Golpe da marmita é roubar comida dos miseráveis e famintos

Somos acostumados em demasia com golpes, contos, esquemas, falcatruas e maracutaias. Tem tanto vigarista, tem tanto otário que a gente leva o jogo de enganação como se fosse normal. É a vida.

Só no Mercadão de São Paulo, recentemente falou-se muito no golpe da fruta (comerciantes empurrando frutas a preços extorsivos) e do golpe da mortadela (outros comerciantes vendendo a marca X e entregando a Y, de qualidade inferior).

No Rio de Janeiro, outro dia, um homem foi preso aplicando um golpe com feijões. Não prometia feijões mágicos como o da fábula do João, apenas os tingia de verde. Assim, multiplicava o valor do feijão-fradinho ao fazê-lo se passar por feijão-de-corda verde –como se vê, as nuances são muitas na escolha dos ingredientes do baião-de-dois.

O golpe do feijão é anedota, é quase folclore se comparado ao esquema armado em Blumenau (SC) para ganhar dinheiro com a doação de marmitas que não existiam. O rolo ganhou, nas redes sociais, o apelido de marmitagate.

É uma história bem complicada, que você pode entender em detalhes nesta reportagem do F5 e em alguns fios do Twitter, como este. Eu vou tentar fazer um resumo rápido.

Uma certa Eduarda Poleza teria criado um projeto social chamado Alimentando Necessidades, em que arrecadava dinheiro por Pix para, em tese, distribuir refeições para pessoas em situação de insegurança alimentar.

Para chamar atenção, a tal Duda chegou a inventar uma parceira no projeto, criar um perfil virtual para a amiga imaginária e descrever, nesse perfil, uma situação em que a moça (que não existe) era estuprada numa festa. No fim do relato escabroso, pedido de doações para as marmitas.

O lance rocambolesco levantou suspeitas de quem, até então, via como de boa-fé a iniciativa de Duda Poleza. Descobriu-se que as fotos das marmitas –que sempre mostravam a produção da comida, nunca a distribuição das doações– eram tiradas no restaurante do pai da Duda, que vende refeições para trabalhadores.

Esquema descoberto, a Polícia Civil de Santa Catarina passou a investigar Duda e seus possíveis cúmplices.

Não se sabe quanto dinheiro foi arrecadado com as marmitas que nunca foram entregues. Pouco interessa o volume da tunga, a bem da verdade. O maior problema é natureza da fraude.

Faturar com doações falsas é desviar o dinheiro que iria para pessoas necessitadas. É o cúmulo da falta de noção de comunidade. É roubar dos miseráveis.

Quem faz isso não se importa com ninguém, está se lixando para o bem-estar coletivo.

Equivale, no tanto de imoralidade, às pessoas que se passavam por pobres para receber o auxílio emergencial na pandemia –coisa que fez, por exemplo, o churrasqueiro da picanha de R$ 1.799 assada para o presidente Bolsonaro.

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Fonte: Folha de S.Paulo

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