Consumir produtos sustentáveis da floresta amazônica é missão do continente

Você já foi à Amazônia? Sabe o que é tucupi? Já comeu alguma vez?

São perguntas que eu repetia para meus alunos de história da gastronomia para constatar que a esmagadora maioria daqueles brasileiros nunca havia sentido o sabor de produtos amazônicos.

A lembrança me veio à cabeça ao desembarcar há duas semanas em Bogotá, onde centralizaria uma mesa de debates justamente sobre a Amazônia, no evento Alimentarte.

Além do meu depoimento sobre o Brasil, outros países que compartilham a Amazônia teriam ali representantes: o chef Virgilio Martínez e o pesquisador Jan Brack (Central), do Peru; a chef Marsia Taha (Gustu), da Bolívia, e o chef colombiano Andrews Arrieta (Açaí). O tema: “Amazônia, eixo da identidade gastronômica da América Latina”.

Essa mesa nasceu seis meses antes, em outro país, o México. Foi num debate sobre unidade da gastronomia na América Latina, realizado na cidade de Mérida, onde –dessa vez da plateia— opinei que essa sempre foi uma discussão muito abstrata. O que têm em comum países divididos por dois idiomas; debruçados sobre dois distintos oceanos; metade marcada por uma imponente cordilheira, outra metade centralizada pela floresta e pela savana?

Naquele dia eu sugeri que, para deixar de ficar apenas em ideias abstratas ou ideológicas (uma unidade patriótica que nunca me agrada), deveríamos focar naquilo que concretamente pode influenciar a gastronomia do continente: a Amazônia.

É verdade que 64% da floresta está no Brasil; mas ela se divide ainda por outros oito países. Em todos, ela pode contribuir com a biodiversidade, a cultura e a gastronomia.

Mas não é só: outros países, mesmo não tendo a floresta em seu território, dependem diretamente dela. Argentina e Uruguai não têm Amazônia, mas não teriam seu precioso produto —a carne bovina— sem seus maravilhosos pastos. E estes só existem porque são regados pela… floresta amazônica, através dos rios voadores (as correntes de umidade aérea) que ela gera.

Para se ter uma ideia, são 400 bilhões de árvores criando diariamente uma massa de ar úmido de 20 trilhões de litros de água, levando chuvas para muito longe. Inclusive para o pampa gaúcho.

A verdade é que a Amazônia é em si mesma um país, um bioma com grande identidade, mas que foi dividida por fronteiras artificiais iniciadas pelos invasores europeus.

Já viajei, e até dormi em malocas indígenas, por trechos da floresta no Brasil, na Colômbia, no Peru. Se você se dispuser a viagens parecidas, vai perceber que existem, sim, diferenças que foram maturadas pela distância, mas há também nações que são únicas, mantêm sua identidade, mas separadas por várias fronteiras.

Em alguns países, o tucupi é chamado de ají negro. O pirarucu, gigantesco peixe que domina o cardápio na região, na Bolívia era desconhecido –e hoje ali é uma espécie invasora. Ou seja, viajar pela extensa região nos mostra particularidades locais; mas elas só realçam a base comum que aqueles povos têm.

O debate agora realizado em Bogotá foi sugestão do chef Virgilio Martínez, que logo após aquela conversa de seis meses atrás em Mérida me procurou para pensar em formas de expandir essa ideia.

De fato, parece que é hora para que a região seja assumida, assimilada e protegida pelas populações da América Latina. No Brasil, a Amazônia é 50% do território. Mas ali só vivem 13% da população –e os centros mais ricos ficam longe, ignorando aquela riqueza e os perigos que ela corre (e corremos todos).

No final de minha palestra, sugeri que uma das formas de assimilar a região é pela boca, consumindo seus produtos sustentáveis: “comer para sustener” –ou degustar para preservar.

O jornalista viajou a convite da Alimentarte

Fonte: Folha de S.Paulo