O tio Sukita (Ao Carlos Borges)

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O tempo passa e a gente, às vezes, não se dá conta. Não é o meu caso, quero crer.
Os ossos não mentem.
A agilidade sumiu.
A flexibilidade do corpo, também. Há cerca de dois meses empenei o ciático tentando amarrar os
sapatos e mesmo os cadarços pareciam itens de museu.
Passei duas semanas na fisioterapia. Mal dormia. Mas já estou quase bom.
Os costumes mudam com o passar dos anos sem que você perceba. É como se a pessoa fosse
anoitecendo por dentro e tudo o que era claro e diurno, ganhasse tons de penumbra até o
entrevamento absoluto.
Breu.
E o espelho é cruel.
A barriga cresce para quase todos, principalmente os sedentários, como eu.
A flacidez não é facultativa.
Ela é institucional e não há Botox que resolva.
Ao redor dos olhos rascunha-se uma espécie de mapa rodoviário do estado onde a pessoa nasceu. Para
o meu desgosto, Minas Gerais é rabiscado de estradas, algumas em péssimo estado de conservação.
E o despertar para o definhamento é rude, já que o tempo não leva prisioneiros.
Há coisa de dois anos, em Nova York, dentro de um destes modernos elevadores, todo metálico e com
espelho no teto, fiz uma triste descoberta.
Apertei o número do andar desejado e, sabe lá Deus o porquê, caí no desatino de olhar para cima.
Foi grande o susto.
Ela estava lá, olhando para mim.
Ela!
Aquela coroa sem rei.
Bem no cocuruto, aquele quipá de não judeu.
A coroinha do frade, uma auréola sem anjo.

Fonte: Brazilian Voice