elétricas na Venezuela.
BBC News – Dito isso, Washington tem como objetivo claro a saída de Maduro do poder, e está apoiando o senhor neste esforço. E nada vai detê-los na tentativa de conseguir isso.
Guaidó – De novo: você está reduzindo isso a um conflito com os Estados Unidos, o que não é o caso na Venezuela. Há anos estamos construindo uma maioria, nos mobilizando, ganhando eleições. Sou o presidente do Parlamento e, constitucionalmente, cabe a mim a Presidência interina da Venezuela segundo o artigo 233, já que não houve eleições legítimas.
Na Inglaterra, na Espanha, na França, na Colômbia, no Brasil, no Equador, no Japão, na Coreia do Sul, na Austrália, no Marrocos, em Israel e em outros 60 países do mundo, sou reconhecido como tal, porque não houve eleição na Venezuela em 2018. Então, de novo: quem está por trás da mudança na Venezuela somos nós, os venezuelanos.
BBC News – Sua relação com o governo Trump não gera um problema de legitimidade? O senhor tem o apoio de pessoas como o diplomata Elliot Abrams, o senador Marco Rubio. O que isso diz de sua tentativa de se tornar presidente?
Guaidó – Não é uma tentativa. Sou o presidente interino da Venezuela, porque assim diz a Constituição. O principal respaldo que tenho é que as pessoas da Venezuela…
BBC News – Mas ainda não o é totalmente. O senhor deve reconhecer que não foi eleito presidente…
Guaidó – Explico novamente: sou o presidente do Parlamento, e o artigo 233 da Constituição diz que, diante de uma ausência absoluta [do presidente da República], ao não ter havido eleição em 2018 na Venezuela, o presidente do Parlamento deve assumir a presidência interina da República para poder realizar uma eleição realmente livre.
Enquanto isso, Maduro usurpa funções, atua como um ditador. E o principal respaldo que tenho é o popular. As pesquisas de opinião, e você com certeza as viu, dizem que cerca de 90% das pessoas me respaldam e rechaçam Maduro. Então, o que estamos pedindo é muito simples: uma eleição realmente livre na Venezuela.
BBC News – O senhor usa o termo “usurpar”, chama quem está no governo de usurpadores. Mas eles dizem o mesmo do senhor, que o senhor reivindica a Presidência, que se autoproclamou presidente. E, se quer ao seu lado os apoiadores de Maduro, isso é um problema, gera um problema de legitimidade para o senhor, não?
Guaidó – O único problema de legitimidade que vejo é que não houve uma eleição na Venezuela em 2018. O mandato de Maduro acabou em 10 de janeiro de 2019, e cabe ao presidente do Parlamento assumir a Presidência interina para convocar uma eleição livre.
Nossa exigência, desde 2017, é que seja realizada uma eleição livre na Venezuela. Por isso, pedimos fim à usurpação, que se reinstitucionalize o país, que haja um Conselho Nacional Eleitoral que possa ter as condições mínimas de garantir que seja possível eleger e ser eleito, com uma auditoria prévia e posterior, para que possa ocorrer uma eleição livre. Essa é a única exigência.
Quando se fala de problemas de legitimidade, isso leva a situação para um contexto que não existe, porque nossa Constituição é muito clara. O respaldo e a mobilização popular, o respaldo de mais de 60 países do mundo… E não [estamos falando só dos] Estados Unidos. De novo, olhe nossos vizinhos: Colômbia, Brasil, Paraguai, Peru, Chile… Todos os países da América Latina, com exceção de um. O mesmo se repete na Europa: 26 de 28 países. Na Oceania, na África. E o apoio segue crescendo.
BBC News – O senhor realmente avalia pedir uma intervenção militar internacional?
Guaidó – O que planejamos na Venezuela é que acabe a usurpação para que acabe a fome de nossa gente. O venezuelano vive hoje com US$ 5,45 (R$ 21) por mês, este é o salário médio de 80% da população. Ou seja, não vivem, sobrevivem. Não há acesso a água potável, a eletricidade, e não só por causa do apagão, mas pelo racionamento de luz em 60% dos Estados do país.
Passamos de uma produção de petróleo de 3 milhões [de barris] a 1 milhão, após termos investido US$ 300 bilhões (R$ 1,15 trilhão) nessa indústria. A situação é tão grave que eles endividaram a nação, motivo pelo qual está preso o tesoureiro nacional, que se declarou culpado de ter recebido US$ 1,2 bilhão (R$ 4,6 bilhões) em subornos. Vou repetir a cifra: US$ 1,2 bilhão em subornos, 15% mais do que pagou a Odebrecht em 12 países da região. Um funcionário público, para endividar a nação, emitir bônus e dívida pública, para supostamente investir na indústria de petróleo, recebeu US$ 1,2 bilhão. E quebraram essa indústria.
