Com menor litoral do país, Piauí atrai com sossego e paisagem paradisíaca

Quando o chef belga Hervé Witmeur pisou pela primeira vez em Barra Grande, no Piauí, ela era ainda uma praia quase inóspita, onde poucos turistas, como ele, se aventuravam para velejar ou praticar kitesurf, esporte que divulgou a praia pelo mundo.

Isso porque, há mais de dez anos, o litoral piauiense, com seus pouco mais de 60 km de extensão (o menor do Brasil), era quase um desconhecido pelos viajantes. Foi se desenvolvendo com a chegada de estrangeiros que se apaixonaram pela paisagem paradisíaca e resolveram se estabelecer ali, abrir negócios e começar uma nova vida.

Wilmer inaugurou seu La Cozinha em 2012, quando o centrinho da vila não tinha nem cinco restaurantes —hoje, são mais de 20. “Foi uma aposta arriscada deixar o restaurante do meu pai, em Bruxelas, para iniciar um projeto aqui”, conta.

No início, não foram poucos os dias em que os clientes rareavam. “Mas, com o passar do tempo, Barra Grande conquistou uma rede de turistas fiéis, que vinham, voltavam e indicavam o vilarejo para amigos.”

Muito disso se deve à capacidade de o local se manter preservado enquanto muitos outros destinos litorâneos do país ganharam um fluxo de turismo quase predatório ao se converterem em “locais da moda”.

Em Barra Grande, muito das características do litoral sossegado, mas com muito vento e bosques de coqueiros se manteve, da natureza à arquitetura rústica, mesmo com o gradual crescimento dos negócios ao redor —grande parte deles tocada por estrangeiros, mas cada vez mais por paulistas e brasileiros de outros estados.

De olho nisso, Witmeur transformou o La Cozinha também em uma pousada, com seis bangalôs confortáveis e uma área de piscina que se somaram ao restaurante, onde ele faz uma fusão de técnicas tradicionais francesas e sabores locais.

Com a esposa Marie e os dois filhos pequenos, ele fez de Barra Grande sua casa e, com os anos, passou a investir mais na região. Além de uma loja de artigos de moda, eles também arrendaram um terreno em parceria com um amigo para criar uma fazenda orgânica que alimenta a pousada e os restaurantes (ele também comanda o Éllo, em Jericoacoara, a três horas de distância).

“Para nós, foi primeiro uma necessidade, já que, devido ao difícil acesso, era complicado encontrar até ingredientes simples por aqui, como o coentro”, lembra. Em dois anos e meio, a fazenda La Reserva, com foco em agroecologia e permacultura, já produz frutas regionais, vegetais e verduras.

São cerca de 900 espécies cultivadas em 14 hectares próximos ao rio Parnaíba, de graviola a acerola (bastante popular na região), entre cítricos e muitos tipos de hortaliças. As plantações de moringa e de cúrcuma também fizeram o casal expandir os negócios: hoje produzem óleos essenciais e cápsulas naturais com os “superalimentos”.

Os investimentos ajudaram a fomentar a região. Na fazenda, na pousada e no restaurante, os Witmeur empregam cerca de 40 pessoas, muitas delas locais. É o caso do bartender Marcelino Chaves de Araújo, que decidiu voltar a Barra Grande depois de atuar na área de construção civil em São Paulo.

Ou do motorista Juscelino da Penha Santos, que nunca tinha trabalho no setor de serviço antes de se juntar à equipe do La Cozinha. “Antigamente, os empregos por aqui eram basicamente na Prefeitura ou em alguns comércios que existiam na vila. Hoje, centenas de pessoas da região trabalham em Barra Grande”, diz.

O aumento de turistas ali também ajudou a alavancar outras regiões do litoral piauiense, de Cajueiro da Praia (onde está Barra Grande) até Luís Correia, no Delta do rio Parnaíba, que recebe passeios pelos igarapés e pequenos “lençóis” de areia, e onde é possível avistar macacos, jacarés e pássaros multicoloridos de distintas espécies.

Outro passeio obrigatório na região é a visita aos cavalos-marinhos. Em uma charrete pela areia fofa, os turistas chegam até a beira do rio Camurupim, onde uma canoa os transporta pelo mangue até os enormes cardumes.

Os canoeiros mergulham e voltam à superfície com os animais dentro de pequenos potes de vidro, que são transferidos para pequenos aquários onde podem ser admirados. Ao fim do passeio, os cavalos-marinhos voltam para a água.

Nos últimos anos, além de investimentos do governo local em infraestrutura turística por meio do programa Pró Piauí, voos constantes para Parnaíba (a 70 km) e para o novo aeroporto de Jericoacoara (a 170 km) ajudaram a fazer do litoral piauiense um destino cada vez mais procurado.

“Antes a baixa temporada era realmente muito baixa. Hoje, temos turistas quase o ano todo”, diz Witmeur. A temporada de kitesurf vai de agosto a dezembro, quando os ventos são fortes e constantes e os praticantes da atividade lotam as pousadas.

As chuvas são mais comuns de fevereiro a maio, com menos turistas, embora feriados como a Páscoa, por exemplo, tenham se tornado mais procurados nos últimos anos. “Barra Grande também se tornou um destino de descanso e contemplação com a pandemia, por ser uma zona muito tranquila”, explica.

O contato com a natureza e a recente “redescoberta” do Nordeste também ajudaram a alavancar a procura pelo Piauí. “As redes sociais também deram um impulso grande, ajudando a dar visibilidade a uma região que pouca gente conhecia”, sugere o médico Elias Moreira, que acaba de abrir um espaço de eventos com café em Barra Grande.

Ele trabalhou no vilarejo como plantonista em 2005, e desde então tinha decidido que, um dia, voltaria para investir em algo ali. “É o momento perfeito porque o litoral do Piauí está ganhando mais adeptos”, aposta.

O novo fluxo de turistas —especialmente os vindos de São Paulo— está ajudando a fixar Barra Grande na lista de desejo também dos brasileiros. “Existe uma conjunção única de beleza natural, clima perfeito e hospitalidade do povo piauiense que faz as pessoas se apaixonarem por aqui”, conclui. “Agora que voltei, não saio mais”.

Fonte: Folha de S.Paulo

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