O que se sabe sobre o grupo guerrilheiro acusado de sequestrar ex-vice presidente do Paraguai

Cartaz do governo do Paraguai mostrando as pessoas procuradas pelo sequestro do ex-vice-presidenteDireito de imagem Reprodução/Governo do Paraguai
Image caption Cartaz do governo do Paraguai mostrando as pessoas procuradas pelo sequestro do ex-vice-presidente

O sequestro do ex-vice-presidente do Paraguai Óscar Denis e de seu colaborador Adelio Mendoza, por parte do grupo Exército do Povo Paraguaio (EPP), voltou a colocar o foco na capacidade de ação dos rebeldes e desafia o governo do presidente Mario Abdo Benítez, segundo fontes do palácio presidencial de López ouvidas pela BBC News Brasil.

O rapto de Denis, que foi vice-presidente entre 2012 e 2013, após a queda do presidente Fernando Lugo, e de Mendoza, indígena da comunidade Paí Tavyterá, ocorreu na quarta-feira passada, uma semana depois da morte de duas meninas de onze anos de idade, que, de acordo com o governo, seriam “filhas biológicas” dos guerrilheiros.

Os paraguaios continuavam intrigados e comovidos com a morte das meninas, a balas, em uma operação do braço especial das Forças Armadas criado para combater o EPP, quando Denis e Mendoza foram abordados pelos rebeldes na caminhonete em que viajavam no departamento (estado) de Concepción, a cerca de 400 quilômetros da capital paraguaia.

Em comunicado, o grupo disse que “fuzilaria” os reféns se suas exigências não fossem atendidas. Uma delas, a libertação de líderes do EPP, presos, venceu na noite de domingo (13/9).

A outra, a entrega de US$ 2 milhõs em alimentos para 40 comunidades, num prazo de oito dias, provocou rejeição dos próprios líderes comunitários e deixou a família dos sequestrados diante do impasse sobre como atender as exigências dos sequestradores.

Nesta segunda-feira (14/9), o ministro do Interior, Euclides Acevedo, porta-voz do governo neste caso, disse que é o governo quem “estabelece os prazos e a partir das leis e da constituição”, sinalizando que não pretende negociar com os guerrilheiros.

Nas últimas horas, o presidente conversou com seus colegas do Brasil, Jair Bolsonaro, e da Colômbia, Iván Duque. “A conversa não foi para envio de tropas. Mas a assistência é importante e por isso eles se falaram. É a primeira vez que o grupo criminoso sequestra um ex-vice-presidente”, disse à BBC News Brasil uma fonte do Ministério do Interior, falando da capital Assunção.

Mas quem é esse grupo EPP? Como surgiu? O que pretende?

Direito de imagem Getty Images
Image caption Os paraguaios ainda continuavam intrigados e comovidos com a morte das meninas

Até há alguns anos, fontes estrangeiras que acompanham as ações rebeldes na América Latina descartavam que o EPP pudesse chegar a ser um grupo semelhante a históricos como as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), que surgiu em 1964 e mantém alguns insurgentes após o acordo de paz assinado em 2012.

Dizia-se que o grupo paraguaio tinha poucas pessoas, era periférico e nanico no ramo, sem o peso e a força de outros grupos do continente.

Mas o sequestro de um político como Óscar Denis, com longa trajetória no Partido Liberal Radical Autentico (PLRA), aumentou a preocupação sobre o alcance e intenção do EPP. “Não tinham sequestrado antes um político assim, de peso”, disseram fontes do governo atual.

Denis, de 74 anos, é também fazendeiro e agropecuário com terras na região onde o EPP atua, principalmente nas fronteiras entre os departamentos de Concepción e Amambay.

O grupo foi notícia no Brasil quando em 2014, manteve o brasileiro Arlan Fick, então com 17 anos, sequestrado durante nove meses, com olhos vendados e amarrado, segundo ele mesmo contou na ocasião.

Na época, autoridades locais disseram que a libertação fora possível graças ao apoio do Brasil e da Colômbia.

Em 2004, o EPP já tinha sido notícia além fronteiras quando sequestrou e assassinou a filha do ex-presidente Raúl Cubas Grau (1998-1999). Foi então um caso que também causou comoção no país.

Direito de imagem Reuters
Image caption O caso tem sido um desafio para o governo do presidente Mario Abdo Benítez, eleito em 2018

O grupo surgiu, oficialmente, em 2008, mas já tinha algumas iniciativas conhecidas antes por ser um braço armado do partido Patria Libre, com treinamentos e vínculos com as colombianas FARC, segundo a imprensa local. “Eles se inspiraram nas FARC, foram treinados pelas FARC e agora se dedicam também ao narcotráfico, além de recrutar crianças e adolescentes”, disse uma fonte do governo atual.

Um dos argumentos iniciais do EPP, definido como marxista-leninista, era a distribuição de terras para os mais pobres, num país com forte concentração territorial e de renda.

Mas pesquisas apontam que eles carecem, porém, de respaldo popular. O novo pedido de ajuda ao Brasil e a Colômbia, agora com o sequestro do político e fazendeiro Óscar Denis e seu colaborador, estaria ligado aos “conselhos” e ações de inteligência sobre negociações com seus integrantes “tanto no âmbito da guerrilha, no caso colombiano, quanto no combate ao narcotráfico, no caso dos dois países”, disseram fontes.

Seus principais líderes cumprem prisão por vários processos. Os crimes do EPP, de acordo com a Justiça, incluíram assaltos a bancos e ataques a delegacias, além dos sequestros. Nos vídeos que costumam divulgar, os integrantes do EPP aparecem armados, com roupas semelhantes as de soldados, como os que também eram usados pelas FARC, em acampamentos precários, nas áreas remotas do Paraguai. Muitas vezes exibem uma bandeira com o nome da guerrilha e rostos cobertos que também remetem aos vídeos das FARC — agora com representação política na Colômbia, após o acordo de paz.

Num vídeo da ABC TV Paraguay, da semana passada, menores de idade aparecem empunhando armas pesadas. A área de ação do grupo está concentrada em regiões distribuídas por fazendas e bairros precários, principalmente nos departamentos de Concepción e Amambay. Para analistas, o EPP atua em áreas carentes onde o Estado não está presente.

Em 2013, o governo do então presidente Horacio Cartes criou a Força de Tarefa Conjunta (FTC), que une as Forças Armadas e a Polícia Nacional e o departamento de combate às drogas, para repelir o EPP. Recentemente, grupos de direitos humanos pediram que a FTC fosse extinta, sob alegação que os resultados são poucos e os recursos para esta força especial poderiam ser destinados a outras áreas do país.

  • Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!

Fonte: BBC