Então, o problema que temos hoje na Venezuela é fome, falta de medicamentos, a usurpação de funções, e nós estamos avaliando de forma responsável primeiro o que tenha menor custo social, que gere estabilidade, que gere governabilidade, para reinstitucionalizar o país e haver uma eleição livre.
BBC News – Temos visto os problemas da Venezuela nos últimos dias. Mas como uma intervenção militar ajudaria a solucioná-los? Não acha que pioraria as coisas, que seria jogar gasolina na fogueira?
Guaidó – Nossa melhor opção para substituir uma ditadura é uma transição democrática que leve a uma eleição livre. É Maduro que cogita uma guerra, que cogita usar paramilitares armados para proteger e defender a revolução, como disse há dois dias fazendo uma apologia ao ódio, ao crime, fazendo um chamado aos coletivos, ou seja, os grupos paramilitares urbanos armados.
Temos convocado protestos pacíficos, eleições livres, ajuda humanitária para nossa gente, soluções pacíficas para o conflito, um plano de cooperação com a comunidade internacional. Acredito que nossa agenda está claramente delineada.
Quem usou militares para assassinar, massacrar indígenas da etnia pemón no sul da Venezuela, que estavam trazendo medicamentos, foi Maduro. Então, quem cria o dilema da guerra é alguém que não conta com o respaldo popular, que não tem votos e precisa se sustentar com armas.
O que temos dito é que vamos avaliar todas as opções que tenham o menor custo social, que nos deem governabilidade, estabilidade, para haver uma eleição livre. A opção polêmica, que você menciona pela segunda vez em uma pergunta, é uma opção determinada pelo usurpador, que agora bloqueia a possibilidade de uma eleição livre.
BBC News – Há uma espécie de pressão em torno da ideia de que isso precisa ocorrer, que é agora ou nunca. Existe o risco de que, se não conseguirem tirar Maduro do poder logo, esse momento vai passar?
Guaidó – Esse é um processo de muitos anos. Primeiro, construímos maiorias. Depois, fundamos partidos políticos, percorremos o país, conquistamos o Parlamento nacional.
Temos protestado de forma pacífica, buscado a via constitucional com o referendo revogatório que Maduro fraudou, buscamos o diálogo em 2017, e o chefe da delegação foi Julio Borges, que está exilado agora, [enquanto que] seu colaborador mais próximo foi assassinado: Fernando Albán, ao entrar na Venezuela, foi sequestrado pela polícia política chamada Sebin. Então, demos todos esses passos.
Por que as pessoas querem que a mudança ocorra agora? Acredito que isso é óbvio, quando há 85% de pessoas na pobreza, quando morrem crianças nos hospitais por falta de medicamentos, quando 4 milhões de venezuelanos, ou seja, mais de 15% da população, migraram em busca de oportunidades, caminhando de Caracas a Lima – escute bem, de Caracas a Lima, milhares de quilômetros… Imagine o desespero de uma famíia para fazer isso. Então, acredito ser compreensível esse desejo de mudança do povo da Venezuela.
BBC News – É sabido que nada vai acontecer sem o apoio dos militares. Acredito que o senhor concorda que os militares são chave para o que vai acontecer no futuro. Como é possível conseguir isso sem o apoio do alto escalão?
Guaidó – Maduro conta com a cúpula, ou seja, a elite – cada vez menor, mais reduzida – que não está defendendo os interesses da Venezuela, mas os seus próprios. Há milhões de dólares em contas no exterior, por isso, foram sancionados por corrupção e pela violação de direitos humanos.
Veja, por exemplo, os mais de mil militares de Cúcuta, que se colocaram ao lado da Constituição… Por isso, seguimos insistindo, não só porque oferecemos garantias a todos os militares que se ponham ao lado da Constituição, que exijam uma eleição livre, mas porque terão um papel na reconstrução da Venezuela em termos de soberania, como, por exemplo, na penetração da ELN (a guerrilha colombiana Exército de Liberação Nacional) no território venezuelano.
Então, não somente este é o papel dos militares na transição, mas na reconstrução da Venezuela, e por isso falamos com eles muito claramente.
BBC News – Mas mil soldados em Cúcuta ainda está muito longe de representar a massa crítica necessária para que os militares mudem de lado.
Guaidó – Não tanto. Essa é uma amostra do que já cruzaram a ponte [na fronteira]. Não indica o ânimo, não trata, por exemplo, do fato de que [os militares] não reprimiram há alguns dias em La Victoria, onde as pessoas cruzaram tranquilamente. Não reprimiram também em Santa Elena de Uairén. Quem fez isso foram paramilitares armados.
