Cigarros de chocolate e o golpe da memória afetiva

Detonou uma torrente de nostalgia a notícia da falência da fábrica de chocolates Pan. A Pan, é necessário explicar para quem encarnou a menos de meio século, ficou famosa por vender cigarrinhos de chocolate –que tinham, na embalagem, fotos de meninos segurando o doce como um fumante adulto empunha o cigarro.

Os cigarrinhos mantiveram o formato, mas a mudança de humores do mundo os obrigou a se fantasiar de lápis. Eu prefiro comer folhas de tabaco a comer grafite, mas enfim…

Como eu dizia, a nostalgia dos tiozões inundou as redes sociais. Ai, as passas com chocolate. Ai, as bolinhas de conhaque…

Se tem algo em que a gente nunca deve confiar, é na memória afetiva. Reencontrar sensações de tempos passados é a certeza da decepção.

Vale, especialmente, para os doces baratos que nos davam na infância. Eu comia as moedinhas de chocolate da Pan, pois meus pais já não gostavam de me ver brincando de fumar (pouco adiantou, aos 16 anos eu comecei a fumar e só fui parar aos 35).

Eu sei perfeitamente que o chocolate das moedas é ordinário –e não porque tenha piorado ao longo do tempo. Eu que era criança e gostava de comer porcaria.

A Pan tem plena consciência de que vive (vivia?) da memória afetiva da minha geração. Tanto que o slogan da empresa é “o doce sabor da infância a gente não esquece”.

Esquece, sim. Ou melhor, transforma de acordo com os novos gostos adquiridos, transmutando-o na lembrança de algo que nunca existiu de fato.

Vale também, infelizmente, para memórias mais pessoais. A carne assada daquela tia que você não visitava há décadas, por exemplo. Não foi que ela ficou velha e perdeu a mão na cozinha… você que tinha uma memória romantizada da própria juventude.

Dar-se conta disso é libertador. Você evolui, tudo bem, o macarrão da vó não vai ficar chateado com isso.

Mas as pessoas insistem em se apegar à memória afetiva. “Ah, a cerveja tal era mil vezes melhor quando usava água de poço em Agudos.”

Sinceramente, não é impossível nem improvável que tenham alterado a receita da tal cerveja. Só que é absolutamente certo que você aprendeu a beber melhor e, se fosse confrontado com a cerveja daquele tempo, acharia ruim do mesmo jeito.

É para a frente que se anda.

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Fonte: Folha de S.Paulo