Por que Rússia cortou gás da Polônia e da Bulgária — e quais as consequências disso

  • Cristina J. Orgaz – @cjorgaz
  • BBC News Mundo

Vladimir Putin

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A Rússia anunciou que vai cortar o envio de gás para dois países da União Europeia: Polônia e Bulgária.

A Rússia perde assim dois clientes importantes para o seu gás e as receitas geradas por estes contratos, mas envia uma mensagem forte ao mundo: de que pretende se defender com todas as armas disponíveis contra as sanções internacionais.

As exportações de hidrocarbonetos são a ferramenta mais poderosa da Rússia nesse sentido.

“O anúncio da Gazprom (estatal russa de gás) de que suspenderá unilateralmente as entregas de gás a clientes na Europa é mais uma tentativa da Rússia de usar o gás como instrumento de chantagem”, disse a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, em nota.

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O rublo, a moeda russa, perdeu cerca de 40% de seu valor em relação ao dólar desde o início do ano

1. Por que esses países tiveram seu suprimento cortado?

A recusa de ambas as nações em pagar à Gazprom em rublos em vez de dólares ou euros as colocou na mira do Kremlin, que fechará a torneira dos gasodutos que transportam seu combustível.

A Rússia mudou o método de pagamento para seus clientes após as sanções econômicas impostas pela Europa.

Desde 1º de abril, as empresas europeias são obrigadas a abrir uma conta em moeda local no Gazprombank.

Os pagamentos em rublos beneficiariam a economia russa e melhorariam a cotação da sua moeda.

Especialistas acreditam que, com essa medida, Moscou está tentando frear a desvalorização da moeda russa, que perdeu cerca de 40% de seu valor em relação ao dólar desde o início do ano.

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Mais de um milhão de pessoas chegaram à Polônia vindo da Ucrânia desde a invasão russa em 24 de fevereiro

“Por que a Rússia quer receber rublos, quando pode imprimir quantos rublos quiser?”, pergunta Paul Donovan, economista-chefe do banco suíço UBS Global Wealth Management.

“Evitar sanções financeiras é mais fácil com o rublo, que faz do rublo o Bitcoin do mundo das moedas (embora obviamente o rublo seja menos volátil e tenha um valor intrínseco)”, responde ele.

Mas os Estados-membros da UE alegam que a mudança é uma “grave violação de contrato”.

Na terça-feira (26/4), a Polônia, que durante a guerra recebeu mais de um milhão de refugiados ucranianos, anunciou sanções contra grandes empresas russas e contra 50 oligarcas cujos ativos no país serão congelados.

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Envio de gás à Polônia e à Bulgária será suspenso pelos russos

Segundo a Bloomberg, algumas empresas europeias já pagaram pelo sistema novo da Rússia, embora o nome das companhias não tenha sido divulgado.

Nathan Piper, chefe de pesquisa de petróleo e gás da Investec, disse à BBC que a interrupção do fornecimento para Polônia e Bulgária foi o “início da pressão econômica da Rússia sobre a Europa” e um movimento que pode “escalar” com outros países da UE.

2. O plano europeu para reduzir a dependência do gás russo é viável?

A Rússia atualmente fornece à Europa entre 35% e 40% de suas necessidades de gás.

Muito antes da guerra na Ucrânia, vários países europeus começaram a avaliar como reduzir sua dependência energética de Moscou.

O primeiro país a alcançar a independência total foi a Lituânia. Em 2015, quase 100% do fornecimento de gás vinha de importações russas.

Mas a situação mudou drasticamente nos últimos anos depois que o país construiu um terminal de importação de gás natural liquefeito (GNL) offshore na cidade portuária de Klaipeda.

Agora, a busca de alternativas viáveis ​​ao gás russo tornou-se uma prioridade para a Europa, que lançou o plano conjunto “REPowerEU”.

O objetivo é reduzir as importações europeias de gás russo em dois terços no próximo ano.

“A guerra na Ucrânia destacou a necessidade urgente de a Europa diversificar suas fontes de gás, bem como o objetivo de longo prazo de transição para fontes de energia limpa”, disseram Mark Lacey, Alexander Monk e Felix Odey, analistas globais da Schroders.

“O plano europeu REPowerEU é extraordinariamente ambicioso”, acrescentam.

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Os preços da energia dispararam após a pandemia e a guerra na Ucrânia

No final de março, a UE assinou um importante acordo com os EUA sobre gás natural liquefeito (GNL) segundo o qual os EUA fornecerão à Europa, até o final do ano, um volume de gás natural equivalente a aproximadamente 10% do que recebe da Rússia.

“O problema é que os EUA não podem abastecer uma demanda tão grande, e a Europa está competindo com outros países por embarques de GNL importado”, dizem os especialistas da Schroders sobre o aumento das necessidades da Índia e da China.

“Outro obstáculo é que o GNL, como o próprio nome diz, é líquido e para usá-lo é preciso transformá-lo novamente em gás. Este é um processo chamado de regaseificação, e a Europa tem pouca capacidade de regaseificação de GNL.”

Para John Kemp, analista de mercado da Reuters, “cortar o fornecimento de gás pode abalar os mercados de energia e aumentar ainda mais os preços do gás e as contas domésticas e comerciais, quando o custo de vida já está nas alturas”.

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Estatal russa passou a exigir pagamentos em rublos pelo fornecimento de gás

3. Que consequências globais terá a decisão da Rússia?

“Cortar o fornecimento de gás tem menos impacto na Europa durante a primavera, e a Polônia diz que possui reservas suficientes. No entanto, os mercados provavelmente verão isso como o início de uma militarização geral da energia”, explicou Donovan em um comentário ao mercado.

No entanto, se o fornecimento de gás russo terminasse, a Europa poderia recorrer aos exportadores de gás existentes, como Catar, Argélia ou Nigéria.

Espera-se também que um novo gasoduto da Noruega comece a operar em outubro próximo.

Mesmo assim, os preços do gás na Europa após o anúncio de Moscou dispararam cerca de 20%.

Os preços mais altos da energia decorrentes da guerra russo-ucraniana significam que a probabilidade de uma desaceleração ou recessão significativa é maior, principalmente na Europa.

“Em países de baixa renda da Ásia, África e América Latina, o aumento dos custos com alimentos e combustíveis afetará ainda mais os gastos com bens duráveis” que são mais caros, como carros, móveis, geladeiras, fogões, televisores ou computadores, acredita o analista de mercado.

“Com os consumidores sob pressão em todas as principais economias, a probabilidade de uma recessão ou pelo menos uma desaceleração significativa em uma ou mais regiões é muito alta e começou a pesar nos preços das commodities industriais e da energia”, acrescentou.

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Fonte: BBC