A tela do computador nos dá o consolo de conhecer marcos arquitetônicos

Tenho, há uns 20 anos, na mesa que suporta meu computador, uma caixinha azul de papelão que contém um CD-ROM (é ainda assim que se chama o disco?). O título, em francês, resume seu conteúdo: “O Louvre – Coleções e Palácio”. Um subtítulo explica: “Visita interativa ao maior museu do mundo”.

A edição é de 1998. Seu conteúdo me encantava à época, tanto quanto o de outra caixinha, bem ao lado, igualmente hi-tech, assinada (e com dedicatória) pela especialista inglesa Jancis Robinson, contando tudo sobre vinhos do mundo.

O CD do Louvre era especialmente encantador porque, além das centenas de obras comentadas, algumas acompanhadas de animações, tem também o percurso pelo edifício, inclusive o histórico passo a passo de sua construção.

Estávamos no século passado; e esta caixinha era um passaporte para uma viagem fascinante pelo mundo das artes, percorrido confortavelmente mesmo que a milhares de quilômetros de distância.

Mais do que isso, para quem estudara arquitetura como eu, era um deleite, como ainda hoje, observar o edifício como uma obra em si. Uma obra que molda o espaço de tal forma que, é claro, é preciso estar lá para sentir seu impacto e assimilar seu significado. Estando longe, porém, não deixa de ser um consolo poder passear por ele mesmo que virtualmente.

Algo que hoje é banal, com ferramentas como o Google Arts & Culture e com os próprios sites de museus e instituições pelo mundo. Mas outra coisa também mudou nos últimos 20 anos: a velocidade com que as viagens foram ficando mais acessíveis: mais rápidas, com mais trajetos e mais baratas. Ficou mais fácil conhecer de perto aquilo que atiça nossa curiosidade.

Até chegar o coronavírus.

E de repente o mundo se alargou de novo —e se tornou muito amplo e inacessível, como fora não somente no século passado, mas em muitos anteriores. Possivelmente, esperamos, apenas por uma fase limitada, e que provavelmente tem seu fim já no horizonte.

Mas enquanto nos movemos ainda na bruma da incerteza, peguei-me outro dia tirando a poeira do meu velho CD-ROM francês com seu valioso recheio do Louvre. Instigado pela lembrança dos tempos em que ele era um revolucionário passaporte virtual para a Europa, comecei a viajar pelo mundo através da tela, buscando não pinturas ou esculturas, mas edifícios.

Por alguma razão, um passeio por paisagens como praias ou florestas me pareceu que seria muito pobre.

Uma lindíssima paisagem marítima, por mais que vejamos suas cores e ouçamos o quebrar das ondas, mas diante da qual não sentimos o ar morno, depois a brisa fresca, envolvidos pela salinidade pegajosa que toma nossa pele e nosso olfato, parece frustrante demais. Uma frustração que nem os recursos da realidade virtual conseguiriam (por enquanto) aplacar.

Já os edifícios podem ser penetrados e devassados com um pouco mais de precisão. Assim, dediquei o resto do tempo que tinha, naquele momento, a uma bisbilhotada em belos trabalhos arquitetônicos que, quando estou naqueles países, me compraz admirar, além de outros que nunca vira de perto.

Repito que a experiência nunca será a mesma (embora neste caso a realidade virtual, com seus óculos deliciosamente ilusionistas, possa ser um pouco mais eficaz que no caso de paisagens naturais).

Lembro-me por exemplo da primeira vez em que vi ao vivo, de perto, e logo também por dentro, o museu Guggenheim de Bilbao. Já vira antes centenas de fotos e filmes da obra do arquiteto Frank Gehry, mas estar ali diante daquele simulacro de barcaça ancorado no rio sob o brilho da couraça de placas de titânio fez o coração bater mais rápido.

O que me levou, agora, a procurar não as obras clássicas —as pirâmides do Egito, o palácio de Versailles na França, os edifícios de Brasília—, mas aquelas de arquitetura contemporânea, menos fixadas na nossa memória, e por isso mais surpreendentes.

Pela tela do computador passeei pelas curvas da Universidade de Artes de Osaka, no Japão, projetada pela arquiteta Kazuyo Sejima e seu sócio Ryue Nishizawa; pelo esqueleto do Museu do Amanhã de Santiago Calatrava, no Rio; pelo Centro Heydar Aliyev em Baku, Azerbaijão, da iraquiana Zaha Hadid, capaz de recurvar o concreto com a graça que Niemeyer exerceu antes dela…

E tanta coisa mais para ver, no pálido consolo de nossa tela, mas sendo isso o que temos para hoje!

Fonte: Folha de S.Paulo