E chama atenção que, dois dias atrás, Maduro não tenha falado com as Forças Armadas para defendê-lo, mas com paramilitares armados. Chama atenção que, aparentemente, ele não se sinta seguro com as Forças Armadas, pois tem de recorrer a paramilitares armados, que também atuaram ontem em um protesto na Venezuela.
Então, não se trata aqui sequer das Forças Armadas, é uma linha muito tênue de defesa, uma linha muito complicada que gerou genocídios em outras partes do mundo, onde civis armados pelo governo atuaram como uma linha de defesa diante de uma população civil vulnerável, desarmada, que simplesmente exige uma mudança pacífica e uma eleição.
BBC News – O senhor continuará a tentar trazer para a Venezuela ajuda humanitária através das fronteiras, pelo mar? Qual é o plano? Vai se repetir o que ocorreu em 23 de fevereiro?
Guaidó – Há 300 mil venezuelanos correndo risco de morte. Existem outros 15 mil que não receberam diálise. Há outros 60 mil que não receberam seus remédios – como retrovirais, por exemplo, para pacientes com HIV – e outros 120 mil que não têm remédios oncológicos. Há 3 milhões sob risco de uma crise sanitária devido à falta de água ou surtos de malária, febre amarela, dengue, cólera e outras doenças erradicadas há muito tempo da Venezuela.
Nossa responsabilidade é tentar atender esse venezuelano, o mais vulnerável, que vive uma crise e corre risco, e é claro que vamos insistir. Qual será o mecanismo? Já vimos a atitude do regime: bloquear, incendiar a ajuda enviada, remédios e alimentos, matar indígenas no sul da Venezuela, no estado de Bolívar, para que parte da ajuda não entre, e devemos, com responsabilidade, buscar mecanismos para atender essa população vulnerável que está sob risco de morte na Venezuela.
BBC News – Presumo que o senhor tenha visto a reportagem do jornal americano The New York Times de que a queima de produtos não foi culpa de Maduro e seus apoiadores, mas resultado dos coquetéis molotov lançados por manifestantes.
Guaidó – Essa possibilidade foi sugerida. Essa foi a conclusão da reportagem: que, possivelmente, pode ter ocorrido isso. Esse foi o ponto de vista de uma reportagem investigativa do jornal. Três caminhões foram queimados, e eles fazem referência a vídeo e a uma imagem para dizer que (o incêndio) pode ter sido resultado disso.
Eu estava lá, vi como agiram em território venezuelano, o bloqueio por parte da polícia, de paramilitares armados, e como bloquearam alimentos.
O fato é que Maduro bloqueou a entrada de alimentos e medicamentos necessários para o nosso povo e os caminhões foram queimados enquanto eles bloqueavam sua passagem, em Cúcuta. Em Santa Elena de Uairén, a situação foi um pouco mais violenta, não queimaram, mas assassinaram indígenas que traziam alimentos voluntariamente.
BBC News – E qual é sua posição sobre os esforços para que haja mais sanções ao país? Isso pode ajudar a tirar Maduro do poder ou só vai tornar ainda mais dura a vida do venezuelano comum?
Guaidó – Bem, não são apenas sanções: protegemos os ativos da Venezuela no exterior. Por exemplo, no caso da Citgo, assumimos o controle da empresa, não permitimos que usem o dinheiro da Venezuela para continuar financiando grupos armados, para continuar roubando dinheiro.
Com responsabilidade, estamos evitando que continuem a roubar o dinheiro da Venezuela ou algo pior, porque, sim, há coisas piores para roubar, neste caso, porque financiam grupos paramilitares como aqueles que assassinaram indígenas ou que estavam hostilizando manifestações. Não podemos permitir que usem o dinheiro da Venezuela para roubar o país, muito menos para financiar gangues armadas.
BBC News – Vemos entre seus apoiadores os presidentes Duque, da Colômbia, Bolsonaro, do Brasil, e obviamente, Trump. Que tipo de presidente o senhor seria se chegasse ao palácio de Miraflores? É justo julgá-lo por esse tipo de amigos? Seria parecido com eles?
Guaidó – Você está se referindo a uma questão ideológica, de direita e esquerda. Mas você dificilmente poderia dizer que o presidente Lenin Moreno [do Equador] é de direita, ou [afirmar isso] do presidente da Austrália, do primeiro-ministro Justin Trudeau, do Canadá, ou do presidente da França…
Qual é minha posição hoje? Primeiro, respeitar os direitos humanos dos venezuelanos, restaurar a Constituição venezuelana, restabelecer o Estado de Direito na Venezuela, respeitar todos os direitos fundamentais de todos os venezuelanos sem distinções ideológicas, restabelecer o setor produtivo e gerar emprego; superar a pobreza, ter um mercado competitivo que desenvolva nossa indústria de petróleo, gás e minério; desenvolver o potencial turístico da Venezuela.
