Cozinhar pelado é atração principal de resort na Flórida

Karyn McMullen está cansada de responder a perguntas sobre como faz para cozinhar bacon sem roupa.

É uma daquelas brincadeiras que as pessoas não conseguem evitar fazer a nudistas e, para McMullen, que cozinha nua há duas décadas, isso demonstra como o nudismo é incompreendido. Muita gente só pensa nos percalços da prática —por exemplo, queimaduras causadas por respingos de gordura— e nunca nos benefícios.

“O que importa não é o bacon, é a liberdade”, disse enquanto salteava pimentões, vestindo nada além de unhas com glitter, na cozinha de sua casa no Resort Familiar de Nudismo Lake Como, uma espécie de condomínio e acampamento em Lutz, a cerca de 150 km de Orlando, na Flórida. Ela vive lá com o marido, Jayson McMullen.

Os McMullen são um casal entre os dez milhões de americanos que se identificam como nudistas ou naturistas, segundo estudo de 2011, o mais recente disponível, conduzido pela Ypartnership, companhia de serviços de marketing, e pelo Harrison Group. 

Alguns historiadores dizem que o movimento naturista ocidental surgiu na Alemanha no século 19, como parte de um esforço para resistir à industrialização ao viver de modo mais simples. Surgiram os resorts, as organizações e as praias de nudismo e, quando os alemães emigraram aos EUA, no século 20, alguns levaram a prática com eles. 

Em 2017, a Associação Americana de Recreação Nudista calculou que o turismo naturista na Flórida, com 34 empreendimentos do tipo, levava 2,2 milhões de viajantes ao estado a cada ano.

O movimento tem uma conexão histórica com a culinária. Quando emergiu, na Europa, se preocupava tanto com a dieta de seus seguidores quanto com as roupas. Alguns nudistas evitavam pratos com carne vermelha e adotaram uma alimentação saudável.

Hoje, a comida é parte da experiência no Lake Como. Mais antigo dos resorts de nudismo em operação contínua na Flórida, o local oferece restaurantes e alojamentos com cozinhas, o que garante que seus hóspedes jamais precisem vestir roupas para jantar.

Além do restaurante principal, chamado Bare Buns Cafe, há o bar Butt Hutt, com noites de karaokê e “jam sessions” em que todo mundo canta e toca nu. Os estabelecimentos não têm normas de vestuário, exceto a de que cada hóspede traga uma toalha para cobrir os assentos, por motivos higiênicos.

Alguns dos hóspedes e moradores do Lake Como dizem que viver nus os ajudou a cultivar um relacionamento mais positivo com a comida.

Karyn McMullen, 60, é comissária de bordo e chegou a pesar 140 quilos. “Eu ia à praia com um maiô que parecia um balão, e ouvia as pessoas rindo”, afirmou. 

Um dia, visitou uma praia de nudismo em Nova Jersey. “Pela primeira vez ninguém ficou olhando. Eu soube que aquilo era a coisa certa para mim.”

McMullen perdeu 84 quilos desde então, mas considera que isso não é tão importante. Ela falou sobre cozinhar e nudez como se as duas coisas fossem indissociáveis. “É muito criativo”, disse.

Ela e o marido, Jayson, 63, vivem em Lake Como, mas viajam muito, se hospedando em resorts nudistas quando podem. As paredes de sua casa têm como decoração fotos de grupos de passageiros tiradas em cruzeiros nudistas. 

Do lado oposto do condomínio, outro casal, Clark e Maryanne Rettig, estava se preparando para receber amigos —algo que não teriam feito na época em que usavam roupas.

“Eu era uma pessoa tímida e introvertida”, disse Clark, 63. “No momento em que comecei a viver nu, isso desapareceu em dois segundos.”

O casal divide seu tempo entre Orlando e sua casa no Lake Como. “Sinto-me mais livre e mais imaginativo quando estou nu ao cozinhar”, disse Clark. Ele se movimentava agilmente na cozinha, quase queimando a barriga na panela ao escorrer o macarrão.

Por volta das 17h, chegaram os hóspedes, cada qual carregando uma toalha, como a etiqueta requer. Eles comeram em uma mesa no deque, com guardanapos de papel sobre as coxas, mastigando o macarrão ao som de Jimmy Buffett.

Apesar do entusiasmo culinário da comunidade nudista, cozinhar pode ser complicado. McMullen aprendeu a dar um passo para trás quando vai tirar comida do fogão, a fim de evitar tocar metais quentes. O marido dela evita fritar comida e usa um avental quando o faz. 

Nancy Rehling, 70, que vive no Lake Como, disse que usa uma camiseta ao cozinhar, para se proteger dos respingos. “Tenho cicatrizes na barriga e no topo dos seios por conta do trabalho na cozinha.”

Mas diversos cozinheiros apontaram que preocupações de higiene são inevitáveis em qualquer trabalho culinário. Os bons modos à mesa não mudam se os convivas estiverem sem roupa. E um nudista tem a mesma capacidade de preparar bacon, ou qualquer comida, que um cozinheiro completamente vestido.

Tradução de Paulo Migliacci

Fonte: Folha de S.Paulo