Marmita clandestina é a tendência gastronômica do Brasil atolado na crise

Em Brasília, de onde escrevo, os pátios de estacionamento –a cidade é cheia de bolsões gratuitos ao ar livre– se transformaram em restaurantes informais.

O sujeito chega cedo com seu “pois é”, que pode ser um Monza, um Fiat Elba ou outro museu volante. Na traseira, uma ou mais caixas de isopor grandes, cheias de marmitas. Quando se aproxima a hora do almoço, ele monta uma tenda para se proteger do sol e exibe uma placa com o cardápio do dia.

Um dos vendedores de marmita oferece feijoada, estrogonofe e almôndegas ao molho de tomate. Cada um deles por R$ 10.

Quando dá o meio-dia, chegam os funcionários das lojas e dos escritórios próximos. Alguns marmiteiros oferecem uma ou outra mesinha dobrável, caso o cliente queira desfrutar o almoço sob o sol do Cerrado. Mas a maioria dos compradores leva a comida de volta para o lugar de trabalho –aliás, como observei, muitos pegam também a refeição dos colegas.

No Rio de Janeiro é a mesma coisa. As vagas de estacionamento em volta da lagoa Rodrigo de Freitas são ocupadas pelo pessoal das marmitas –lá chamadas de quentinhash– e sua freguesia de porteiros, manobristas, cabeleireiros e outros trabalhadores.

Até na praia a quentinha aparece. Sábado passado, no Arpoador, um indivíduo tentava liquidar seu estoque de frango assado pelo preço promocional de R$ 5.

O fenômeno das marmitas é uma medida do tamanho do buraco em que o país está atolado. De um lado, o infeliz desempregado que vai vender arroz (muito arroz) com feijão na rua; do outro, o consumidor sem CLT, sem vale-refeição, sem poder aquisitivo para almoçar em um boteco xexelento.

Não é preciso perspicácia para deduzir que o serviço prestado pelos marmiteiros é irregular. Se você ligar lé com cré, vai se dar conta do risco embutido numa refeição sem nenhuma garantia de procedência.

Duvido que os compradores das quentinhas ignorem que lá talvez tenha alimento vencido, contaminado, estragado. Mas eles precisam comer, fazer o quê?

Anos atrás, o Brasil se livrou dos empecilhos legais que impossibilitavam a operação dos food trucks, tendência nos Estados Unidos. Finalmente poderíamos vender hambúrguer e cerveja artesanal numa van com desenho de caveira. Meteríamos a luva preta de borracha para lucrar com o brisket e o pulled pork.

Não rolou legal. A galerinha empreendedora foi com sede demais ao pote: a oferta superou a demanda. Fué!

Tampouco conseguiram convencer o brasileiro a pagar preço de restaurante para comer em pé com talheres de plástico. Fué! Fué!

Olha só que ironia: o aprofundamento da crise levou o país a descobrir sua vocação. A marmita clandestina cheia de arroz é a nossa street food. Uma tendência gastronômica 100% brasuca.

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Fonte: Folha de S.Paulo