Churrasco no campo argentino estava impecável; mas a terra tremeu

Parecia um sábado normal em Mendoza, Argentina –o do último 18 de março. Estávamos no campo; uma churrasqueira alca, fincada no solo se preparava para receber as carnes, uma fogueira no chão lambia os fundos de uma panela cheia de óleo prestes a receber empanadas. Tudo normal, como se esperaria em qualquer quintal argentino.

Até que a terra tremeu.

Bem, na verdade, nada era tão normal assim naquele sábado. A começar pelo lugar. Uma casa imponente, no meio de um vinhedo (chamado La Vendimia), retiro familiar de Nicolás Catena Zapata, o grande inovador do vinho argentino. A mesa fora instalada à sombra dos olmos que moldam uma alameda até o gramado da casa principal –onde a lenha crepitava na alta churrasqueira.

Era o evento Carne y Vino –outro indício de que não era uma churrascada tão comum assim. A iniciativa era da Casa Vigil, a propriedade vinícola do enólogo da Catena Zapata, o bonachão mas superativo Alejandro Vigil, em sociedade com Adriana Catena, uma das filhas do patriarca.

Ali, nem carnes nem churrasqueiros eram os de um sábado comum na Argentina. Havia convidados argentinos e estrangeiros, tanto para cozinhar quanto para comer. Naquele dia, suando diante das toras incandescentes, estava o mago do churrasco espanhol, José Gordón, apaixonado criador e assador de carnes magníficas –sempre de raças ibéricas autóctones, abatidas com mais idade do que nas Américas— servidas no seu restaurante El Capricho, em León.

A seu lado, também manipulando chuletas maturadas a seco por 120 dias, estava o argentino Juan Gaffuri, do agitado restaurante de carnes Elena, de Buenos Aires. Para completar, circulava ali o açougueiro-churrasqueiro peruano Renzo Garibaldi, cujo restaurante Osso abriu uma filial em São Paulo, e que na véspera fora responsável pelo almoço no restaurante Angelica, ao lado da sede da Catena.

Nada, portanto, tão normal assim. Mas não deixava de ser mais um churrasco (um “asado”) de fim de semana na Argentina.

Até que a terra tremeu.

Foi o primeiro terremoto que presenciei. Foram apenas três ou quatro segundos em que meus pés me avisaram que havia uma vibração estranha naquele solo de terra e grama. Se estivesse no asfalto de São Paulo ou Nova York poderia ser um metrô correndo desenfreado alguns metros abaixo. Mas naquele paraíso rural, só se fosse um estouro de boiada. Que não havia.

Então me dei conta. Cacete, um terremoto! Que passou rapidamente –mas meus olhos não largavam a alta churrasqueira, que continuou balançando de um lado para o outro, tentando se reequilibrar.

Logo um chileno debochou de mim. Imagina, terremoto é outra coisa… isso se chama no máximo um sismo. Um tremor. Terremoto derruba e quebra tudo.

Uma argentina, que estava dentro da casa, saiu bem assustada. Os tacos rangiam, as garrafas estalavam umas contra as outras. Mas nada caiu nem quebrou. Uma experiencia que mais me fascinou do que assustou. Meu primeiro terremoto. E o máximo de perigo seria derrubar a churrasqueira, quebrar nossos vinhos, o que parecia a pior tragédia possível.

Só que não. Depois do almoço tão especial, voltando ao hotel, enquanto me entregava a um doentio vício atávico –ler notícias— vejo na homepage da Folha: “Terremoto causa 15 mortes no Equador e no Peru“.

Para novatos em terremotos como eu, foi incrível. Mas aquela vibração no solo, que sequer atrapalhou o almoço, tinha começado a 5.000 quilômetros dali. Causou morte e tragédia real. No seu caminho, castigou Peru, México, Chile, até chegar mitigado ao nosso churrasco. Se tivesse ideia disso, possivelmente não me teriam caído bem as fantásticas carnes e vinhos de que desfrutei.

Fonte: Folha de S.Paulo

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