Colocar isso como uma questão de esquerda e direita não é apenas anacrônico, mas injusto com toda a luta travada pelo povo da Venezuela.
BBC News – Acredita que o governo de Maduro vai prendê-lo?
Guaidó – Corre-se o risco não apenas de ser preso, mas de morte na Venezuela no exercício da política. E não estou falando de mim. Falo de Fernando Albán, que foi morto; Falo de Nelson Martínez, um ministro de Chávez que foi sequestrado e morreu em uma prisão, porque não recebeu atendimento médico a tempo.
Mas também posso falar sobre Miguel Rodríguez Torres, que foi ministro de Chávez, hoje preso; de Luisa Ortega, promotora de Chávez, no exílio; Julio Borges, presidente do parlamento, preso; Freddy Guevara, primeiro vice-presidente do parlamento nacional, que pediu de asilo; David Smolansky, prefeito de El Hatillo, exilado.
Posso te dar uma lista de mais de mil pessoas que foram perseguidas simplesmente por fazer política. Também posso falar sobre líderes sindicais. O governo, que alega estar à esquerda, não permite que haja liberdade sindical na Venezuela: um foi exilado, outro foi preso, um desapareceu no sul da Venezuela. Então, na Venezuela, o exercício da política, do pensar diferentemente, é um risco à liberdade e à vida.
No meu caso, há ameaças constantes. Você com certeza viu dizerem pelas redes sociais que iam caçar minha imunidade, me prender. Apesar disso, estamos aqui, exercendo nossas funções, buscando apoio e ajuda humanitária para o nosso povo.
BBC News – Qual é a diferença no seu caso? O que impede que se torne outro líder da oposição que, após representar a esperança de mudança, vira mais um nome de uma lista, como Henrique Capriles e outros que o senhor mencionou?
Guaidó – Um poderoso respaldo popular. Eles têm medo do povo. Nenhuma das agências de segurança que eles controlam se atreveu a me prender. Eles fizeram isso em 13 de janeiro, na verdade, me sequestraram na rodovia Caracas-La Guaira, e ainda estou aqui.
O segundo ponto é um apoio, um reconhecimento internacional muito importante. E a terceira coisa, que acho ser a mais importante de todas, é que nosso processo está enquadrado na via constitucional democrática. Tanto que eles tiveram de inventar um ataque cibernético para tentar me imputar um crime e não conseguiram, porque não há provas.
A prova é uma mensagem de 140 caracteres onde faço uma metáfora de que a escuridão que traz um apagão é a escuridão que traz uma ditadura e que a usurpação deve cessar. De novo, se não fosse trágica, dramática, a situação que a Venezuela está vivendo seria risível.
Imagine o nível de precariedade de um regime que não fala em resolver o problema da água, mas a solução que deu foi fornecer tanques, a solução que deu ao problema elétrico foi comprar velas e lanternas. Isso não é um governo, é uma triste metáfora de um fracasso de um modelo e de perseguição.
BBC News – Mas, nesse caso, a diferença entre o senhor e outros líderes da oposição é o apoio de Washington, que chegou a ameaçar, como acaba de fazer Abrams, o governo de Maduro caso o senhor seja preso ou ferido?
Guaidó – Bem, a deputada Beatriz Becerra, do Parlamento Europeu, fez o mesmo, assim como os governos da França, da Espanha. Mais uma vez, isso não é uma questão de um país ou de outro. Esse é um processo venezuelano que conta com o apoio de todas as pessoas, que conta com o apoio da nossa Constituição, que conta com o apoio de 60 países do mundo.
Então, o diagnóstico já está muito claro na Venezuela. A solução vai ser dura, vai ser difícil. Quem cria esse custo é, infelizmente, um ditador, Maduro, que não tem mais nenhum tipo de apoio popular, que nem sequer tem reconhecimento internacional.
BBC News – As pessoas em torno do senhor acreditam que será possível chegar ao palácio de Miraflores em questão de semanas ou meses. O senhor considera isso realista? Quando pensa que pode chegar até lá, se é que acredita que vá assumir a Presidência em algum momento?
Guaidó – Eu deveria estar lá há dois meses, liderando uma transição, organizando uma eleição livre. Quem gera hoje um custo, em termos de vidas humanas, de tempo, de recuperação da indústria petrolífera, de geração de emprego, de ingresso de ajuda humanitária, de atenção aos mais vulneráveis na Venezuela, é Nicolás Maduro.
BBC News – Mas Maduro não vai deixar o poder, não aceitará isso tranquilamente.
Guaidó – Uma ditadura é assim. Poucos ditadores aceitam voluntariamente que erraram, quebraram o país, assassinaram pessoas e fraudaram uma eleição. É por isso que a pressão dos cidadãos e a cooperação internacional são tão importantes para se chegar à transição pacífica para a democracia.
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Fonte: BBC