É impossível comprar comida boa por apenas R$ 1

Postei no meu Instagram, outro dia, a fachada de uma casa em Ubatuba (SP) com um cartaz que anunciava a venda de salgadinhos –coxinha, rissole e bolinho de mandioca, todos a R$ 1 cada.

Foi interessante acompanhar os comentários.

Uma galera achou tosco demais. “Fritos em óleo de um mês atrás”, debochou Diogo. “Cruzes…”, suspirou Leda.

Aí entraram em ação, contra o pessoal aí acima (e contra mim mesmo, presumo), os defensores dos salgadinhos baratos.

“Não é porque custa 1 real que não pode ser feito por uma dona de casa, com carinho, com qualidade e com bom tempero”, argumentou Hugo.

A retórica pró-salgadinho seguiu essa linha, além dos ataques à brigada antissalgado. Quem falou mal dos quitutes foi chamado de “gourmet”, “nutella” e “nutella gourmet”.

Não é questão de gourmet ou ogro, nutella ou raiz. É aritmética elementar. Com o devido respeito à pessoa que faz e vende os tais salgadinhos para sobreviver, é impossível entregar comida de qualidade por um preço tão baixo.

Os guardiões da honra do quitute jogaram no debate uma narrativa romantizada –a de que as mãos mágicas de um bom cozinheiro transformam qualquer porcaria em delícias.

Uma boa cozinheira, aliás, como é explicitado no comentário de Hugo. Dona de casa. O conto colonial, com notas machistas, retrógradas e por vezes racistas, já vem no hardware de muita gente.

Não é assim que funciona, meu povo. Não há Palmirinha que resolva essa equação. Um mau cozinheiro é capaz de arruinar ingredientes fantásticos, mas nem o melhor dos chefs consegue fazer milagre com ingredientes ruins.

O custo de uma fritura envolve, além dos ingredientes, gás forte e muito óleo –que precisa, sim, trocado diariamente. O preço de venda deve incluir um lucro que compense o custo e o trabalho.

O Habib’s vende esfihas a R$ 0,99 porque tem uma escala monstruosa e porque compensa o déficit nos outros itens do cardápio, que os clientes pedem sem pensar muito. Uma lata de refrigerante custa R$ 7,90. Um sanduíche Habibão sai por R$ 31,90. A esfiha, em si, não se paga. E é detestável, por sinal.

Quanto aos salgados de Ubatuba, não os provei porque a janela estava baixada. Num cenário otimista, devem ser até gostosos –pequenos, com muita farinha, pouco recheio e óleo reciclado. Note: gostoso não é sinônimo de bom.

Mas, como diz o velho sábio: cada um, cada um…

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Fonte: Folha de S.Paulo